domingo, 20 de junho de 2010

QUASE FIQUEI CEGO

Há poucas semanas escrevi um artigo sobre os perigos de se caminhar pelas ruas de Cuiabá. Citei os perigos básicos e fiz uma referência especial aos cães bravos. Santa ingenuidade a minha! Existem inúmeros outros perigos a que somos expostos, e que só são percebidos ao acaso, quando somos nós as vítimas.

Hoje, durante a minha habitual caminhada matinal me expus a um desses perigos. O fato aconteceu na reta final da caminhada. Vinha subindo sozinho pela ladeira de uma conhecida avenida de mão dupla, com muitos carros trafegando, quando aconteceu o imprevisto. Passava em frente a uma casa com proteção de grades de ferro justamente na hora em que um operário acionava a sua máquina de serra elétrica nas grades. Fagulhas de fogo por todo lado, claro. Vi-me envolvido por essa nuvem de fagulhas. Num ato reflexo paro. Levo as mãos ao rosto para proteger meus olhos. Evidentemente fiquei ansioso pelas eventuais consequências caso alguma fagulha tivesse alcançado os meus olhos. Mas, os meus óculos amenizaram uma possível tragédia.

Este fato, de usar óculos, me levou a uma reflexão. Só necessito de óculos para o conforto da leitura e escrita. Há oito anos tenho duas excelentes próteses oculares, substituindo os meus velhos cristalinos. Por que então uso óculos na caminhada? Nunca tinha pensado nisso. Hoje fiquei ainda mais convencido de que não existe causalidade. Tudo tem sua razão de ser.

Mas, vamos ao desdobramento do caso. O trabalhador assustado desliga a sua serra elétrica e vem ao meu encontro para saber como eu estava. Fiz um rápido auto-exame oftalmológico e fiquei tranqüilo com a possibilidade de uma lesão das córneas. As lentes desnecessárias que uso serviu de anteparo para uma lesão ocular que poderia ser grave. Senti apenas uma ligeira irritação nos olhos, semelhante aquela que sinto quando enfrento ventos fortes de frente. O trabalhador a tudo observava em silêncio. Antes de continuar a caminhada dirijo-me a ele para tranqüilizá-lo. Digo a ele que sou médico e que caminho todos os dias para “acrescentar vida nos meus dias”. Ele esboça um leve sorriso, meio sem entender o que eu disse, mas demonstra certa preocupação. Digo para não se preocupar comigo, pois estava tudo bem e ele não tinha a mínima culpa. Despeço-me fraternamente do meu novo amigo.

Este trabalhador foi mais vítima do que eu. A grande maioria dos trabalhadores deste país sofre pela incompetência, descaso e demagogia dos nossos políticos. Compram máquinas e esquecem-se dos homens que irão trabalhar com elas. Acontece com trabalhadores de todos os níveis escolares. Dos formados pelo sistema ‘S’, até pelas secretarias de casamentos e carnavais promovidos para idosos, apelidadas de secretarias sociais - que cuida da qualidade de vida do trabalhador. Nunca esquecendo que não estão salvos dessa tragédia social os privilegiados de diploma superior e com carteirinhas de pós- graduação.

Quando o nosso sistema educacional consegue qualificar alguém, o máximo que faz é formar bons técnicos. Não existe a preocupação com o lado humano do trabalhador. Preocupação no sentido de prepará-los adequadamente para que saibam evitar prováveis acidentes, tanto com eles como com os outros. Contudo o pior não é a falha na qualificação de um trabalhador: é a falta de oportunidade. Muitos aprendem por esforço próprio, por ausência gritante de programas sociais que atendam toda a demanda. O resultado? Eu poderia ter ficado, não digo cego, mas com graves problemas oculares.

Tudo isso me faz pensar que o termo do momento não é “falsos indicadores econômicos”, e sim “falta de humanismo”.

Gabriel Novis Neves
17/06/2010

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