quarta-feira, 16 de junho de 2010

CONVERSA DE BAR

Fui criado no bar do meu pai, o Bar do Bugre. Perambulando por ali escutava as conversas dos freqüentadores - escutava e admirava. Tinha razões para isso, pois a nata da intelectualidade da época era freqüentadora assídua do bar. Juízes, desembargadores, promotores de justiça, políticos famosos, historiadores, poetas, jornalistas, profissionais liberais, professores, acadêmicos, músicos, compositores, leitores de mãos para desvendar o futuro, mágicos, e até o padre secretário-particular de Dom Aquino Corrêa. Os mais variados assuntos eram ali comentados e discutidos, com especial destaque à política. Discutia-se, sempre de forma muita acirrada, a política e os políticos da época, assim também como a política e os políticos de priscas eras.

Pois bem, fui para o Rio de Janeiro estudar Medicina. Terminados os estudos, voltei e iniciei minha carreira profissional. Atuei na Medicina, educação e política. Mas, não é esse o foco desse texto. O que quero deixar hoje aqui registrado é que, apesar do longo tempo decorrido entre a minha meninice no Bar do Bugre até os dias de hoje, ainda tenho guardadas na minha memória certas conversas ouvidas naqueles anos longínquos. E, hoje, enojado da bagunça nacional, recordo-me de uma delas contada por um ilustre professor – O Sermão do Bom Ladrão, pregado pelo Padre Antonio Vieira, em 1655. Vou transcrever um trecho do sermão, atualíssimo, apesar de ter sido escrito há mais de dois séculos.

“Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. — Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno. Os ladrões que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera... os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não são só ladrões, diz o Santo Basílio, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão se banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões verdadeiros são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com a manha, já com força, ROUBAM E DESPOJAM OS POVOS. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados; estes furtam e enforcam...”

Bem atual não é mesmo? Um sermão que não sai de moda e que se identifica muito com a promiscuidade política que vivemos hoje. Tristemente deduzo que não é de hoje que o povo sofre as mesmas chagas da ganância e das inescrupulosas atitudes de nossos governantes. Será sempre assim? Será que daqui a três séculos este Sermão ainda estará atual? Sim, será atual, caso não trabalhemos urgentemente para engrandecer e fortalecer o caráter e os valores morais das gerações que estão por vir.

Gabriel Novis Neves
14/06/2010

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