sábado, 1 de março de 2014

INFÂNCIA

Entre as inúmeras lembranças que guardo da minha longínqua infância, é a de uma senhora que morava em frente a minha casa e tinha mania de limpeza.
Ela já acordava com uma vassoura de pelo na mão direita e outra na mão esquerda. Sobre os ombros um pano úmido limpíssimo para apagar vestígios de qualquer mínima poeira. Esse era seu primeiro serviço do dia – a limpeza da casa.
Seu orgulho era dar brilho aos lindos ladrilhos importados que cobriam abundantes metros de piso do casarão imperial.
Tinha pavor de casa desarrumada e suja. Ela morava com os pais e, para ela, casa onde vivam idosos tinha de estar constantemente limpa.
Quando os pais recebiam visitas – naquela época ato muito corriqueiro – ela as encaminhava à sala, mas ia atrás limpando a trajetória.
Participava das conversas com a vassoura ao seu lado. Na saída ela repetia o ritual.
Ninguém se incomodava, pois todos conheciam os hábitos da casa que não podia sujar.
Além da limpeza, suas cristaleiras europeias estavam sempre repletas de guloseimas feitas por ela.
Até o almoço ela preparava, pois “cozinheira suja muito a cozinha e não sabe limpar. Prefiro fazer tudo” - dizia sempre.
Mantinha uma bela horta no quintal. De lá tirava folhas e legumes para a esmerada travessa de salada, nunca do agrado do cuiabano. O forte eram as raízes.
Ao lado o galinheiro, com produção diária de ovos, frango para sopa de enfermos e a galinha para o almoço de domingo com macarronada. A sobremesa era sempre de frutas da ocasião.
Leite, carne bovina, de suínos, queijo, doce de leite, lenha para o fogão, vinham da chácara da Guia.
O pão era o caseiro, nunca de padarias “imundas e sem higiene”.
Cresci com aquela imagem de organização caseira, em uma época em que não havia geladeiras e a nossa energia elétrica fazia parte do nosso folclore.
Todo alimento produzido no dia tinha de ser aproveitado, ainda mais com o nosso clima desértico.
A verdade é que em todas as casas existia ao lado da porta da cozinha para o quintal, uma lata vazia de banha de porco para receber as sobras de comida.
No dia seguinte, em horário pré-determinado, aparecia o criador doméstico do suíno para levar a alimentação.
As crianças do século XXI jamais terão essas lembranças. “Éramos felizes e não sabíamos”.

Gabriel Novis Neves
27-12-2013

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