Um bilhete esquecido num paletó antigo desperta recordações — de um amor, de uma viagem ou de um dia comum.
Aquele pequeno papel amarelado transforma-se em ponte entre o passado e o presente.
Quanto mais avançamos, mais sólida se torna essa ponte literária que liga o ontem ao agora.
E se eu disser que, no meu presente, vivo mais intensamente o meu passado?
Hoje tenho o tempo que me faltou quando ainda não tinha tempo para pensar — por exemplo — naquele bilhete esquecido num paletó antigo, quando tudo era recente demais.
Naquele tempo, o bilhete não fora esquecido e o paletó era de uso diário.
As recordações surgem com o tempo — e as dúvidas também.
Mas aquele bilhete falava de algo importante, algo que não se transformou em lixo.
Seria um adeus de um amor não correspondido, mas nunca esquecido, ainda cheio de esperança?
Ou lembranças de uma viagem feliz, que nunca deveria ter terminado?
Talvez simples anotações do cotidiano, guardadas para um futuro que acabou chegando?
Como é difícil lidar com as coisas do passado quando ele já está tão distante — como no meu caso, que completei noventa anos!
Falta o calor daqueles dias, e isso torna mais difícil compreender o que fomos.
A vida do velho é um constante diálogo com o passado, um esforço para decifrá-lo com nitidez.
Racionamos como velhos sobre os fatos da juventude, e, quase sempre o romanceamos — colocando uma pitada de amor em tudo o que nos traz lembranças.
Talvez por isso encontremos tantos poetas idosos escrevendo sobre a juventude, onde o amor se faz presente em quase tudo.
Era comum antigamente, escrever diários. Quem sabe aquele bilhete esquecido não fosse um lembrete para enriquecer o diário?
Esses cadernos da juventude se transformaram em memórias vivas da velhice.
É difícil interpretar o nosso passado, repleto de dúvidas — e o que passou, não pode ser tratado como adivinhação.
Gabriel Novis Neves
05-11-2025
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