Após o café da manhã uma xícara esquecida na pia reflete a presença de quem já saiu.
Como os objetos guardam conversas que o tempo não leva!
Às vezes lembro de certas conversas que marcaram minha vida.
Uma delas, com o historiador Rubens de Mendonça, permanece intacta dentro de mim — não pelo assunto em si, mas pelo gesto humano de trocar ideias.
O tema era a guerra do Paraguai, mas o que ficou guardado foi a convivência, o valor da palavra dita com calma, como se o tempo ali também não tivesse pressa.
Essas conversas assim como os objetos, resistem silenciosamente.
A medalha que carrego no cordão do pescoço — companheira de tantas décadas — certamente ouviu confidências que nem eu lembraria de repetir.
Quantas conversas ela preservou, e que o tempo não levou?
Viúvo, sinto que é minha obrigação zelar por essas conversas que só eu testemunhei.
Não tenho mais com quem dividi-las, e talvez por isso mesmo elas se tornem mais valiosas, mais densas, mais urgentes.
Fico imaginando se a xícara esquecida na pia se sente abandonada ou se sabe que logo será resgatada, voltando ao convívio da família. Talvez compreenda que seu papel é justamente esse: testemunhar o dia começando, acolher o silêncio de quem partiu apressado, e guardar mais uma migalha de história.
Quantas divagações fazemos sobre esses objetos que guardam conversas, enquanto nós, humanos, tantas vezes as desperdiçamos? Somos, como já ouvi dizer, grandes poluidores das próprias palavras.
Segredo entre quatro paredes é quase lenda — e ainda acrescentam que quem conta um conto, aumenta um ponto.
A xícara esquecida, ao contrário nada aumenta, nada inventa.
Reflete apenas, com honestidade simples, a ausência de quem já saiu: o gesto apressado a última golada de café, a pressa de viver que deixa rastros na cozinha.
Talvez por isso ela me comova.
No fundo, a xícara na pia é mais do que louça esquecida.
É guardiã das conversas que o tempo não leva — essas que sobrevivem no silêncio das coisas e no silêncio profundo de quem as observa.
Gabriel Novis Neves
19-11-2025
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