sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O GATO DA IGREJA


Vive entre bancos e velas, indiferente às preces, mas fiel ao silêncio dos fiéis. 

 

Ninguém sabe de onde veio, mas todos sentem que ele pertence àquele lugar. 

 

O gato apareceu um dia na igreja e, sem pedir licença, adotou a casa. 

 

Nos primeiros dias, o sacristão tentava expulsá-lo para a rua — embora o animal não incomodasse ninguém. 

 

Mas ele sempre voltava, silencioso e determinado. 

 

Ninguém sabia seu sexo, e todos o chamam de ‘o gato’. 

 

Magro e desconfiado, acabou despertando a compaixão do sacristão, que passou a dividir com ele a marmita. 

 

Senhoras caridosas começaram a trazer pequenas garrafas de leite, que despejavam com cuidado num prato esmaltado, esperando que o bichano se aproximasse. 

 

Na reza das sete da noite, sempre sobrava um pedaço da carne da sopa. 

 

O gato foi conquistando a simpatia dos fiéis e, pouco a pouco, foi engordando — talvez mais do que o necessário. 

 

Até que, certa tarde, na missa das cinco, o sacristão, ao abrir as portas, deparou-se com ‘o gato’ deitado junto à pia batismal...  

 

Dava de mamar a oito gatinhos famintos. Solidário, o sacristão levou a recém-descoberta mãe e sua ninhada para o quintal dos fundos da igreja. 

 

Quando os filhotes cresceram, contou o ocorrido aos fiéis, e todos se prontificaram a adotá-los, deixando a mãe no lugar que era seu — a igreja. 

 

Desde então, ela permanece ali, serena, entre bancos e velas, sem incomodar ninguém. 

 

O sacristão, com a ajuda dos devotos, garante-lhe alimento e abrigo. 

 

A igreja foi reformada e as portas passaram a abrir-se apenas nos horários das missas. 

 

Mas ficou a pergunta: como um outro gato soube da presença da fêmea na igreja? 

 

Como a encontrou? 

 

Mistério que ninguém jamais conseguiu explicar. 

 

Talvez fosse apenas uma das discretas formas com que Deus demonstra que a vida — em todas as suas criaturas — é um ato divino. 

 

E assim, a gata continua na igreja, entre bancos e velas, fiel ao silêncio dos fiéis e à saudade da sua filharada cujo destino ignora.

 

 A natureza, afinal, é simples e sábia na arte de perpetuar a espécie. 

 

Gabriel Novis Neves 

11-11-2025




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