Vive entre bancos e velas, indiferente às preces, mas fiel ao silêncio dos fiéis.
Ninguém sabe de onde veio, mas todos sentem que ele pertence àquele lugar.
O gato apareceu um dia na igreja e, sem pedir licença, adotou a casa.
Nos primeiros dias, o sacristão tentava expulsá-lo para a rua — embora o animal não incomodasse ninguém.
Mas ele sempre voltava, silencioso e determinado.
Ninguém sabia seu sexo, e todos o chamam de ‘o gato’.
Magro e desconfiado, acabou despertando a compaixão do sacristão, que passou a dividir com ele a marmita.
Senhoras caridosas começaram a trazer pequenas garrafas de leite, que despejavam com cuidado num prato esmaltado, esperando que o bichano se aproximasse.
Na reza das sete da noite, sempre sobrava um pedaço da carne da sopa.
O gato foi conquistando a simpatia dos fiéis e, pouco a pouco, foi engordando — talvez mais do que o necessário.
Até que, certa tarde, na missa das cinco, o sacristão, ao abrir as portas, deparou-se com ‘o gato’ deitado junto à pia batismal...
Dava de mamar a oito gatinhos famintos. Solidário, o sacristão levou a recém-descoberta mãe e sua ninhada para o quintal dos fundos da igreja.
Quando os filhotes cresceram, contou o ocorrido aos fiéis, e todos se prontificaram a adotá-los, deixando a mãe no lugar que era seu — a igreja.
Desde então, ela permanece ali, serena, entre bancos e velas, sem incomodar ninguém.
O sacristão, com a ajuda dos devotos, garante-lhe alimento e abrigo.
A igreja foi reformada e as portas passaram a abrir-se apenas nos horários das missas.
Mas ficou a pergunta: como um outro gato soube da presença da fêmea na igreja?
Como a encontrou?
Mistério que ninguém jamais conseguiu explicar.
Talvez fosse apenas uma das discretas formas com que Deus demonstra que a vida — em todas as suas criaturas — é um ato divino.
E assim, a gata continua na igreja, entre bancos e velas, fiel ao silêncio dos fiéis e à saudade da sua filharada cujo destino ignora.
A natureza, afinal, é simples e sábia na arte de perpetuar a espécie.
Gabriel Novis Neves
11-11-2025
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