segunda-feira, 17 de novembro de 2025

SERENATAS CUIABANAS


Escrevo sobre a cidade em que nasci e fui educado para deixar aos mais jovens a lembrança da velha capital, tão diferente da que vemos hoje.

 

Jamais fui contra o desenvolvimento da cidade e do Estado.

 

Ao contrário, acompanhei de perto a sua transformação na metrópole que se tornou.

 

Vi inúmeras cidades nascerem em Mato Grosso e participei da ocupação da Amazônia mato-grossense.

 

As cidades que vi surgir há cinquenta anos, hoje são centros de excelência, com qualidade de vida invejável.

 

Algumas já possuem, inclusive, universidades federais com cursos chamados de nobres — Direito, Engenharia Civil e Medicina — funcionando normalmente.

 

São cidades modernas, planejadas desde o início.

 

Apesar desse admirável crescimento econômico, Cuiabá como todas as grandes cidades, perdeu parte de seu romantismo. Perdeu as serenatas —interrompidas apenas pela chuva.

 

Cresci embalado por vozes e sons de violões, surpresas da madrugada.

 

Quantos romances empurravam apaixonados a cantar para amores juvenis, nem mesmo os temporais cuiabanos eram capazes de silenciar. Quantas vezes os amigos das serenatas foram dispersos pelos latões de água jogados sobre suas cabeças! Era rara a semana em que não fôssemos presenteados pelos seresteiros, artistas da noite.

 

E a moça homenageada ficava toda sem jeito para explicar aos pais quem era o namorado. Quando retornei à minha cidade natal para exercer a Medicina, ainda existiam serenatas, e eu fui presenteado com uma.

 

As famílias moravam em casas com janelões voltados para rua.

 

Havia apenas um edifício em construção, ao lado da Praça Alencastro, vizinho ao novo Palácio do Governador.

 

Poucos pais ciumentos repeliam a saudação amorosa, ainda que, por vezes, essas reações terminassem com amizades desfeitas.

 

Gostaria de ter tido filhas moças para acompanhar de perto aqueles romances e amizades embalados por vozes e violões.

 

Minha Cuiabá querida perdeu suas raízes de cidadezinha do interior, para se transformar em cidade universitária, centro de serviços e capital do agronegócio.

 

Em troca, perdeu suas serenatas e sua inocência.

 

Gabriel Novis Neves

09-09-2025




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