segunda-feira, 24 de novembro de 2025

GUARDANAPO ESCRITO COM BATOM


No café da esquina um guardanapo esquecido trazia um nome rabiscado a lápis.

 

Um amor interrompido, uma despedida silenciosa, um bilhete que o tempo não levou.

 

Tenho reparado que, nas minhas últimas crônicas, ando muito romântico.

 

Será que a idade avançada me faz lembrar da juventude, quando tudo estava ligado ao amor — muitas vezes desejado, mas nem sempre correspondido?

 

Quando fui garçom no bar do meu pai, quantos guardanapos esquecidos com um nome ou uma frase rabiscada recolhi!

 

Nunca imaginei que pudessem esconder um amor interrompido ou uma despedida silenciosa.

 

Geralmente traziam o nome de uma mulher.

 

Pensava tratar-se de uma funcionária, ou talvez do título de uma marchinha de carnaval.

 

Muitos compositores do meu tempo se inspiravam nas mesas do bar e, estabanados, saíam deixando o guardanapo rabiscado.

 

Hoje guardaria esses guardanapos — verdadeiras relíquias — em uma gaveta do meu quarto.

 

Por quantos anos a partitura do chorinho ‘Carinhoso’ do Pixinguinha ficou sem letra?

 

Trinta anos!

 

Até que um dia o letrista João de Barro escreveu os versos, e o mestre os aceitou.

 

Desde então, quase toda a festa termina com todos cantando o imortal Carinhoso.

 

Noel Rosa também escreveu lindas canções em guardanapos de mesas de bar.

 

E numa boate da zona sul do Rio de Janeiro, Dolores Duran escreveu, com batom em guardanapo, a letra de uma das músicas mais belas, musicada por Tom Jobim.

 

Na sorveteria do bar do meu pai os guardanapos esquecidos traziam mensagens escritas com batom.

 

À noite era o ponto preferido das mulheres da chamada ‘vida fácil’, de risadas altas e dentes de ouro, que ali fumavam e tomavam a sua cerveja gelada.

 

Ah! se eu tivesse guardado aqueles guardanapos!

 

Quantos segredos teria desvendado com a ajuda do tempo.

 

Naquele tempo não era costume as pessoas famosas darem autógrafos.

 

Hoje, com a confusão entre conhecidos e celebridades, é comum encontrar nas mesas de cafés, bares e sorveterias, um bilhete rascunhado num simples guardanapo de papel.

 

Como o jovem pensa diferente do velho!

 

Agradeço à idade que tenho por me permitir viver este eterno romantismo.

 

Gabriel Novis Neves

09-10-2025






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