Escuto o som do ferro deslizando sobre o tecido e me lembro das manhãs da infância.
Entre o vapor e o cheiro de roupa limpa, surge uma reflexão sobre o cuidado e o tempo.
A velhice revela o quanto cuidamos da saúde — e, ao mesmo tempo, o quanto nos tornamos prisioneiros dela.
Aos noventa anos, lúcido e com boa saúde, levo a vida de um encarcerado doméstico: só saio de casa para ir ao médico, de carro, acompanhado de cuidadora e na cadeira de rodas.
Na vida que escolhi, tenho tempo de sobra para escrever e recordar os fatos da infância.
Como a vida mudou nesses últimos anos!
Aqui em casa ainda usamos o velho e pesado ferro de passar, que traz de volta antigas memórias — os sons do ferro roçando o tecido, o vapor subindo, o cheiro da roupa limpa.
Quantas boas lembranças a longevidade saudável nos oferece!
Eu ficava ali, no chão, fascinado com o trabalho das passadeiras e atento às suas conversas.
Os anos passaram, e de vez em quando me recordo das conversas daquelas tardes abafadas.
Quanta saudade sinto daquele tempo e das pessoas que já se foram!
O ferro de passar é uma desculpa para revisitar um passado que não volta mais.
Como as coisas simples, com o passar dos anos se transformam em relíquias de beleza e ainda nos emocionam.
Não gosto dos domingos, quando o passado insiste em se misturar ao presente, como um filme que não pedimos para rever.
Só quem cuida da própria saúde tem a chance de viver essas lembranças da juventude.
Procuro pelos antigos colegas da escola, na esperança de dividir recordações — não reencontros.
Até minha esposa, bem mais nova que eu, partiu há tempos.
Como eu gostaria de conversar com ela sobre a nossa primeira casinha de oitenta metros quadrados, onde o ferro de passar trabalhava na copa, deslizando sobre o tecido com seu ruído ritmado!
Tudo passou como uma noite curta de verão.
Gabriel Novis Neves
16-11-2025
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