Morei durante dez anos quase vizinho à padaria Latorraca, na rua de Baixo.
Nasci sentindo o aroma dos pães, o calor dos miolos e as bicadas dos pássaros; via pessoas caminhando pelas calçadas com suas sacolas de pão.
Descalço, de calção e camiseta, cedo eu ia comprar o pão quentinho para o café da manhã, com o dinheiro contadinho.
Pessoas e pássaros me faziam companhia —cada um em busca do pão da hora ou de uma bicada nos miolos.
Latorraca, migrante italiano, trouxe a tradição de trabalhar com massas e produzia o pão francês, mandi, canhão, doce — todos inesquecíveis.
À tarde, era tarefa do meu pai comprar os pães. Vinham sempre quentinhos, e o forno da padaria trabalhava o tempo todo.
Enquanto o pão assava, seu aroma se espalhava entre os vizinhos, convidando todos à padaria.
Não sei porquê os pássaros não participavam da festa à tarde.
Até hoje guardo na memória a enorme mesa da copa da minha casa, com dois pacotes de pão, manteiga Aviação, queijo prato, presunto e salaminho —o lanche da noite.
Chegando ao Rio de Janeiro, descobri que o pão da padaria do português era mais saboroso que o nosso.
Fui informado de que o trigo deles era melhor — mais fresco, mais próximo do consumidor.
Via pessoas e muitas pombas disputando os miolos jogados no chão.
Até hoje gosto mais do pão do Rio do que do de Cuiabá.
Mas o melhor pão que já saboreei foi o de Paris. Nada igual.
Na minha casa, não se comia pão adormecido. Ou minha mãe preparava o pudim de pão, que todos adoravam, ou distribuía os pães aos mais pobres.
Hoje como o pão adormecido com manteiga e queijo branco — e acho muito bom.
As padarias atuais viraram estabelecimentos industriais. São raras as de rua.
Geralmente, estão instaladas em supermercados e shoppings.
O aroma vindo dos fornos desapareceu, os pássaros sumiram, e as pessoas agora encomendam, sem mais ir às as padarias buscar o pão com as próprias mãos.
Gabriel Novis Neves
17-07-2025