Muitos acham que aos 89 anos tenho uma invejável memória retrógrada, e eu concordo.
Lembro de fatos da minha infância e juventude, sem jamais esquecê-los.
A partir dos quatro anos lembro nos mínimos detalhes tudo o que me aconteceu.
A viagem de hidroavião para passeio no Rio de Janeiro em 1939 com meus pais, eu, Yara e Pedro — de meses nos braços de minha mãe.
Chovia muito, a banda de música da Polícia Militar tocava, e eu chorava.
Bem mais tarde soube que o coronel chefe da Polícia Militar quando viajava, era praxe naquela época, a banda tocar na despedida e na chegada das autoridades.
Soube também que o coronel era Máximo Levy, meu vizinho na rua de Baixo.
Eu chorava muito com medo do avião, da chuva e do barulho da banda.
Lembro-me da pracinha do Lido em Copacabana, onde minha mãe nos levava para brincar no escorregador e balanço com duas cadeiras, uma minha a outro da Yara, e só.
Não me lembro de outros lugares que visitei, como: a casa da minha avó Eugenia, tias e tios, nem do meu retorno à Cuiabá.
Lembro das histórias que o meu pai me contava, dos moradores da rua de Baixo, do tempo que moramos com o meu avô Alberto Novis, quando aprendi a jogar xadrez antes de ser alfabetizado.
Dos passeios com o meu avô no Porto, montado no seu cavalo.
Os médicos antigos usavam o cavalo como meio de transporte, depois motocicletas e finalmente automóveis.
Dos seis anos até hoje me recordo dos fatos, reuniões e conversas que foram importantes para mim.
Estou escrevendo sobre esse assunto provocado por uma carta de um amigo da década de setenta.
Ele cita que teve uma reunião comigo e indica o local.
Eu não me lembro absolutamente nada do relatado.
O nosso cérebro costuma deletar o que não é importante.
Esse assunto não deveria ser do meu interesse e o meu cérebro com certeza, me fez esquecer.
Escrevo sobre o passado e o meu consultor é a minha memória retrógrada.
‘O que a memória ama fica eterno’ —Adélia Prado.
Gabriel Novis Neves
19-10-2024
Rio de Janeiro, Copacabana,
Praça do Lido, 1939.
Gabriel e Yara
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