segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O HOMEM E A TARTARUGA


Acordei numa dessas manhãs, imagino que como a maioria das pessoas, enojado com toda essa miséria política que nos tomou de assalto nas últimas décadas.
Assalto, na verdadeira acepção da palavra, mas também na metafórica.
Tudo se desanuviou quando um grande amigo, sobrevivente de um grave AVC (Acidente Vascular Cerebral), me chama ao telefone logo pela manhã, uma das várias cinzentas dessa época do ano.
Sequelado por uma disartria bastante importante confidenciou-me, com dificuldade, uma enorme preocupação. Ele estava angustiado porque não sabia quem, porventura, iria sepultar o seu animal de estimação quando ele morresse - uma bela tartaruga com quem se habituou a conviver há alguns anos.
Emocionou-me o fato de tudo ter acontecido após ele ter lido o meu artigo sobre o cão de Ipanema que, depois de perdido, encontrou novos donos e descobriu uma vida de glória e de muitos amigos.
Imediatamente, ao se dar conta de sua finitude, lembrou que as tartarugas são longevas e que, provavelmente, o seu animal de estimação não teria a  sorte do cão do Posto 9. Esse pensamento deixou o meu amigo muito mobilizado.
Impressionante como a sensibilidade desses pacientes fica hipertrofiada, atrelando-os fortemente à natureza e a tudo que, no mundo dos saudáveis, parece adormecido.
Seus sintomas de riso e choro espasmódicos refletem essa imensa sincronicidade com o universo.
Tamanha solidariedade com um bicho de pouca, ou nula, comunicação com os seres humanos, foi algo que me deixou emocionado e pensativo. 
Comecei a pensar que todo e qualquer vínculo pode tirar o homem de sua miséria existencial.
Na velhice e na doença esses vínculos vão se tornando cada vez mais necessários, já que a sensação de solidão é progressivamente proporcional à finitude.
Enfim, foi um telefonema que me fez pensar nos segredos dessa energia vital que nos mantém atrelados uns aos outros, ainda que pertencentes a ramos diferentes da espécie animal.
O universo é um só, e ainda que não pensemos nisso, precisamos de tudo e de todos a todo tempo.
Pena que a onipotência da juventude não nos deixava ver tudo isso antes.
Daí, o dito popular: “se os jovens soubessem e se os velhos pudessem”...

Gabriel Novis Neves
22-09-2015

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