terça-feira, 24 de novembro de 2009

GARCIA NETO

O meu pai comprou do espólio do ex-governador de Mato Grosso, Antônio Cesário de Figueiredo, a sua residência na Rua do Campo (Barão de Melgaço nº 365). Era um casarão com fundos para a Rua da Fé (Comandante Costa).

Antigamente os governadores moravam em sua própria casa - nada parecido com a Residência Oficial dos Governadores. Por ocasião da nossa mudança da Rua de Baixo (Galdino Pimentel) para a nova e definitiva casa, o meu pai resolveu dividi-la, pelo seu enorme tamanho, para alojar a nossa família. Durante as obras os pedreiros encontraram dezenas de armas enterradas no subsolo do velho casarão. Fizeram um enorme buraco no quintalão e ali elas foram enterradas. Eu tinha mais ou menos dez anos, e este fato tornou-se um dos “pontos luminosos” da minha vida, no conceito de Carlos Heitor Cony. Não dá para esquecer aquilo que vi, ser tratado com tanta naturalidade.

Estudando a história de Cuiabá, e conversando com meu pai sobre as armas encontradas, fiquei sabendo que naquela época, “ escreveu não leu”, era o “tiro” que resolvia, e ali morava o governador do estado - que morreu pobre.

A parte que nasceu da divisão da casa foi alugada para uma firma construtora, de fora, chamada Coimbra Bueno, a única que trabalhava no estado. Para tocar as suas inúmeras obras, a empresa contratou um jovem engenheiro sergipano recém-formado, solteiro e muito competente. O seu nome: Dr. José Garcia Neto.

A vinte metros do escritório da construtora morava o Dr. Lima Avelino, meu companheiro de xadrez. É isso mesmo: aprendi a jogar o xadrez, antes de ser alfabetizado, quando fui morar na casa do meu avô, médico, viúvo, surdo e otorrino. Joguei muito xadrez com o Dr. Lima Avelino casado com a D. Alice. Às vezes ia à casa do Dr. Lima Avelino, advogado e Delegado Federal do Trabalho para distraí-lo jogando xadrez. Perdia mais que ganhava. Ficamos amigos.

Lembro-me perfeitamente da chegada de Maria Lygia - com seus pais, Francelino e Alicinha e o irmão José Fernando - à Cuiabá. Vieram do Amazonas encantados com as maravilhas que o meu colega de xadrez e esposa falavam sobre o futuro da Cidade Verde. Durante algum tempo moraram com os parentes amazonenses já totalmente cuiabanizados. Além do mais a Mariete, filha única do casal hospedante, ganhou a companhia da prima querida, Maria Lygia.

Presenciei a paquera do engenheiro de Sergipe com a bonequinha de Manaus. Ele, um homenzarrão; ela, uma figura carismática com pouca altura.

Por doze longos anos me afasto de Cuiabá para estudar no Rio de Janeiro. Ao retornar, meus amigos estavam casados, com filhos e participando das transformações da Cuiabá em desenvolvimento. O engenheiro de Sergipe era vice governador do Estado. Fui morar ao lado da escola Artífice, depois chamada de Escola Técnica, e hoje Instituto Universitário. O engenheiro logo ao chegar à Cuiabá foi professor dessa escola.

Sempre apaixonados viveram Garcia e Maria Lygia. Vinícius de Moraes deveria conhecê-los. Tenho certeza que alguns versos seriam mudados pelo poeta que nunca acreditou no amor eterno: “O amor é eterno enquanto dura”, diz o autor de Garota de Ipanema. Garcia e Maria Lygia desmentiram o líder da bossa nova. O amor deles foi eterno. Só a morte os separou temporariamente. Garcia viveu intensamente o amor puro da sua mulher, filhos, genros, noras, netos e netas.

O povo de Cuiabá que ele tanto amou, também o amava.

Adeus Garcia e até a qualquer hora.

Gabriel Novis Neves
Cuiabá 20/11/09

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