Uma das coisas que eu mais gostava de fazer, antes de viajar para o Rio de Janeiro, era passar as tardes preguiçosas deitado na rede do meu quarto.
De olhos semicerrados, pensava no que me aguardava longe de casa: a difícil prova do vestibular, com candidatos vindos de todo o Brasil.
Naquela época existiam apenas catorze faculdades de Medicina, concentradas no Sul do país, e mais cinco espalhadas por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará.
Quase todas públicas — e de qualidade.
Hoje, são quatrocentas e quarenta e oito em funcionamento, a maioria particular.
Para esquecer o peso do futuro, buscava o balanço compassado da rede.
Ela embalava conversas, cochilos e pensamentos.
Muitas vezes chegava a adormecer, apesar da responsabilidade que me aguardava.
Aqui o ensino era fraco, mas o esforço dos alunos era tanto que superávamos os obstáculos.
Nas pensões em que morei nunca encontrei as redes cuiabanas; substituías por medicamentos que afastavam o sono.
Naquele tempo não se exigia receita médica para adquiri-los e muitos eram indicados pelos próprios balconistas das farmácias.
Foi assim com Anísio Silva, da Farmácia Jacy, no Catete — que mais tarde se tornaria cantor popular e ídolo nacional na Rádio Nacional, gravando sucessos perfeitos para se ouvir deitado numa rede.
A rede cuiabana, fabricada também em Várzea Grande, é até hoje símbolo da nossa cultura.
Quando reitor da UFMT, eu costumava presentear visitantes ilustres com uma bela rede confeccionada por famílias de artesãs várzea-grandenses.
Lembro-me de Jarbas Gonçalves Passarinho, ministro da Educação, nascido em Xapuri, no Acre, e educado em Belém do Pará.
Oficial do Exército e político versátil, foi governador do Pará, senador, ocupou vários ministérios e acabou fixando residência em Brasília.
A rede que lhe dei, ele mandou instalar na sacada do apartamento.
Ali repousava, recebia visitas para conversar e também curtia as suas tardes de preguiça.
Hoje, o cuiabano perdeu o hábito de ter redes em casa.
Prefere ir ao shopping para refrescar a cabeça e descansar.
Gabriel Novis Neves
09-09-2025
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