Lembro-me com nitidez do caderno de receitas da minha mãe e da minha esposa.
As páginas eram escritas à mão, já amareladas pelo tempo, com manchas de gordura, açúcar e lembranças.
Ali estavam guardadas memórias de sabores que atravessavam gerações.
Muitas receitas carregavam o nome de pessoas da família.
No aniversário do meu pai, por exemplo, a sobremesa era sempre a ambrosia, receita herdada da mãe dele, doceira-quituteira de mão cheia.
Minha mulher, por sua vez, inventava sobremesas e às vezes as batizava com o nome de uma das suas cinco netas, como quem eterniza o afeto em açúcar e leite.
Com a chegada da internet, desapareceram os cadernos de receitas.
Hoje qualquer prato está a um clique de distância.
Como sinto falta da companhia de minha mãe Irene e da Regina, minha mulher, folheando na cozinha aquelas páginas marcadas pelo uso, numa tradição que o progresso tratou de apagar.
As moças de antigamente eram preparadas para serem donas de casa.
Hoje, por mais simples que seja o almoço, a sobremesa é comprada nas confeitarias, e não guarda memórias como as de antes.
É como se tivéssemos uma geração sem lembranças, onde a tecnologia tomou o lugar do sabor guardado no papel.
Outro dia, a cozinheira que trabalhou quarenta anos com a Regina, me perguntou seu eu havia guardado o caderno de receitas da família. Recheado de guloseimas, era um tesouro de ‘bem antigamente’.
Infelizmente desapareceu!
Recordo, porém, algumas páginas.
No capítulo das sopas, havia a curiosa ‘sopa fria de ervilhas e pepino’.
Mais adiante, a ‘salada de palmito light’ e, entre tantas delícias, o ‘suflê de doce de leite’. Esses fragmentos são o que nos restou, vivos na memória.
Escrevo hoje sabendo que tenho sempre o passado puxando para as minhas raízes, como quem folheia um velho caderno invisível.
Gabriel Novis Neves
06-10-2025
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