Com o encerramento das atividades do bar do meu pai, em 1970, por pura desatenção perdemos verdadeiras relíquias que hoje só seriam encontradas em leilões especializados.
Nos fundos do bar havia um quartinho, escondido atrás dos armários das bebidas importadas dos fregueses.
Tudo ali era uma desordem só, mal dando para entrar uma pessoa.
A chave desse esconderijo ficava presa no chaveiro, pendurado no cinto da calça do meu pai.
Havia uma pequena mesa redonda, repleta de cadernos de capa preta — próprios dos guarda-livros da época — e uma cadeira simples, onde ele se sentava para registrar o movimento do dia, apoiado em um cantinho livre da mesa.
Abundavam teias de aranha no quartinho, chamado de ‘escritório’, e a limpeza jamais era feita para não se correr o risco de perder algum documento.
Aquela aparente desordem era, na verdade o método que meu pai inventara para saber onde estavam suas inúmeras notas fiscais, que precisavam ser apresentadas aos fiscais da Fazenda Estadual.
Ali guardava os documentos mais importantes e recentes, assim como o dinheiro do movimento do bar.
Meu pai nunca utilizou o talão de cheques — todas as faturas eram pagas em dinheiro na agência central do Banco do Brasil.
O cofre de aço do escritório era de um tempo em que a palavra valia mais que a senha.
Minha mãe conhecia o segredo daquele cofre verde, importado e muito bem cuidado pelo meu pai, longe dos olhos curiosos dos funcionários e fregueses.
Quando o abrimos, encontramos a lista dos fregueses que compravam fiado.
Muitos nunca pagaram, nem foram cobrados.
Eram pessoas importantes, doutores respeitados na cidade.
Aquele cofre eu deveria ter trazido para a minha casa — assim com a linda máquina registradora alemã, da qual ainda guardo uma fotografia.
E o balcão de madeira e vidro onde, na época do carnaval, se exibiam os tubos de lança-perfume, serpentinas e confetes.
O balcão frigorífico para bebidas, queijos, salaminhos.
Em cima dele, as bandejas de salgadinhos feitos em casa por minha mãe.
As mesinhas e cadeiras foram doadas a um antigo e querido funcionário.
O cofre de ferro — símbolo de uma época, memória de um tempo —, esse, perdemos.
Gabriel Novis Neves
18-10-2024
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