quarta-feira, 8 de outubro de 2025

CHIADO


No plantão da cuidadora de domingo, ela entrou no quarto para me levar os medicamentos, enquanto eu acompanhava pela televisão uma partida de futebol.

 

De repente, apenas ela ouviu o chiado da panela que havia deixado no fogão.

 

Saiu apressada, sem nada dizer, e correu para desligar o fogão.

 

Até então eu nada sabia.

 

Nem sequer percebi o som.

 

Ao retornar, explicou-me que estava cozinhando arroz integral e que aquele chiado forte era o sinal que já estava na hora de desligar a panela.

 

Esse som constante dominava as cozinhas das antigas casas cuiabanas.

 

Era um ruído que misturava ansiedade, fome e a certeza de que o feijão logo estaria pronto.

 

Naquele tempo, a cozinha ficava próxima à varanda, e sabíamos que o almoço estava prestes a ser servido pelos sons que vinham de lá.

 

Haverá som mais espalhafatoso que o de um bife fritando na frigideira?

 

Trabalhar com gordura quente é arriscar bolhas no dorso das mãos.

 

Mas tudo que é frito, convenhamos, tem um sabor irresistível.

 

E o que dizer dos sons produzidos por uma churrascaria?

 

De longe já se ouvem vozes misturadas ao estalar das brasas e ao ambiente enfumaçado.

 

Ao sair, carregamos impregnado na roupa o perfume da carne assada.

 

Hoje, muitos restaurantes preferem cozinhas blindadas, com possantes exaustores antirruídos, como acontecia na Casa Suíça.

 

Onde todas as mesas ficavam em área descoberta.

 

Curioso: o som da panela de pressão é chamado de chiado, o mesmo termo usado para descrever uma crise de asma brônquica — perceptível até sem estetoscópio.

 

Que saudade tenho de um chiado: dos dias ensolarados, da alegria de um passado que permanece dentro de mim.

 

Gabriel Novis Neves

06-10-2025








Bairro do CHIADO, LISBOA 


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