Comecei a frequentar a agência dos correios ainda menino.
Meu avô, viúvo e surdo, tinha uma antiga namoradinha dos tempos de estudante de Medicina em Salvador, na Bahia, com quem trocava correspondência semanalmente.
Também escrevia para suas filhas que moravam em Corumbá, Rio de Janeiro e Goiânia.
Gostava de escrever, assim como a minha mãe, e por isso eu era obrigado a ir aos correios com frequência.
As cartas me eram entregues abertas, sem selo.
Eu as fechava e selava com a cola fornecida pela instituição.
A maioria dos frequentadores, nos anos quarenta, preferia dispensar a cola e utilizava a própria saliva para colar o selo.
Esse hábito sempre me pareceu pouco higiênico.
Nunca perguntei ao meu avô nem ao meu pai porque desprezávamos a cola disponível e recorríamos ao velho gesto de molhar o selo com a língua.
O selo colado numa carta tinha a importância de um passaporte: garantia que a emoção atravessasse distâncias até alcançar outro coração.
Na década de cinquenta, já morando no Rio de Janeiro, continuei fechando as cartas e colando o selo com a cola dos correios.
Depois que retornei à minha cidade natal para exercer a Medicina, nunca mais precisei dos correios.
A tecnologia substituiu as cartas: hoje as mensagens são instantâneas.
As cartas tiveram o seu apogeu quando eram também o fio que unia corações.
Havia revistas especializadas que mantinham seções onde homens e mulheres se correspondiam.
Conheci algumas moças cuiabanas que viram seus noivos pela primeira vez apenas no dia do casamento.
Minha tia caçula, por exemplo, namorou e casou por correspondência.
Conheceu o marido somente quando foi morar com ele em outra cidade, em outro Estado e de outra nacionalidade.
Lembro-me bem de seu casamento, celebrado na casa do meu avô.
Eu tinha apenas dez anos, mas tudo o que presenciei naquele dia ficou para sempre guardado na minha memória.
Hoje, ao contrário, as pessoas casam antes mesmo de namorar.
Gabriel Novis Neves
01-10-2025
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