segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Breve


Quando iniciei os meus estudos formais na Escola Modelo Barão de Melgaço, aprendi, entre outras coisas, que para usar o sanitário da instituição existia um protocolo.
Na mesa da professora havia uma pequena placa de madeira que indicava vacância do lugar para uso fisiológico de emergência.
Os alunos, quando em necessidade, sempre pediam permissão à professora, que autorizava sua utilização, mas com a recomendação de não demorar...
No começo da minha atividade como médico parteiro em Cuiabá, a maioria dos partos era realizada em domicílio. Os demais, na pequena maternidade da Rua 13 de junho.
Quando o trabalho de parto ultrapassava os limites possíveis do tempo, havendo risco de vida para o binômio feto-mãe, a parteira que atendia a intercorrência pedia para um familiar buscar o “breve” na casa da última parturiente, que havia utilizado com sucesso.
Consta da nossa história que uma oração milagrosa foi embrulhada em uma pequena bolsa de tecido comum e presa em cordão que era colocado pela cabeça da parturiente.
Esta agarrava forte aquela relíquia que, segundo a lenda e depoimentos de pessoas da época, produziam uma expulsão fetal da cavidade uterina quase imediata.
Após mais um sucesso dessa crença, na devolução, um novo tecido era colocado em cima da bolsa inicial.
Eram tantas as solicitações para uso desse amuleto para o parto rápido, que o aumento das camadas de tecido fizeram um cordão do tamanho de uma grande bolacha.
Certa ocasião, um experiente obstetra foi chamado à casa de uma mulher com complicado e demorado período expulsivo.
Analisou bem a situação e ia retirando da sua bolsa de emergência um pequeno fórceps francês para a extração de alívio do feto, já com uma tremenda bolsa serosanguinolenta na região vulvar, quando, em contração, com firmeza máxima ao apertar o “breve”, aconteceu aquilo que o doutor imaginava não ser possível sem ajuda da tecnologia.
O recém-nato nasceu chorando, para alegria de todos que comemoraram tomando a urina da criança - um bom vinho português.
Curioso com tudo que presenciou, e ciente da fama do “breve”, que significava parto rápido, o parteiro pediu permissão para conhecer a oração milagrosa.
Com uma gilete desfez todas as costuras e, finalmente, encontrou um pequeno papel com a seguinte inscrição: “Quer parir, pari, não quer, não pari”.
Ficou provado que a medicina não faz milagres, e que a fé, realmente, remove montanhas.

Gabriel Novis Neves
19-10-2015


* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

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