quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O envelhecer

“As coisas nunca são tão boas quanto esperamos, nem tão ruins quanto tememos”.

O que seria da humanidade sem o humor das histórias do português, mineirim e idosos? Os velhinhos e velhinhas ocupam na minha classificação o 1º lugar. O idoso é um privilegiado, além de trabalhar longo tempo para a sociedade, quando está para mudar de idade - que é a morte - ainda propicia entretenimento especialmente aos mais jovens. E a medicina nos tem ajudado muito na arte de envelhecer com humor.

É muito bom e saudável contar piadas de velhos. São as minhas preferidas, e para não melindrar ninguém e me livrar de um processo por assédio ou atentado ao pudor, utilizo sempre como personagens a minha família e eu.

Lembro-me da história do meu avô, que ao completar 100 anos, e nunca ter ido ao médico, ganhou como presente uma consulta. Veio de carroça do Livramento, seguido por aquele bando de descendentes: todo de terno branco, chapéu de palha, gravata borboleta, sapato preto, um cigarrinho forte e sempre aceso, com a escarradeira portátil, pois era dia de festa, e sua quinta mulher, educadíssima, não o deixou jogar o produto amarelado e abundante dos seus pulmões pela estrada.

O ramo da família que morava em Cuiabá, desde cedo o esperava na porta do consultório médico, na Rua dos Porcos. Quando meu avô chegou para consulta, foi aquela festa danada. Gente falando alto, tropeçando pelas calçadas e corredor do consultório.

Vovô é atendido pelo médico da família. Após minucioso exame clínico, o médico dá o seu parecer definitivo: o senhor está ótimo de saúde. Peso, pressão arterial, pulso, aparelho locomotor, tudo bem. De maldade, indaga ao meu avô: e aquela “outra parte” como está? Com dificuldade na sua audição, vovô solicitou ao médico que falasse mais alto. Com o aumento dos decibéis do doutor, o meu avô entendeu a pergunta e assustadíssimo responde: Doutor, esse negócio acaba?!

Nada acaba com o envelhecer, apenas modificamos o modo de conduzir a nossa vida. Dependemos de fatores externos como a genética e o meio ambiente para uma longa vida, mas isto é tarefa de Deus. Em segundo lugar, a vida longa e saudável é composta de pequenas vidas, que unidas produzem a longa vida. Temos sempre que recomeçar para não deixar faltar o combustível indispensável a uma vida saudável que é exatamente o começar.

O envelhecer não é nunca o terminar. É começar um novo tempo. Quintana foi quem melhor nos deu a dimensão do envelhecer. O poeta gaúcho afirmava que só temos duas idades - ou estamos vivos, ou estamos mortos.

O envelhecer não é a melhor idade. Melhor idade é sempre aquela que vivemos com saúde física e mental. Garanto que envelhecer é pelo menos a idade mais engraçada na vida das pessoas. É onde o aprendizado é diário. No meu caso, aprendi muito nesses últimos 5 anos:
- Aprendi a dormir só em uma imensa cama de casal.
- Aprendi, a saber, o preço das compras do mercado, da luz e da taxa do condomínio.
- Aprendi a viver me desviando dos preconceitos.
- Aprendi a prestar atenção na folhinha, para que os meus hábitos de consumo, mensalidade da academia de ginástica e o pagamento dos empregados não ficassem inadimplentes.

Enfim, aprendi também que na minha idade posso falar e fazer de tudo sem punição, exceto cometer infrações contra a ética e a dignidade das pessoas.

As famosas limitações dos idosos não existem se os mesmos encararem o fato como um novo ciclo. Se os cabelos estão prateados, vamos viver com os cachos prateados. Pintados, só servem para sujar a fronha do travesseiro. Papadas e bolsas nos olhos? Bem aventurados sinais de uma história longa. Botox para correção? Vou ficar a cara da Rogéria.

Os lábios afinam-se com a idade, de tantos beijos de amor que não economizamos em nossa juventude. Isto é troféu. Os jovens têm lábios carnudos porque não tiveram tempo de gastar esta camada protetora da boca com beijos ardentes. Porque preenchê-los e apagar os nossos amores? A pressão arterial aumentou? Benditos vasos sanguíneos resistentes ao tempo, sem entupir ou romper-se.

As mulheres só perdem com a idade, aquilo que sempre consideraram perdas – a menstruação. Na velhice, estão livres desta coisa chata, tão em desuso hoje com as histerectomias.

Como é belo ouvir o depoimento de uma Fernanda Montenegro que vive da arte e da imagem, afirmar, que aos 80 anos nunca procurou alterar os traços que a natureza lhe deu. A maioria das pessoas que não entendem o envelhecer me transmite a imagem do gato na praia escondendo as suas porcarias.

O envelhecer é saber se desfazer das nossas inutilidades para continuarmos com alegria de viver, num pequeno espaço comparado ao ninho vazio dos pássaros.

Envelhecer não deve nunca ser utilizado para rever o passado. Isto clinicamente significa um futuro incerto. A saudade também não deve constar na cartilha dos envelhecidos. Saudade não serve para nada. O que foi bom, não volta mais. E o que de ruim passamos, pertence ao lixo do esquecimento. Saudade só faz a gente sofrer. A saudade é a casa da morte, e nós estamos vivos, embora, envelhecidos. Esta não será nunca a nossa residência. Tristão de Atayde, na sua imensa sabedoria cunhou: “saudade é a presença da ausência”.

O idoso não deve ser tratado de uma maneira preconceituosa, como pertencente à melhor idade e ter direitos especiais, só porque tem 65 anos. O idoso não procura privilégios, mas felicidade. “Felicidade é alguém para amar, algo para fazer e algo para aspirar” (Poeta inglês). “Felicidade é um lugar onde você pode pensar, mas não pode fazer seu ninho”(Condessa francesa).

Há tempos anotei estas verdades sobre o envelhecer:

Enfim, envelheço quando o novo me assusta e minha mente insiste em não aceitar.

Envelheço quando me torno impaciente, intransigente e não consigo dialogar.

Envelheço quando meu pensamento abandona sua casa e retorna sem nada a acrescentar.

Envelheço quando muito me preocupo, e depois me culpo porque não tinha tantos motivos para me preocupar.

Envelheço quando penso demasiadamente em mim mesmo, e consequentemente me esqueço dos outros.

Envelheço quando penso em ousar e já antevejo o preço que terei que pagar pelo ato, mesmo que os fatos insistam em me contrariar.

Envelheço quando tenho a chance de amar e deixo o coração que se põe a pensar.

Envelheço quando permito que o cansaço e o desalento tomem conta da minha alma que se põe a lamentar.

Envelheço quando paro de lutar!

Gabriel Novis Neves
27 de Outubro de 2009

* Publicado simultaneamente no http://www.gnn-cultura.blogspot.com

Um comentário:

  1. Maravilhoso! É impossível ler esse texto sem me manifestar. Apesar de pertencermos a gerações diferentes, estamos ambos bastante envolvidos com o tema do envelhecimento/a arte de permanecer jovial. O seu texto é um sopro de bom senso e sintetiza bem os meus sentimentos e pensamentos a respeito da passagem do tempo.

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