RITUAIS DA SOLITUDE

Uma das novidades trazidas pela minha longevidade foi o hábito de tomar o café da manhã sozinho.

 

Meus três filhos casaram-se ainda jovens, cada qual indo morar em casas distantes da minha. 

 

Logo veio a viuvez inexplicável, forçando-me a viver de maneira diferente.

 

O ritual do café da manhã com a presença de todos foi interrompido.

 

Passei a tomar o café da manhã solitário — assim como o almoço e jantar.

 

As reuniões familiares passaram a acontecer aos domingos, encerrando-se com o cair da tarde.

 

Fui obrigado a aprender a conviver comigo mesmo, tendo como companhia o barulho das teclas do computador.

 

A solidão nos leva aos extremos.

 

Certa ocasião, em Alta Floresta, conversei com um topógrafo que trabalhava na abertura de rodovias importantes, como a Cuiabá-Santarém.

 

Ele me confessou que a solidão era tanta, que chegou a conversar com jacarés nas lagoas que encontrava pelo caminho.

 

Pedi que me explicasse como se davam esses diálogos.

 

Na selva, abria clareiras e, isolado era abastecido por helicópteros da Força Aérea Brasileira — FAB.

 

Preparava o seu café e o tomava às margens das lagoas habitadas por jacarés.

 

Jogava miolos de pão, e os bichos se aproximavam.

 

Então, dava-lhes bom dia e iniciava a conversa.

 

Falava até a hora de começar o trabalho solitário na mata.

 

A cena se repetia, e eles se tornaram seus amigos.

 

A abertura romântica das estradas no Brasil começou com o Marechal Rondon — e desapareceu com as modernas tecnologias e máquinas que substituíram o homem.

 

Há dezenove anos tenho sempre ao meu lado uma cuidadora para atenuar a minha solidão.

 

E converso escrevendo diariamente minhas crônicas.

 

Foi o meio inteligente que encontrei para fazer companhia a mim mesmo.

 

Não ganho dinheiro com essa nova atividade, mas acrescento dias aos meus dias — sem precisar procurar lagoas para conversar com jacarés.

 

Gabriel Novis Neves

18-07-2025