Nasci numa casa alugada na rua de Baixo, no Centro Histórico de Cuiabá.
Era ali o meu primeiro endereço — que, na infância, eu não via com beleza ou romantismo.
Só identificava casas comerciais, o pequeno largo em frente à nossa porta, o córrego da Prainha e o morro da Luz.
E, ainda assim, descobríamos espaço para brincar.
Os vizinhos eram como parentes. Entrávamos e saíamos das casas uns dos outros, com a intimidade que só a infância permite.
Tudo era bom naquele primeiro endereço.
Foram dez anos de extrema felicidade —reconhecida apenas na maturidade.
As amizades forjadas naquele pedacinho de Cuiabá tornaram-se eternas.
Meu segundo endereço foi um casarão na rua do Campo, bem distante da rua de Baixo, entre a Academia Mato-Grossense de Letras e o Clube Feminino.
Ali tive vizinhos ilustres: o governador do Estado, os historiadores Estevão e Rubens de Mendonça, os médicos Pereira Leite e Porciúncula, o engenheiro Leônidas Pereira Lima e dona Codó, mãe de Bem-Bem.
As casas tinham quintais sombreados por árvores frutíferas, de solo úmido e fértil, onde praticava-se a agricultura familiar.
Comunicavam-se por portão de madeira, com a rua da Fé — ainda sem calçamento —, ideal para nossas peladas.
Conhecia todos os vizinhos. Éramos amigos.
Rubens de Mendonça, generoso, fazia com entusiasmo nossas tarefas de português.
Assistíamos, encantados, às sessões solenes da Academia de Letras e colhíamos goiabas no quintal da Casa do Barão de Melgaço.
Seu secretário perpétuo Rubens de Mendonca possuía as chaves.
Mais tarde, parti para o Rio de Janeiro para estudar Medicina. Onze anos depois retornei ao berço natal, casado com uma mulher argentina-carioca.
Meu terceiro endereço foi uma casinha modesta de oitenta metros quadrados, na rua Floriano Peixoto.
Com os três filhos nascidos na Maternidade do Hospital Geral, mudamo-nos para uma casa maior, na Marechal Deodoro.
O quinto endereço foi uma casa própria no Porto.
E hoje, estou no sexto — e último — endereço: uma cobertura no vigésimo andar, na rua Estevão de Mendonça.
Conheço apenas os moradores mais antigos.
Viúvo, com os filhos casados e vivendo longe, tenho a companhia constante de uma cuidadora.
Brinco com meus bisnetos. E, aos noventa anos, sigo escrevendo crônicas — como esta.
Gabriel Novis Neves
02-07-2025
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