domingo, 13 de julho de 2025

A RUA QUE ACORDA ANTES DE MIM


Sempre ouvi dizer que os velhos dormiam pouco. Fui testemunha disso quando morei com o meu avô.

 

Ele cochilava um pouco na ‘boca da noite’, logo após o jantar, na cadeira de balanço.

 

Logo despertava, conversava ou lia —quase sempre um livro de Medicina, em francês.

 

Ás oito da noite, tomava uma xícara de chá, acompanhada de fatias de pão torrado com manteiga.

 

Em seguida, dirigia-se ao dormitório, onde se preparava para dormir. 

 

Às quatro da manhã, após um sono interrompido, acordava. Ralava um pouco de guaraná e tomava no seu copinho de vidro com açúcar.

 

Levantava-se bem antes do dia clarear.

 

Ia ao galinheiro alimentar as aves e visitava o pombal, por quem nutria especial admiração.

 

As ruas ainda dormiam, mas o meu avô já estava de pé, remexendo nas coisas da casa.

 

Hoje, tenho mais idade do que ele teve — e sou eu quem acorda depois das ruas da minha cidade.

 

O sol já invade meu quarto, e o pior é que levanto com sono.

 

Sigo sonolento durante a manhã inteira. Só melhoro à tarde.

 

Já não convivo com as ruas nas primeiras horas do dia.

 

A vida é como uma roda-gigante: nunca estamos no mesmo ponto por muito tempo.

 

No início da minha vida profissional, eu era quem acordava a cidade para trabalhar.

 

Tudo muda.

 

Um dia, a eternidade iguala todas as diferenças.

 

Hoje, já nem sei o que é melhor para mim.

 

Talvez apenas viver mais alguns anos, sem a pressa dos relógios, sem o peso das doenças.

 

Viver sem olhar as horas das refeições.

 

Ter a esperança de que o meio ambiente será bem tratado, que os rios voltarão a ser limpos.

 

Que os adultos agirão como as crianças — honestos, puros, sem guerras.

 

E que, pacificamente, as ruas continuarão acordando antes de mim.

 

Gabriel Novis Neves

12-07-2025




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