quarta-feira, 15 de novembro de 2023

REFLEXO CONDICIONADO


Nem bem me desperto, a primeira coisa que faço é abrir o blog do Bar do Bugre. O intento é o de sempre: reler a crônica que o editor postou, passada pelo crivo dele.


Adquiri essa espécie de reflexo condicionado antes de tomar o cafezinho da manhã. Já se vão treze anos, à época em que o blog me foi presenteado.


Envio ao editor, a cada dia, a crônica a ser publicada no dia seguinte. Faço-o após o meio-dia, o que traduz bastante antecedência.


De minha parte, sei que a ilustração com artes gráficas exige não só tempo. Impõe, por igual, paciência e criatividade para pesquisá-las.


Quando não a encontro no blog, às 11 horas da manhã de um sábado qualquer, invade-me a preocupação.


Será que meu prestativo editor ‘sextou’ com tanta intensidade, que perdeu a hora de se levantar?


Ou será que aproveitou a manhã de sábado para realizar exames laboratoriais de rotina? Não ignoro que ele, graças a Deus, possui uma saúde irritantemente boa, isentando-se de qualquer tipo de dieta ou de exercício.


Convém assinalar que trabalha muito em seu escritório. Por atender a uma carta povoada de bons clientes, dorme, por noite, aquém do que seu corpo solicita.


Em sua companhia, os inseparáveis cigarros e uma garrafa térmica cheia de café bem preto. Ah, sem açúcar ou adoçante! Releve-se que ele mesmo cuida de prepará-lo na copa do seu escritório.


Isso abre ensejo a um agradável odor de tabaco a todos que, sabendo de sua competência, o procuram profissionalmente.


Também não se furta a um bom vinho, degustando, às vezes, um legítimo escocês de 21 anos. Só para não me causar inveja, pondera que é apenas para relaxar.


Minha mulher, desde que abandonou o ‘prazer’ de fumar, não abria mão, aqui e ali, de buscar um local onde pudesse apreciar o cheiro do cigarro daqueles que lhe fumavam à volta.


Não se desconhece que, com a campanha mundial de combate ao câncer dos pulmões, reduziu em muito o número de fumantes. Sem dizer que, hoje, é proibido fumar em ambiente fechado.


Meu pai estava sempre com um cigarro longo entre os dedos. Embora assim, morreu aos 88 anos. Por sinal, a mesma idade que agora ostento.


Em tempo nenhum, foi acometido de doenças pulmonares. Também não me lembro se ele, algum dia, chegou a fazer um simples raio X dos pulmões.


Quase por curiosidade — à época, era sinal de charme —, principiei a fumar depois de concluir meu curso de medicina.


Acompanhado de dois colegas, íamos à noite ao Instituto Médico-Legal, centro do Rio de Janeiro, para praticar técnicas cirúrgicas em cadáveres. Sem dúvida, um programão!


Eu sentia, confesso-lhes, erguido desconforto com o odor que reinava naquele ambiente nada convidativo.


Aconselhado por um colega que fumava em suas dependências, não titubeei. Abri espaço ao fumo, vício do qual me fiz dependente por longos vinte anos. Por sorte, dele me livrei.


Descobri que a insegurança dos meus primeiros anos de formado, tímido no exercer cargos de prestígio, me fez ancorar nos cigarros.


Num dia, contudo, em que havia consumido a terceira carteira, quando fui abrir a quarta, dei por mim. Decidi ali que chegara o momento de abandonar o vício.


Nos primeiros dias, a falta da droga me atropelava. A cada dia, minorava a dependência. Com esforço, consegui me desvencilhar deste que é o vício mais prejudicial ao homem, passaporte para outros com letalidade ainda maior.


Se hoje — que fosse por mera brincadeira —, viesse a colocar um cigarro na boca, sentiria um mal-estar sem tamanho. 


Meus três filhos e seis netos — como isso me enche de orgulho! — nunca se deram ao luxo de experimentá-lo.


 Em tempo: não me ocorreu ainda perguntar ao editor a causa que motivou o atraso da postagem da crônica.


Tenho uma quase certeza de que ‘o sextou’ foi um tanto avassalador, e ele aproveitou para acordar perto da hora do almoço. Lampeiro para saborear um bom prato da nossa rica culinária. Por ser merecedor, bom apetite!


Gabriel Novis Neves

12-11-2023





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