domingo, 19 de novembro de 2023

ENTUSIASMO NA PÓS-MATURIDADE


Estou ‘entusiasmado’ com as minhas aulas práticas de português. Vem-me à mente Pe. Pedro Cometti: dizia-nos que entusiasmo’ significa ‘Deus dentro’. Entusiasta é o inundado de Deus! Lindo!


Bastou-me um mês para que percebesse quanto avancei em meus conhecimentos da língua portuguesa. A pouco e pouco, vou dando passos, sabedor de que longo é o caminho.


Escrever bem — é o meu pensar — não é uma arte, mas um ‘modo sofisticado’ de nos comunicarmos de maneira correta. O veículo é o idioma.


Prazeroso é ler um texto em que as palavras fluem de maneira convidativa e leve.


O bom professor de português assemelha a um jogador de xadrez: retira da caixa as peças do jogo, buscando colocá-las no tabuleiro, em seus devidos lugares, para que a partida se inicie.


O professor de português é um ‘transformista da frase’. Vai burilando o cascalho do garimpo em pedras preciosas, no caso as palavras, que se amoldam umas às outras. Assim, ele empresta encanto ao texto.


Sempre admirei os grandes mestres cuiabanos da língua materna. Sobressaíram Cesário Neto e Benedito Figueiredo. Da fornada mais recente, trago a lume Germano Aleixo Filho.


Os antigos cuiabanos cultuavam e cultivavam com carinho maior o nosso idioma pátrio. Talvez isso se deva ao fato de estar a cidade isolada do resto do país: só se comunicava através da escrita.


Sou da geração das longas cartas semanais aos pais. No meu caso, estudante no Rio de Janeiro, justificável pela forçada distância.


Minha mãe, Irene, foi uma exímia escritora de cartas. Corria de boca em boca que, como poucos, ela dominava o idioma de Machado de Assis. Sem dizer — mas já dizendo — de sua caligrafia, prato cheio para elogios os mais fartos.


Suas cartas — como eram preciosas! — caracterizavam ‘contos riquíssimos’ de tudo que se passava na velha capital.


A telefonia era rudimentar. Para conseguir falar com alguém, estivesse onde estivesse, era uma demora absurda: dias de espera!


Preciso confessar-lhes: uma das cartas mais tocantes que de minha mãe recebi foi quando me comunicou que eu teria mais uma irmãzinha. Saudoso, só eu sei da emoção que senti.


Então, inexistiam meios laboratoriais e ultrassonográficos hábeis a diagnosticar o sexo do bebê, ainda no útero materno.


Minha mãe teve nove filhos. Curioso frisar que não errou o sexo de nenhum deles. Por isso, quando a criança nascia em casa, já nos era de todo conhecido.


Minha mulher, Regina, que pariu três vezes, seguiu a trilha percorrida pela matriarca: acertou o sexo dos três!


Minha neta, com oito semanas de gestação, já sabe o sexo da filha, que nos cobrirá de felicidade em maio do próximo ano.


A notícia mais plena de significado que dei a meus pais, foi por telegrama. Ao estilo de então, fui bem lacônico: ‘Passei no vestibular de medicina da Praia Vermelha’.


Só depois de compartilhar a notícia, fui ‘bebericar’ com os meus colegas médicos de 1960!


No que toca às cartinhas semanais que recebia e respondia — tenho comigo que a essa experiência é que credito o prazer adquirido pela técnica de escrever.


Com a morte de minha mãe, perdeu-se para mim essa preciosidade que o ‘vai e vem’ das cartas arrebatava.


As aulas práticas com que sou brindado — sei que o tempo não me dá muito tempo —, fizeram com que reencontrasse o ‘entusiasmo’ para continuar estudando.


Ao suprir essa carência, uma irrefreável alegria me invade. E mais me convenço de que o Pe. Cometti estava correto. Entusiasmo é Deus em mim.


Gabriel Novis Neves

08-11-2023






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