domingo, 16 de julho de 2023

A HISTÓRIA DAS ESCOLAS DE MEDICINA NO BRASIL


Durante o meu período de estudante de medicina até o término da minha carreira pública (1955-2015), assisti a muitas palestras, conferências, seminários, simpósios e congressos sobre os mais variados assuntos.


Embora fosse médico de formação, gostava muito quando o assunto era a história da medicina.


Dia desses à noite assisti via aplicativo Zoom uma sessão solene realizada pela Academia de Medicina da Bahia, em homenagem ao Bicentenário de Falecimento de Jozé Correa Picanço, Patrono das Escolas Médicas Brasileira, em Salvador.


Picanço era pernambucano e foi estudar medicina em Coimbra e Paris, sendo habilitado em cirurgia e obstetrícia.


Veio com D. João VI para o Brasil quando Napoleão Bonaparte ameaçou invadir Portugal.


Aqui chegaram no final de janeiro de 1808 em Salvador, segundo a brilhante conferencista, professora emérita da faculdade de medicina de Recife, terra onde nasceu Picanço.


Ela relata que ele influenciou o Rei da necessidade de se criar uma escola de medicina, o que foi feito de acordo com Dom João VI.


Ela é considerada a escola Matriz do Brasil, embora em novembro de 1808, com a mudança da Família Real para o Rio de Janeiro, foi criada outra faculdade de medicina, onde estudei.


Jozé Correia Picanço era médico da Corte e realizou a primeira cesariana no Brasil.


A reunião foi excelente e fiquei com uma dúvida.


As Academias de Medicina brasileiras, nunca mencionaram a escola de medicina criada em 1808 em Vila Bela da Santíssima Trindade, antiga sede da Capitania de Mato Grosso.


A Academia Nacional de Medicina e as Academias Regionais jamais citaram esse fato histórico, relatado em livro impresso há quarenta anos pelo pesquisador e historiador Carlos Francisco Moura.


Diz Moura que quando da mudança da Família Real para o Brasil, o Capitão General da Capitania de Mato Grosso era João Carlos Augusto Oyenhausen-Gravenburg, Marquês de Aracati.


Ele recebeu da Corte um comunicado oficial sobre a mudança para o Brasil, assim como todos os Capitães Generais e solicitava que os mesmos fizessem uma inauguração que iria marcar o evento.


A exceção foi Salvador, quando a Corte pediu a criação de uma escola de Medicina, pois a família Real não poderia morar em uma cidade sem escola de medicina.


Aqui na Capitania de Mato Grosso, o Capitão General, muito doente, leu e passou o documento ao seu médico, que após a leitura, lhe perguntou como estava o “cofre do tesouro”?


Após a resposta positiva ele disse: Por que não criar uma escola de medicina”?


“Nós médicos somos formados em Lisboa”, disse.


Desconhecemos as doenças ambientais e tropicais, que estão matando os brancos e dizimando os índios.


“O governador criou a fundação de uma aula de anatomia e cirurgia, que mandou abrir no dia 15 de agosto de 1808, em que se festejou a chegada de sua majestade”.


Seu primeiro diretor foi o médico Cirurgião Antonio Pinto da Fonseca, que era o médico do Capitão General João Carlos.


Seu ordenado era de 200 réis por ano.


Para elaborar o plano de estudos ou estatuto dessa Aula o Governador João Carlos designou o cirurgião-mor da capitania, ao qual nomeou, desde logo, Lente d´Aula.


Em ofício datado de Vila Bela aos 17 de outubro de 1808 ele apresentou seu plano.


O estudo teórico e prático de Anatomia e Cirurgia seria em 4 anos, assim divididos:


- 2 anos para Anatomia sendo:

8 meses para Ostheologia

4 meses para Miologia

3 meses para Angiologia

3 meses para Nevrologia

6 meses para Splancnologia


- O 3° ano seria destinado a:

Demonstrações Anathomicas

Explicações Phisiologicas e

Estudo da Cirurgia Teórica


- O 4º ano seria para:

Medicina Operatória ou Cirurgia Prática.


Haveria aulas 4 dias por semana (às 2as, 3 as, 5as, e 6as, feiras), de manhã, “logo depois” de rendida a Parada.


Nos últimos sábados de cada mês haveria uma sabatina ou recapitulação.


As férias seriam de um mês por ano.


Ao fim das férias haveria abertura das aulas com uma oração de sapiência ou alguma tese “logo q´haja praticantes em estado de a defender”.


Os “Estudantes Praticantes” seriam obrigados a assistir todos os dias a visita dos enfermos.


Um deles deveria ficar diariamente no Hospital, fazendo observações para comunicar no outro dia ao professor e ajudá-lo no tratamento dos doentes.


Um dos praticantes seria obrigado, semanalmente, a tomar conta da aula para tratar do asseio e limpeza dos instrumentos e dos cadáveres “o que terá a seu favor fazer as vezes de Bedel para dar no fim de cada semana um elogio por escrito delas ao Lente”.


Além deste documento publicado por Humberto Marcílio e da referência do Barão de Melgaço, nada mais temos à mão sobre esse ambicioso projeto, escreve o pesquisador Carlos Moura.


Na época Vila Bela entrava em decadência e a capital de fato já se transferia para Cuiabá.


Um dos motivos da transferência foi a maior salubridade de Cuiabá.


O próprio governador João Carlos passava mais tempo em Cuiabá que em Vila Bela.


Talvez mesmo por serem mais graves os problemas de saúde em Vila Bela ele a tenha escolhido para a sede da Aula de Anatomia.


A distância do Centro do Poder, a dificuldade de recursos para um curso caro, a falta de representatividade política, fizeram o curso de medicina fechar as suas portas.


Elas só foram reabertas em 1980 na universidade federal de Mato Grosso, com sede em Cuiabá.


Por que sempre omitem esse fato histórico, que depois da escola de Salvador, a segunda a funcionar foi a de Vila Bela da Santíssima Trindade, antiga capital de Mato Grosso?


Gabriel Novis Neves

20-06-2023











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