domingo, 26 de janeiro de 2025

FAZENDEIRO SOLITÁRIO


Recebi um presente especial de um leitor fazendeiro que vive no interior de Minas Gerais, longe dos grandes centros urbanos.

 

Todas as manhãs, envio-lhe minha crônica acompanhada de uma flor do meu jardim. À noite, compartilho uma música antiga do nosso rico cancioneiro popular.

 

Ele costuma acordar bem cedo, toma seu café e segue para o curral, onde o trabalho o aguarda. Antes disso, tem o hábito de me enviar um áudio – sempre no mesmo horário, por volta das 3h20 da madrugada. É algo que espero com ansiedade.

 

Ele me conta que dorme cedo, pois a vida na fazenda começa quando as estrelas ainda brilham no céu. Nunca me lembro de ter recebido um áudio dele fora desse horário.

 

Esse meu amigo tem 75 anos. Eu nunca invadi sua privacidade, mas ele sabe muito sobre mim, graças às crônicas que escrevo e que ele lê com atenção. Pelas nossas conversas, percebo que é um homem culto, que domina o português com elegância.

 

Ontem, de forma excepcional, ele quebrou sua rotina. Após ouvir a música “Menino Bonito”, interpretada por Rita Lee, ele me enviou um áudio às 19h41. Contou que estava sentado na cozinha externa da fazenda apreciando uma cervejinha, sozinho.

 

Disse que refletia sobre a solidão: “A gente vê a casa cheia, depois ela vai esvaziando aos poucos, e no fim sobram você e a solidão. ”

 

Ele completou com uma resignação que só os sábios possuem: “Mas é assim. Não tem o que fazer, é preciso aceitar. ”

 

E então, comentou que, por eu ter 90 anos, devo carregar mais bagagem e sabedoria para compreender melhor a vida.

 

Disse algo profundo: “A vida é apenas um hiato, um breve intervalo na existência humana. ”

 

Eu concordo, meu amigo. É mesmo um hiato. Um instante que, para todos nós, termina da mesma forma.

 

Admiro sua liberdade de poder desfrutar de uma cerveja tranquila na cozinha da fazenda – um prazer que, por conta dos medicamentos, já não posso me permitir.

 

Continue compartilhando suas reflexões. Ainda temos tempo. Vamos esperar para ver o que dá.

 

Gabriel Novis Neves

19-01-2025




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