quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Mutação histórica


Há dias fiquei estarrecido diante da entrevista de um dos vários MCs da atualidade, responsável por um faturamento de, aproximadamente, quatrocentos e cinquenta mil reais mensais, isto dito por ele mesmo.
Seu linguajar, omisso às obediências gramaticais, cheio de gírias locais, transmitia pragmatismo e segurança.
Ficou claro para mim que as periferias estão abdicando totalmente do assistencialismo mentiroso do Estado e passando a lutar por sua própria integração.
Esses profissionais vêm transformando através da música, no caso o funk, as periferias brasileiras em grandes polos de investimento e consumo.
Estudos mostram que o faturamento dessa faixa da população atinge no Brasil a cifra de setenta e nove bilhões de reais. 
Crescem dia a dia as grifes dedicadas aos funkeiros e seus adeptos, as festas nas lajes (já contando com a garotada do asfalto, e muito mais lucrativas do que as do chamado mundo do glamour) e o grande incremento do turismo externo, atraído pelo exótico e, principalmente, pelo preço muito mais acessível.
A enorme quantidade de vídeoclipes por eles lançados, artesanalmente no início, foram logo impulsionados pelas grandes gravadoras e são enorme fonte de lucros.
Enquanto isso, o que se observa é a nítida falência do mundo do asfalto, em que restaurantes famosos estão sendo fechados e seus proprietários procurando seu público em  Miami, comércio decadente, com trinta e três por cento a mais que no ano passado de lojas fechadas  e o aumento assustador da violência.
Essa grande mudança, que já vem ocorrendo há alguns anos, só agora é percebida pela chamada classe média, composta por profissionais liberais, pequenos empresários e comerciantes, enfim, por pessoas que vivem unicamente do seu trabalho, e que oscila entre a apatia e o enquadramento a essa nova realidade, unindo-se a ela em vez de enfrentá-la.
Os mais abastados já estão com seus destinos definidos e apenas esperam a hora de imigrar para seus paraísos de luxo e de consumo, já que as viagens frequentes não mais os satisfazem.
Pensando nisso, acho que fica fácil entender a nossa classe política atual, totalmente desinteressada dessa burguesia falida e de uns minguados intelectuais descontentes, já que seu interesse maior é salvar seus próprios privilégios.
Esmeram-se em agradar os banqueiros, os altos empresários, a alta burguesia mercantil e, como esteio final às suas aspirações, a classe C e as periferias.
Isso explica também porque nada é feito quanto ao tráfico de drogas, responsável por uma vultosa organização financeira.
A corrupção, segundo o presidente Obama o câncer da atualidade, entra em todo esse quadro como fator propulsor e, com suas metástases, vai se espalhando por todos os lados da sociedade de uma forma endêmica.
Quem sabe as modificações intensas nas periferias das nossas cidades possam criar uma nova cultura bem mais igualitária?
Não há mais dúvidas que desigualdade é o nosso maior problema.
Somos duzentos milhões de pessoas em busca de suas próprias soluções criativas, já que nesses quinhentos anos de existência nada nos foi dado pelo poder estabelecido.
Só entendendo essa mutação histórica iremos conseguir metabolizar tudo o que está acontecendo e tentar sair um pouco menos chamuscados de toda essa intensa crise.
O momento, além de recessão, é de muita reflexão.

Gabriel Novis Neves
18-08-2015

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