O espelho da minha casa, aquele no qual me miro antes de sair, está no meu dormitório.
Minha esposa o herdou de seu pai, que morava em Buenos-Aires.
É um belo objeto que enfeita o ambiente e me ajuda a dar o nó da gravata, ajeitar o cabelo e verificar se o terno ficou em ordem.
Testemunha silenciosa de vaidades e histórias, ele guarda, em seu reflexo, instantes de várias gerações.
Minha mãe também tinha um par de longos espelhos verticais, herdados de seu pai, que ocupavam lugar de destaque na sala de visitas.
Hoje, esses espelhos estão separados: um na sala de visitas da minha irmã Ylcléa e outro na da Aracy.
Quantos destinos começaram a ser traçados diante deles!
Quantos segredos guardam, quantas confidências refletiram, sem jamais revelá-las.
Os espelhos eram peças obrigatórias nas casas cuiabanas de outrora.
Cada qual mais elegante que o outro, muitos importados da Europa.
Cuiabá sempre manteve, de forma curiosa, afinidade com países europeus.
Primeiro, a colonização portuguesa.
Depois, vieram alemães, holandeses, poloneses, italianos, franceses.
E não foram poucos os libaneses, sírios, armênios e turcos que aqui se estabeleceram, deixando marcas na cidade.
As antigas casas cuiabanas eram desenhadas com sala, quartos, corredores, varanda, copa, cozinha, banheiro e quintal.
Os quartos serviam tanto como dormitórios quanto como sala de visitas, onde se recebiam as pessoas consideradas importantes.
Já os amigos íntimos eram acolhidos na varanda, entre conversas e confidências.
Meu pai jamais se envolveu na arrumação da casa, essa era tarefa de minha mãe.
Por pura intuição, ela trocava as cores das paredes e promovia rodízios de uso entre os quartos e sala de visitas.
Na infância, com meus irmãos, ocupei todos os quatro quartos da casa como dormitório em diferentes tempos.
Curioso é lembrar que quando alguém batia palmas no portão, cabia a mamãe decidir se o visitante seria recebido na sala de visitas — onde reinavam os espelhos — ou na varanda, mais acolhedora e simples.
Gabriel Novis Neves
07-10-2025