segunda-feira, 31 de março de 2025

ANTIGOS CONSULTÓRIOS MÉDICOS


Geralmente o consultório ocupava as salas da frente da própria residência do médico.

 

Quando voltei à minha cidade natal para exercer a profissão, o sistema ainda era assim.

 

Como minha casa era muito pequena, aceitei o convite do meu colega de turma, Benedito Canavarros, que morava na "rua dos Porcos", e a passei a usar uma sala de sua casa como consultório.

 

A sala de espera era no corredor.

 

Passados alguns anos, ocupei dois salões da casa dos meus pais, na rua do Campo.

 

Algum tempo depois fui dividir o amplo consultório de Clóvis Pitaluga de Moura, também na rua do Campo, vizinho à casa do historiador Rubens de Mendonça.

 

Foi nesse período que consolidei minha clínica em Cuiabá, como assistente do grande mestre.

 

Fui com o Kamil para a Femina, a primeira clínica particular de obstetrícia da cidade, no bairro Bandeirantes.

 

Curioso que, na noite de sua inauguração — com apenas quatro leitos para gestantes, centro cirúrgico e de reanimação, vários consultórios médicos, ultrassonografia gestacional, citopatológico e de análises clínicas —faltou energia elétrica na hora do corte da fita simbólica. Logo ali, na casa em que as mulheres viriam a dar à luz.

 

Naquela época, as clientes liam na sala de espera revistas, como O Cruzeiro e Seleções, e o médico conhecia toda a família da paciente pelo nome.

 

Não existiam planos de saúde: os pacientes eram particulares ou indigentes.

 

Havia consultas fiadas — e os médicos, tinham cobradores.

 

Hoje, os médicos atendem em salas comerciais adaptadas, clínicas de especialidades ou hospitais.

 

Enquanto esperam, os pacientes consultam seus celulares. As consultas são pagas por PIX, quando não são aceitas por dois ou três planos de saúde.

 

O médico antigo era generalista, atendia toda a família. Esse, não existe mais.

 

As universidades formam médicos especialistas, que muitas vezes não interessam ao Brasil. E muitos municípios continuam sem médicos.

 

Gabriel Novis Neves

30-03-2025




domingo, 30 de março de 2025

JOGAR CONVERSA FORA


Fui convidado para um almoço às duas horas da tarde, num lugar bem distante de onde moro.

 

Tudo fora dos meus padrões habituais. Estou acostumado a almoçar por volta do meio-dia e logo em seguida tirar a sesta para continuar o dia fazendo o que sei: escrever.

 

Vivo num mundo sem pressa, respeitando meu relógio biológico — e ainda assim, preciso agradar a gregos e troianos.

 

Pedirei ao motorista que me leve logo após o meio-dia, para que eu possa jogar conversa fora, almoçar e, até as três da tarde no máximo, estar estregue à minha sesta, ainda que atrasada.

 

Afinal hoje é sábado, e o almoço é em comemoração ao aniversário da minha bisneta primogênita.

 

‘Jogar conversa fora’ é a versão moderna da ‘conversa fiada’ dos tempos dos meus pais, quando se passavam horas assim, sem compromisso, nas cadeiras de balanço à porta de casa.

 

Era assim que a cidade se comunicava, sem pressa: transeuntes e admiradores das cadeiras de balanço.

 

Quantas histórias e novidades conheci desses encontros.

 

O historiador Estevão de Mendonça jogava conversa fora da janela do seu casarão.

 

Lembro-me bem das vezes em que ele me chamava para uma prosa despreocupada diante do seu janelão.

 

Era uma conversa preguiçosa, sem hora para acabar.

 

Ele sabia de tudo o que havia acontecido em séculos de história — desde a dominação portuguesa até os dias de então.

 

E com que prazer jogava essa conversa fora.

 

Outro ponto preferido do nosso povo para a boa e velha conversa fiada era a porta do Bar do Bugre, de frente para as praças Alencastro e da República.

 

Curioso notar que quem vinha jogar conversa fora estava sempre desacompanhado.

 

Era uma espécie de catarse, naquele tempo em que ninguém falava de Freud ou Jung — e todos pareciam felizes, num mundo sem pressa.

 

O progresso acabou com esse saudável relacionamento humano.

 

Gabriel Novis Neves

29-03-2925




sábado, 29 de março de 2025

LIVROS ENSINAM


Com o dia todo livre, nada melhor do que recordar coisa antigas —daquelas que nem mesmo em sebos se encontram nos dias de hoje.

 

Lembro-me dos antigos vendedores de enciclopédias.

 

Eram chamados de representantes comercias e vinham de São Paulo oferecendo seus produtos de porta em porta.

 

A mães, que conseguiam fazer uma pequena economia não pensavam duas vezes para realizar o sonho de ocupar boa parte da estante da sala com livros de capa dura, repletos dos segredos do mundo.

 

A Enciclopédia Britânica, com seus 24 volumes de grande formato, vinha com um brinde irresistível: um Atlas Gigante.

 

Hoje, nem os sebos aceitam essas doações —e, se aceitam, é com certa relutância.

 

Não posso deixar de lembrar de outros clássicos que formavam as bibliotecas da minha infância:

 

—As 13 obras de Monteiro Lobato

 

—Os 18 volumes do Tesouro da Juventude.

 

—Os 19 volumes da Enciclopédia Barsa.

 

—Os 32 volumes da História da Humanidade.

 

—Os 44 fascículos de Gênios da Pintura, da Editora Abril.

 

Ao entrar em qualquer sebo, lá estão elas, nas prateleiras mais altas, quase exigindo uma escada Magirus para serem alcançadas — coleções esquecidas, quietas, esperando por olhares curiosos.

 

É com saudade que me lembro daquela época, agora que a informação é digital, multimídia: texto, imagem, som —tudo atualizado em tempo real e disponível online.

 

Mudou para melhor, é verdade.

 

Mas havia uma alegria especial em receber os fascículos semanalmente.

 

Através deles, conhecia muitos mundos.

 

Hoje, conecto-me ao planeta inteiro pelo celular, sem ocupar um único centímetro da estante.

 

Antigamente, era bem mais difícil adquirir conhecimento em todas as áreas do saber.

 

Hoje, desde cedo, as crianças têm acesso a uma abundância de informações —e talvez por isso não existam mais ‘crianças burras’.

 

Fiz o último ano do segundo grau no Rio de Janeiro, no Colégio Anglo Americano, na Praia de Botafogo.

 

A maioria dos alunos era carioca, e muitos estudavam lá desde o ensino fundamental. O colégio pertencia a um professor português.

 

Lá todos falavam fluentemente espanhol, francês e inglês — e estavam preparados para enfrentar os vestibulares mais exigentes do país.

 

Dois colegas da minha turma passaram no vestibular mais difícil do Brasil: o do ITA — Instituto Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos.

 

Diante das dificuldades que enfrentei naquele ano, só pensava nas enciclopédias que minha mãe, com tanto esforço, comprou para me ajudar.

 

Elas não diziam tudo. Mas me diziam o suficiente para continuar sonhando.

 

Gabriel Novis Neves

23-03-2025




sexta-feira, 28 de março de 2025

OITO ANOS


Recebi pelo grupo da família o convite da minha bisneta Maria Isabella para o almoço em comemoração aos seus oito anos.

 

Será no próximo dia 29 de março, último sábado do mês.

 

Ela receberá seus convidados para o almoço, a partir do meio-dia na casa dos avós.

 

Importante não esquecer a roupa de banho, para aproveitar a tarde com ela na piscina.

 

Nem imagino como será divertido esse encontro, com todos na água morna, música ambiente, mesinhas com toalhas de tecido, refrigerantes e um almoço caprichado, seguido de doces na sobremesa.

 

Sem falar na decoração cuidadosa e na animação infantil, que certamente fará a alegria da criançada.

 

Será uma grande festa — cheia de comida, alegria e afeto — inaugurando o ciclo de aniversários na casa nova dos avós.

 

A inauguração oficial aconteceu no Natal e na virada do ano, em uma celebração festiva com familiares e amigos. 

 

Agora tem início a um novo ciclo: os aniversários dos netos.

 

Foi assim também em minha casa com a Regina.

 

Até a recepção do casamento da minha filha aconteceu em nossa casa da Major Gama, na entrada do morro do Tambor, no Porto.

 

Há trinta anos moro na rua do Caixão — hoje Estevão de Mendonça, no bairro Goiabeiras, depois Popular e, atualmente, Duque de Caxias.

 

Aqui realizamos muitas festas de aniversário e outras comemorações.

 

A última foi quando completei 80 anos, um gesto de carinho dos meus filhos.

 

Agora as reuniões se resumem aos almoços de sábado, rodeado por filhos, netos e bisnetos.

 

Não crio pets, que certariam ficariam nervosos com tanta gente, e as rosas do meu jardim não falam.

 

Fico pensando que, daqui a dez anos, talvez eu possa assistir ao casamento da minha bisneta.

 

Seria um prêmio imenso estar presente a essa celebração.

 

Se depender de mim, chego lá.

 

Sinto-me tão bem de saúde que ouso fazer planos arrojados como este.

 

Mas, no dia 29, a festa é toda da Maria Isabella, nossa bisneta primogênita, querida pelas suas primas e amada por todos.

 

Gabriel Novis Neves

29-03-2025




quinta-feira, 27 de março de 2025

A GOLEADA PARA A ARGENTINA


Do goleiro ao ponta-esquerda, temos jogadores disputando o Brasileirão em condições de formar uma seleção capaz de conquistar a próxima Copa do Mundo.


Foi assim em 58, 62 e 70.


Todos os titulares e reservas jogavam em times brasileiros. E, além disso, tínhamos os torcedores.


Encurtando o assunto: os clubes viraram empresas de multimilionários — brasileiros e estrangeiros.


Os jogadores que se destacam nas categorias de base logo são vendidos para clubes do exterior.


Estima-se que cerca de cinco mil brasileiros joguem futebol fora do país.


Na temporada 2024/2025 da UEFA, dos 36 clubes que disputam a Champions League, 22 têm atletas brasileiros em seus elencos.


Esses clubes estrangeiros, de países com moedas fortes como o dólar e o euro, são verdadeiras seleções — com os melhores jogadores e treinadores do mundo.


E com algo mais: a torcida que a nossa seleção não tem.


O torcedor da seleção brasileira torce, na verdade, pelo jogador do seu time.


Ninguém torce por times estrangeiros — a não ser por exceções históricas, como aquela seleção holandesa laranja de Cruyff e companhia, ou a Hungria de Puskás.


O torcedor do Vasco, Flamengo, Botafogo, Fluminense, Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos, Cruzeiro, Atlético Mineiro, Grêmio ou Internacional quer ver o seu craque na seleção brasileira.


Não um “exilado” defendendo o Brasil.


O último jogo entre as seleções da Argentina e do Brasil, válido pelas eliminatórias da próxima Copa do Mundo, foi uma estrondosa vergonha para nós.


Com 20 minutos do primeiro tempo, o placar já marcava 2 a 0 para os argentinos!


E só havia uma seleção jogando — a Argentina.


Fui dormir e só soube do resultado final hoje de manhã.


Toda a imprensa especializada joga o fiasco nas costas do técnico e pede sua demissão.


Mas quem joga não são os jogadores?


E os interesses empresariais por trás dos que estão em campo?


Coloque-se um técnico estrangeiro, que há anos treina um time de ponta no Brasil, e o problema estará resolvido.


Não é assim que os nossos clubes fazem?


Gabriel Novis Neves

26-03-2025





quarta-feira, 26 de março de 2025

O SANGUE, A MOÇA E O BEM

 

Pouco depois das sete da manhã a moça do laboratório de análises clínicas avisou à portaria do prédio onde moro que estava subindo para a coleta do meu sangue.

 

Essa rotina foi incorporada aos meus hábitos há pouco mais de dois anos.

 

Meu organismo já não fabrica imunoglobulinas em quantidades adequadas, e, todos os meses, faço a dosagem delas e de suas subclasses.

 

É a única maneira de saber se a suplementação que recebo tem sido suficiente.

 

Meu sistema imunológico permanece atento a qualquer ataque microbiano, e há mais de um ano, nem dor de garganta tenho.

 

Aproveito para realizara novos exames hematológicos apenas para confirmar que tudo está bem — já que sintomas, felizmente, não apresento.

 

Uso quarenta e dois medicamentos, todos prescritos por especialistas. Cuido-me com zelo e sem abusos.

 

Minha única refeição completa e balanceada é o almoço, sempre acompanhado de sobremesa: melão, melancia, manga, kiwi, uva verde ou ata.

 

Lanche ao acordar e à noite.

 

Nos intervalos, frutas sempre as mesmas: mamão- papaia, laranja-lima, banana-prata, pera ou maçã. 

 

Meus médicos dizem que estou bem. Cuido-me como posso e, até agora minhas doenças foram mecânicas: um marca-passo cardíaco e uma prótese de acrílico na válvula aórtica.

 

As pequenas limitações que tenho são próprias da idade: a locomoção mais lenta, o sono que insiste em chegar antes das oito da noite. 

 

Poderia colocar próteses nos joelhos — cirurgia de excelentes resultados —, mas, aos noventa anos, prefiro não arriscar.

 

As artroses dificultam meus passos, mas apenas uma vez por mês, quando preciso ir ao hospital para as imunoinfusões.

 

No mais, não sinto necessidade de sair de casa. Muitas vezes, o mundo lá fora se revela um ambiente tóxico.

 

Enquanto divago, sei que meus exames — com exceção das imunoglobulinas, processadas em São Paulo — já devem estar prontos.

 

No dia 27 estarei no hospital para mais uma imunoinfusão, acompanhado da enfermeira e do motorista da minha filha.

 

E, no mês que vem, tudo se repetirá.

 

Com as bênçãos de Deus.

 

Gabriel Novis Neves

18-03-2025





terça-feira, 25 de março de 2025

ENSINO E ARTE


O ensino é seletivo. Exige de seus alunos um número mínimo de horas-aula para a progressão acadêmica.

 

Muitas crianças pobres são obrigadas a trabalhar desde cedo, fugindo da fome, para ajudar nas despesas da casa.

 

Quando a situação familiar se estabiliza — nem sempre — elas tentam voltar à escola.

 

 Mas já não cabem mais nela. Continuam executando pequenos trabalhos braçais.

 

Ficam distantes do mercado de trabalho e do trabalho digno.

 

Algumas, no entanto, revelam pendores artísticos: o canto, a dança, os esportes, as composições musicais.

 

A habilidade com instrumentos musicais, mesmo sem escola, segue adiante.

 

Podem enriquecer — e oferecer uma vida melhor aos seus descendentes.

 

A arte ensina a vida. Mas a vida, sem escola, não leva ninguém muito longe.

 

A Universidade de Campinas concedeu o título de Doutor Honoris Causa ao grupo Racionais MC´s — um conjunto de rapazes que revolucionou os saberes forjados na luta, em São Paulo, no Brasil e no mundo.

 

Por meio de suas canções, fizeram as periferias serem compreendidas.

 

Hoje, os antigos fugitivos da fome tiveram seus saberes reconhecidos, servindo de exemplo a milhares de jovens.

 

Foram recebidos pelo Conselho Universitário em seus trajes habituais —calça e camiseta azuis.

 

Quebraram um antigo ritual ligado à sede do saber.

 

Os artistas populares têm sua própria metodologia para criar saberes.

 

A escola ensina seus alunos a repetir o que lhes é ensinado — do fundamental à graduação, ao mestrado, doutorado e pós-doutorado.

 

Depois, galopam pelos benefícios da Lei Rouanet, da Lei Aldir Blanc e outras.

 

Sempre olhei com bons olhos aqueles que não possuíam titulação formal, mas detinham saberes.

 

Aproveitei muitos deles na implantação da Universidade Federal de Mato Grosso — e não me arrependo.

 

Sempre respeitei o saber, independentemente dos títulos acadêmicos.

 

Muitos dos projetos implantados — como a Escola de Samba Mocidade Independente Universitária — estão na memória de todos.

 

O Brasil é para todos, e não só para alguns.

 

Convivemos com Presidente do Brasil e com o das Nações Indígenas — tão ou mais reverenciado na Europa desenvolvida.

 

E que saibamos respeitar os novos doutores da Universidade de Campinas!

 

Gabriel Novis Neves

24-03-2025