Escrevo sobre os sons das cidades, que pouco a pouco desaparecem com o avanço científico e tecnológico.
Um deles, quase esquecido, é o som discreto do lápis riscando o papel, somando contas à mão — verdadeira música silenciosa do comércio.
Hoje, tudo é feito à distância por meio da tecnologia, e essa melodia cotidiana se perdeu.
Minha amiga jornalista e professora, especialista nos sons das ondas do Arpoador e nas baterias das escolas de samba do Rio de Janeiro, certamente vai me repreender quando ler que o lápis deslizando no papel produzia um som suave, que, junto às contas somadas à mão, compunha a música do comércio — ainda com direito ao apito do guarda-livros.
Por muito menos já se estranhou comigo, quando comparei o som das teclas da máquina de escrever ao das teclas do computador.
Tudo produz som, e a beleza dele depende da nossa sensibilidade musical.
Eu, por exemplo, admiro o vento que faz as folhas de um mangueiral se tocarem.
Até o infinito tem um som, quando céu e terra parecem se encontrar numa explosão mágica de imaginação.
Cada objeto carrega o seu som, que sobe para a atmosfera transformando o mundo numa imensa orquestra sinfônica.
A máquina do dentista, ao tratar uma cárie, solta um som de terror que se espalha por todo o quarteirão.
Já as crianças, ao nascer, trazem um som alegre e contagiante, enchendo as maternidades de festa.
Os sons das cidades surpreendem pela beleza, com tons que não cabem nas partituras dos gênios da humanidade.
O mundo, acredito, é musical.
Até um rabisco na areia tem o seu som.
Hoje, a cuidadora abriu a janela do meu escritório para que eu pudesse ouvir o vento nas árvores do quartel.
Perguntei-lhe se já havia reparado no som de um comando de ‘armas ao ombro’ em um batalhão de infantaria.
É de uma musicalidade capaz de arrepiar nossos compositores!
A vida é bela.
Basta apenas um pouco de boa vontade para que possamos apreciar, ao menos, os seus sons.
Gabriel Novis Neves
22-09-2025
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.