TESOURO DA INFÂNCIA

 

Tinha menos de dez anos de idade e ainda morava na Rua de Baixo quando da 2ª Guerra Mundial.   Todas as manhãs, acompanhava o meu pai na abertura do bar, pelo curto corredor onde ficava a banca de engraxate. Entrávamos, e ele fechava a porta até que os funcionários chegassem.

Ele ia para o “escritório” do bar resolver problemas burocráticos e eu perambulava pelo enorme salão vazio, com portas e janelas fechadas.   Procurava no chão aquilo que não tinha deixado ou guardado, e nunca encontrei nada.

Resolvi, então, colocar numa caixa de papelão todas as tampinhas de cerveja espalhadas pelo chão e leva-las para casa, onde as guardava em um quarto que havia no quintal. Esse ritual era diário.

Depois de certo tempo, quando o quarto estava quase impenetrável, o meu pai me perguntou?

- “Para que servem todas essas tampinhas?”

- Não sei, pai. Respondi.

E continuei guardando as tampinhas, até que certo dia ele telefonou à minha mãe.   Queria saber se eu ainda tinha em casa as tampinhas das garrafas de cerveja.

Diante da resposta positiva, ele disse à minha mãe que se encontrava no bar um senhor desejando comprar as tampinhas de cerveja. Durante a 2ª Guerra Mundial as fábricas precisavam do metal das tampinhas de cerveja para reciclagem.

O senhor foi à minha casa e o conduzi até o quarto onde se encontravam as tampinhas.  Ele quis saber se eu venderia todas elas e qual o preço das mesmas.

Momentos depois, um pequeno caminhão foi estacionado na porta da minha casa e o ajudante transportou em sacos as tampinhas que um dia havia guardado sem saber para quê.

Recebi o dinheiro da venda e fui entregar ao meu pai. Este me disse que o dinheiro era meu, para fazer o que quisesse com ele.  Incentivado pela minha mãe, à tarde fui às compras de algo útil para mim.

Na mesma rua onde morava, fiquei encantado com um boné de lã com proteção dos ouvidos.   Saí da Casa Mansur já com o boné na cabeça, em pleno verão cuiabano.

Gabriel Novis Neves 

02-12-2021