terça-feira, 7 de dezembro de 2021

MEMÓRIAS SE ETERNIZAM ESCRITAS


Meu avô, Dr. Alberto Novis, tinha inúmeras manias.  Uma delas era o de anotar em um caderno grande de capa dura, também chamado de livro de “guarda livros”, os fatos mais importantes do dia. 


Estes  poderiam ser tanto a visita de um neto ou o sucesso de algum procedimento médico. Muitos daquela geração tinham por hábito escrever diários.


Guardou enquanto vivia dezenas desses “livros” que ocupavam extenso espaço no armário do escritório da sua casa, que ficava em um quarto onde a luz solar não penetrava, atrás da sala do seu consultório médico.


Lembro-me do meu avô anotando no livro dos “guardas livros” as consultas que atendia com nome dos pacientes, sua conduta terapêutica e o valor das mesmas, quando o paciente podia pagar.


Sua satisfação era incontida me mostrando o valor recebido de honorários médicos, quando da extração de uma espinha de piraputanga da garganta do seu cliente.  “Pagando pra saber”, - sorria discretamente nessas ocasiões.


Não poucas vezes retirava um desses livros do armário e lia para mim, por exemplo, aquilo que tinha escrito no dia do meu 1º aniversário de idade.  “Hoje completa hum aninho o meu netinho Gabriel, também meu afilhado. À tarde fui visitá-lo. De presente lhe dei uma escovinha para dentes”.


Certa vez,  por ocasião de uma visita, ele me contou que não iria passar o meu aniversário em Cuiabá.  Aceitara o convite de três das suas filhas para umas férias com elas no Rio de Janeiro.  Então, me fez a seguinte pergunta no seu escritório:


- “Você prefere que eu lhe envie de presente de aniversário um bem escrito telegrama de felicitações para colocar na cama junto aos presentes para todo mundo ler”? Ou receber, antes da minha viagem, um dinheiro pra você escolher e comprar o seu presente?


Esperei alguns instantes para dar a resposta.


- Gostaria de receber o telegrama e o dinheiro.


Meu avô me disse que era uma escolha.


Pedi então o dinheiro para comprar um “caminhão de loja”. O que tinha fora adquirido na Cadeia Pública de Cuiabá. Era artesanal e feito por detentos como trabalhos manuais para detração das penas.


Ele me presenteou com o dinheiro antecipado e enviou o telegrama no dia do meu aniversário. 


Depois, transcreveu esse diálogo no seu “diário” do livro de capa dura, cheio de tantas anotações de ternuras perdidas com o tempo.


Gabriel Novis Neves

04-12-2021




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