sábado, 30 de abril de 2022

CARNAVAL NO RIO


Com a pandemia, o carnaval no Rio de Janeiro ficou apenas por conta do desfile das Escolas de Samba no Sambódromo, em apenas dois dias.


Comecei a participar do carnaval no Rio, após o meu terceiro ano de residência lá (1953-1964).


Nos dois primeiros anos estava concluindo o 2º grau no Colégio Anglo Americano, e me preparando para o vestibular de medicina.


Naquela época, além das tradicionais escolas, desfilavam na Avenida Rio Branco, depois, Presidente Vargas, - “Filhos do Deserto”, “Paz e Amor”, “Depois eu digo” entre outras.


As músicas mais cantadas eram “Cachaça”, “Turma do Funil”, “A fonte secou”.


Eu tinha um tio solteirão por vocação, que se casou na velhice, e morreu com quase cem anos e sem filhos.


Ocupava um cargo onde prestava favores aos amigos e conhecidos.


Por ocasião do carnaval, ganhava muitas entradas para os bailes mais cobiçados, e sofisticados do “Rio dos Anos Dourados”.


Bailes no Theatro Municipal, Hotel Glória, Copacabana Palace, Botafogo na avenida Venceslau Brás, Fluminense em Laranjeiras e High Life Club na rua Amaro Assunção.


O baile que mais me marcou, de todos esses que frequentei com o ingresso dado pelo meu tio, era realizado durante à tarde, na semana que antecedia ao carnaval.


Tinha o nome sugestivo de “Baile do Cabide”.


No primeiro ano o meu tio solteiro me fez companhia, e me ensinou como “deveria me comportar”.


O local superdiscreto ficava no centro da cidade.


Nos outros anos ia só, até chegar ao salão ou camarotes.


A bebida de qualidade era livre e à vontade, além do lança perfume e rico buffet.


Como dizia aos colegas de pensão antes de sair para o “Baile do Cabide”, - onde tudo era permitido e ninguém era de ninguém, que iria me abastecer no buffet o equivalente a uma semana, e beber champanhe por um ano.


As mulheres mais lindas do Rio de Janeiro estavam lá, e quem não podia sair de casa à noite, também.


A roupa era cuidadosamente guardada, para evitar manchas de batom ou perfume.


Já ia teclando uma de “saudosista que vive se lamentando”, que coisas boas não voltam mais.


Não custa saber se esses bailes ainda existem.


O carnaval de rua acabou e tudo ficou resumido aos desfiles das Escolas de Samba, nas duas principais cidades do Brasil.


O enterro do carnaval que era comemorado no primeiro domingo do pós-carnaval nem é mais lembrado.


Eu não tenho mais vinte anos, e sim, oitenta e sete.


Gabriel Novis Neves

25-04-2022




quinta-feira, 28 de abril de 2022

UNIVERSITÁROS DA UFMT DOS ANOS 70


Em um dia desses conversei com uma excelente aluna de Direito da UFMT dos anos setenta.


Ela me confessou que na época de estudante usava “Cannabis sativa” como parte dos seus colegas e era revolucionária, sempre em luta contra os “imperialistas”!


Participou de movimentos contra a reitoria que significava o poder.


Disse que brigou muito com o reitor, fato por mim totalmente desconhecido (na época eu era reitor).


Depois tomamos rumos diferentes e deixamos de nos ver.


Eu fazendo medicina em tempo integral.


Certo dia, e lá se vão uns quinze anos, recebi um telefonema seu.


Estava como Diretor da Clínica Femina, no impedimento do Kamil, então na Presidência da Unimed.


Desejava falar comigo, mas não era consulta.


Queria falar a respeito de um assunto particular.


Marquei que me procurasse pela manhã, em um dia que não atendia no consultório.


Avisei a secretaria do hospital sobre a audiência que havia marcado.


No momento combinado a recebi.


Se não me dissesse o seu nome, não a teria reconhecida.


Nesses trinta anos de intervalo da aluna de Direito, as mudanças físicas foram acentuadas.


Nos abraçamos com emoção.


Notei que a minha ex-aluna chegou a derramar lágrimas.


Sentamos e fomos conversar, ela ainda emocionada.


Ela me disse que queria apenas me ver e pedir perdão pelos seus “arroubos juvenis”.


Acalmei-a dizendo que não me lembrava de quase nada da sua fase universitária.


Apenas que era uma aluna brilhante e idealista e nada de pessoal que pudesse ferir na minha dignidade.


Eu era o “poder constituído” ela uma aluna do seu tempo.


Desse encontro para cá tornamos grandes amigos.


Envio-lhe diariamente pelo zap as minhas crônicas.


Nunca fui seu médico, mas seu orientador na área de saúde.


Esta semana ela me telefonou para jogar conversa fora.


Lembrou que certa ocasião procurou o Secretário da Fazenda do Estado, sendo atendida pelo sub, já que o titular estava viajando.


Quando ela era estudante da UFMT ele era do Diretório Acadêmico.


Ele perguntou-lhe onde trabalhava.


Ela respondeu que era Chefe do Gabinete de um deputado estadual reconhecidamente líder da “direita truculenta” em MT.


Sorriram, pois, os dois “ revolucionários” universitários dos anos 70 trabalhavam para políticos de ideologia que sempre combateram quando jovens.


Assim é a vida, onde poucos conseguem manter a sua ideologia, quando o emprego procurado, e que sãos os melhores com invejáveis mordomias, não possuem ideologia.


Gabriel Novis Neves

19-04-2022




quarta-feira, 27 de abril de 2022

PRIMEIRA GREVE GERAL NA UFMT


Chego ao hospital e caminho para o meu consultório.


Na “Praça da Alimentação”, encontro elegantemente vestido lendo um jornal, um famoso economista, ex-aluno da UFMT.


Aproximo do meu amigo consagrado pelos estudos para cumprimentá-lo e adverti-lo.


Mestre, este é um hospital feminino.


Sua presença aqui levanta suspeita.


O professor entendeu a brincadeira.


O seu clínico geral, tem o seu consultório no segundo andar, mas, distante da Praça de Alimentação, polo dos consultórios dos ginecologistas e obstetras.


Como seu médico estava atrasado, o ex-dirigente do Diretório Acadêmico da UFMT na década de 70, espontaneamente, me fez um depoimento que desconhecia durante o nosso cordial bate papo.


O senhor conhece a verdadeira história da primeira greve da UFMT?


Disse-lhe que foi uma greve de adolescentes e que não deixou cicatrizes.


Então, em homenagem a história, ele me relatou com minúcias os acontecimentos que eu desconhecia totalmente.


Fui o único reitor encarregado de implantar uma Universidade Pública Federal no período do regime militar e que dispensei o serviço de inteligente (SNI), na instituição de ensino, e nem me interessei por ideologias, raças, religião, preferência sexual e outros penduricalhos do sistema social da hipocrisia.


Também nunca apliquei o temido artigo 477, que desligava o aluno da universidade por motivos ideológicos.


Tinha como único foco implantar a maior usina de conhecimentos em Cuiabá e, só.


Trabalhei com os mais variados perfis humanos e profissionais, e sempre aproveitei as suas virtudes.


A tentação para o desvio e provocações foram inúmeras.


Diante do relato do ex-aluno, fiquei perplexo.


O comando do diretório da UFMT era do MR-8.


O relacionamento dos estudantes com o reitor era o melhor possível.


Nunca foi aplicado nenhum ato revolucionário contra um aluno ou professor.


O reitor sim foi cassado por motivos políticos.


Depois recuperou o seu cargo.


A ordem nacional revolucionária era uma greve geral em todas as universidades públicas brasileiras.


Foi solicitada a presença do presidente da UNE, que clandestinamente veio para cá e se infiltrou entre os nossos estudantes, fato esse confirmado anos depois pelo próprio ex-dirigente da UNE, que se tornou político profissional.


Precisavam de preferência de um cadáver para que o movimento tivesse projeção nacional e internacional.


Conseguiram um voluntário que simulou uma agressão por empalamento, que o levou ao suposto abdômen agudo.


Conduzido a Santa Casa de Misericórdia por seus colegas, foi atendido por especialistas e internado para observação.


Nada de anormal foi encontrado pelo exame físico e laboratorial.


Só então fui informado do que estava acontecendo.


Passei no Restaurante Estudantil ao lado da reitoria onde os estudantes, meus amigos, estavam concentrados e revoltados.


Disse-lhes que lamentava o ocorrido e que iria visitar o seu colega no hospital, mas voltaria para informar-lhes sobre a real situação de saúde do universitário.


Com mais de seis anos de prática no maior hospital de urgência e emergência da América Latina, o Hospital Souza Aguiar do RJ, após ouvir o relato dos meus colegas que estavam cuidando do garoto, me permiti a examiná-lo, a pedido dos mesmos.


Meu diagnóstico batia com o da equipe de especialistas: “simulação”.


Fomos para a sala dos médicos onde discutimos o assunto sob todos os ângulos, e considerando que a medicina não é uma ciência exata, decidimos que o melhor seria fazer um procedimento clássico e ético: “laparotomia exploradora”.


Não quis entrar no campo cirúrgico, embora estivesse presente no Centro Cirúrgico, pela minha condição de reitor.


Após inventário minucioso de toda a cavidade abdominal, nenhum sinal de trauma foi constatado.


Concluído com êxito o procedimento médico, apressei-me em trazer aos jovens acampados no restaurante a boa notícia.


Ao fazer o relato das boas condições de saúde do seu colega, sem nenhuma possibilidade de ter sofrido um trauma ou risco de morte, levei a maior vaia da minha vida.


Toda aquela gente inocente precisava de um cadáver.


Esses fatos com nomes dos autores me foram fornecidos pelo renomado e respeitado economista.


Até onde a paixão política transforma seres humanos privilegiados em frequentar uma universidade pública, em país de analfabetos, em seres irracionais.


Assim, terminou melancolicamente a primeira greve geral na UFMT.


Essa é a história não escrita.


Gabriel Novis Neves

16-11-2013




DO AZIMUTE AO GPS


Azimute é uma medida de direção horizontal definida em graus, muito utilizado em topografia.


É um termo árabe que significa direção.


Existe “azimute bússola”, que facilitou a vida de quem precisava chegar a lugares distantes e desconhecidos.


Foi muito empregado pelo exército brasileiro quando fiz o CPOR (Centro Preparatório de Oficiais da Reserva) no Rio de Janeiro, em 1955.


Um dos exercícios mais temidos por nós era o de sair do Quartel na Quinta da Boa Vista e, caminhando, chegar até Gericinó, campo de instrução dos militares.


São 36 km caminhando com uniforme completo de campanha, mochila nas costas e fuzil no ombro direito.


O cantil de alumínio, o pesado capacete e os coturnos não devem ser esquecidos.


Na retaguarda dos alunos vinham duas ambulâncias, os caminhões da Intendência e em uma viatura o comandante geral do CPOR, Coronel Ladário Pereira Telles, um gaúcho da cavalaria (55 anos).


A distância de onde saímos até Gericinó era de 36km, e o planejamento era o seguinte.


Nos quinze primeiros quilômetros faríamos três paradas para beber água e lanchar.


A quarta-feira e última parada era para o rancho e descansar.


Os próximos quilômetros até Gericinó não haveria parada, por prevenção de problemas físicos com a tropa.


Chegando ao local ainda com sol, perfilados recebemos as primeiras instruções.


Fomos abrir buracos para montar as barracas onde ficaríamos por uma semana.


Cada barraca comportaria dez alunos deitados no chão forrado com uma lona, cinco de cada lado, pé com pé.


A barraca era fechada a noite por uma pequena porta do material da barraca.


Enquanto montávamos as barracas, em número de dez, outro grupo fazia as fossas sanitárias e os banheiros.


O grupo precursor já havia instalado a cozinha, refeitório, ambulatório médico, a cadeia, os reservados dos oficiais, e do coronel Ladário Pereira Telles.


A Intendência ficava responsável pelos outros setores do acampamento militar.


Após o lanche da noite, o coronel pediu que descansássemos, pois a alvorada seria às cinco horas com puxados exercícios até à noite.


O cabo corneteiro tocou o toque de recolher e todos nós nos recolhemos nas barracas.


Cansado, logo que deitei dormi em profundo sono de qualidade.


Lá pelas tantas um colega de outra barraca entra na nossa e acorda um a um perguntando se não gostaríamos de jantar um bife à cavalo?


Iriam à uma cidadezinha que ficava próxima ao acampamento, chamada de Ricardo de Albuquerque.


Apenas dois ou três colegas da minha barraca se engajaram na aventura do nosso colega de turma, Ataliba Antônio de Oliveira Neto, de Catanduva (SP).


Conseguiu mais adesões e foram jantar sem uniforme do quartel, no primeiro restaurante que encontraram.


Pediram garrafas de cerveja e o bife à cavalo com arroz e batata frita.


O dono do restaurante desconfiou dos seus jovens clientes e telefonou para o plantão do exército ao lado da estação dos trens da Central do Brasil.


Em menos de meia hora, os “catarinas” da tropa de choque do exército estavam no local da ocorrência.


Como o comboio do exército vinha com as suas sirenes ligadas, grande parte dos alunos fugiu , mas houveram prisões.


Estes, após identificação, foram levados para o acampamento e diretos para a prisão.


Houve tiroteio dos “catarinas”, ninguém pagou as despesas do restaurante e se embrenharam pela mata.


Antes da alvorada todos, menos os presos estavam nas barracas.


A tropa se formou para receber o “bom dia” do coronel comandante, com hasteamento da bandeira nacional acompanhado com o canto do Hino Nacional.


Depois levamos uma tremenda bronca com ameaças de desligamento do exército, que seria uma punição que iria prejudicar esses jovens para o resto das suas vidas.


Nesse dia, que começou com a bronca, o exercício noturno era o emprego na prática do uso do azimute.


Grupo de cinco alunos, com um líder escolhido por eles, recebia a “bússola azimute” com as coordenadas para encontrar objetos escondidos pelos militares.


Pois não é que teve alunos que foram até Ricardo de Albuquerque para, discretamente, tomar cerveja e, no seu retorno serem presos pelos colegas guardas do acampamento?


Justificaram ao comandante dizendo que haviam sido traídos pelas coordenadas do azimute, e com sede foram a um barzinho tomar água mineral!


Será que hoje com o aplicativo em celulares do GPS (Sistema Global de Posicionamento), largamente empregado pelos motoristas do UBER (empresa internacional de transporte de passageiros) alguém se perderia em Gericinó?


Gabriel Novis Neves

21-04-2022






segunda-feira, 25 de abril de 2022

SERVIÇO MILITAR


Prestei o serviço militar obrigatório no Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva (CPOR), no Rio de Janeiro (1955-1956).


Na ocasião já era estudante de medicina.


O quartel ficava na Quinta da Boa Vista, um dos lugares mais lindos do Rio, e onde praticávamos diariamente os nossos exercícios.


Nós tínhamos um nome de guerra e um número, colocado dentro de uma pequena placa de identificação que prendíamos no bolso da túnica da farda.


Eu era - NEVES 6041


Todos me chamavam de Gabriel, e o número significava que eu era o homem-base da formação militar.


O critério do número era a altura (1.85), e eu era o responsável pela direção da tropa de cem alunos.


Éramos apelidados por sermos acadêmicos de medicina, de pelotão “Ana Neri” numa alusão as enfermeiras da Escola de Enfermagem Ana Neri.


Nosso comandante geral era o gaúcho coronel de cavalaria, Ladário Pereira Telles.


O responsável pelo nosso pelotão, era o médico bonachão Montenegro.


Quem ficava mesmo conosco nos exercícios e aulas práticas de desmonte e limpeza dos fuzis, exercícios de educação física, rastejar uniformizado e armado, tiros ao alvo, técnicas de guarda ao quartel, eram dois sargentos.


De um não me lembro mais o nome e o outro era por nós carinhosamente chamado de “sargento moleza”.


O quartel possuía os seguintes pontos - que de duas em duas horas eram trocados seu plantonistas com bala no cartucho das baionetas.


Eram: a entrada principal do portão, por onde passavam aos domingos, principalmente, os turistas “que acampavam” nos imensos jardins da Quinta, preferindo às praias.


O portão da garagem, o setor dos presos e a cavalaria.


Como o sistema era de rodízio quando de serviço (plantão), não tínhamos como escapar desses quatro lugares.


Não gostava quando era a minha vez de dar guarda aos presos, ou cuidar dos cavalos do coronel na cavalaria, especialmente à noite.


A rotina da vida no quartel todos que serviram ao exército conhecem.


Às seis horas chegávamos ao quartel com o uniforme verde oliva e, imediatamente nos dirigíamos ao vestiário para trocá-lo pelo da educação física.


Calção e camiseta branca sem mangas, meias e tênis brancos.


Com alunos da infantaria, artilharia, cavalaria, intendência, engenharia e saúde, nos postavam em formação militar em frente à sacada interna do 1º andar do quartel.


Comandados pelo corneteiro da tropa, cantávamos o hino nacional brasileiro e assistíamos ao hasteamento do pavilhão nacional.


Ouvíamos ao bom dia do coronel da sacada do prédio e a ordem do dia.


Depois, saída do quartel rumo à Quinta da Boa Vista.


Tinha acabado de chover muito e formada enorme poça de água no portão da garagem.


Eu, como homem-base, desviei a tropa para evitar que os tênis do meu grupo ficassem encharcados de água.


Quando o último aluno passou pelo desvio da garagem, o coronel que a tudo observava da sacada externa do quartel, apitou por várias vezes fazendo com os braços sinais de retorno para o quartel.


Ele apareceu na sacada interna do comando, e deu uma tremenda aula de como se deve comportar um militar.


“Se fora dada ordem em frente e se encontrássemos obstáculos jamais desviar deles”.


Nos chamou de “moças do Ana Néri”, com medo de poça de água.


Disse que nós fomos o único pelotão que havia feito o desvio.


No linguajar da caserna, - “mijou em cima de nós”!


Esse foi o coronel que logo foi promovido a general e pertenceu a história do Brasil.


Quando da renúncia do presidente Jânio Quadros (agosto 1961), deu suporte militar ao Brizola na Cadeia da Legalidade, que garantiu a posse de Jango Goulart na Presidência da República.


No dia 1º de abril de 1964, foi nomeado por Jango, Ministro do Exército para lhe oferecer resistência militar, logo desistindo no dia seguinte, com a ida do presidente para o Uruguai.


Aí encerrou a sua carreira militar, o meu comandante do CPOR do Rio de Janeiro.


Hoje, é nome de rua e CIEP (Escola) construído pelo Brizola, quando governador do Rio de Janeiro.


Gabriel Novis Neves

22- 04-2022









domingo, 24 de abril de 2022

PIONEIRO DO ANTES


Eu morava na rua Almirante Tamandaré (1955-1956) no mesmo prédio do oficial médico do Exército, Ernesto Silva.


Era baixinho (41 anos), com poucos cabelos pretos na cabeça anunciando uma calvície precoce.


Vestia sempre à paisana e carregava uma pasta de couro pelas mãos.


Acho que era hábito na época militares usarem pastas, pois eu morava em uma pensão com um coronel da arma de artilharia, e ele andava também com uma pasta de couro marrom.


Sempre tive curiosidade em saber o que carregavam esses militares dentro dessas pastas, numa época que não havia celulares e seus carregadores, nem cartões de créditos bancários ou de planos de saúde.


O meu vizinho coronel raramente era visto no prédio e, posteriormente, vim a saber através do meu colega de faculdade e pensão Carlos Eduardo Epaminondas, tratar-se do médico do exército Ernesto Silva, um dos fundadores de Brasília.


Ficava mais tempo na futura capital do Brasil, que no Rio de Janeiro, onde morava a sua família.


Era carioca de Vila Isabel, onde nasceu em 1914.


Em 1933 formou-se em “Ciências e Letras”, e ingressou na carreira militar em 1936 através da “Escola Veterinária do Exército”.


Concluiu seu curso de medicina em1946, na “Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro”.


Em 1956 foi designado presidente da Comissão de Planejamento da Construção e Mudança da Capital Federal.


Foi o 1º diretor da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).


Em 1956 assinou o Edital do Concurso do Plano Piloto, vencido por Lúcio Costa.


Foi o responsável pelo planejamento e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e construção do 1º hospital distrital, mais tarde nomeado Instituto Hospital de Base.


Ernesto Silva, pressionou Lúcio Costa para a inclusão das escolas-parque no projeto do Plano Piloto.


Recebeu o apelido de “Pioneiro do Antes” em virtude de sua atuação ter se iniciado antes mesmo da aprovação oficial do projeto.


O coronel médico (pediatra) continuou residindo em Brasília, que se tornou sua “grande paixão”.


“Nós construímos a capital inteira de dentro do Cerrado. Sem coisa nenhuma, sem computador, sem fax, sem uma porção de coisas”, disse Ernesto Silva em 2007.


Era engenheiro civil pela Universidade do Cabo Verde (2010).


Faleceu aos 95 anos de idade no Hospital de Brasília.


No dia de mais um aniversário de Brasília, é prazeroso homenagear um grande herói anônimo, que conheci quando estudante de medicina no Rio de Janeiro.


Gabriel Novis Neves

21-04-2022




sábado, 23 de abril de 2022

O PITORESCO XXIII


Bem antigamente, tínhamos inúmeros casos de “frieira nos pés”. Seu tratamento era feito com óleos de plantas. Hoje, sabemos que é uma infecção por fungos. O tratamento é feito com antifungicidas.


Na Cuiabá antiga, muitos sofriam de “rachaduras nos pés”. Hoje, sabemos que a diabete é a maior causa e tratamos da diabete.


Bem antigamente, usava-se óleo de rícino para tratar infecção intestinal. Hoje, usa-se óleo de rícino para nutrir os cabelos.


Na Cuiabá antiga, todo mundo vestia-se de terno e chapéu. Até funcionários e os carroceiros. Hoje, nem o governador usa para despachar.


Bem antigamente, Cuiabá não possuía Universidade Federal. Hoje possui, e seu dirigente máximo é apelidado de Magnífico. Usa trajes nobres. Nas solenidades é chamado de Magnífico Reitor, para “vergonha” do seu fundador.


Na Cuiabá antiga, tínhamos fazendeiros de vacas, de porcos, criadores de galinhas, plantadores de milho, de arroz e feijão. Hoje, temos Rei do Gado, Rei dos Suínos, Rei dos Galináceos, Rei do Milho, Rei da Soja, Rei do Algodão e outros.


Bem antigamente, explorava-se muito o comércio ilegal de madeiras. Hoje, ninguém quer ser chamado de Rei da Madeira.


Na Cuiabá antiga, madeira era utilizada para construir casa de pobres.


Bem antigamente, o Brasil era um país monárquico dirigido por Dom Pedro II e Barões. Hoje temos “Reis” a escolher. No futebol, Pelé, na música Roberto Carlos, são os mais antigos.


Bem antigamente, os dois primeiros Presidentes da República, Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, serviram quando tenentes no exército em Cuiabá. Hoje, Presidentes da República nem visitam Cuiabá.


Na Cuiabá antiga, o crime de honra era “lavado” por sangue do infrator. Hoje, é resolvido pelo PIX.


Bem antigamente, as cuidadoras das crianças só contavam histórias de terror para as crianças dormirem. Hoje, as crianças dormem assistindo filmes pelo iPad.


Na Cuiabá antiga, as crianças tinham pavor do “pé de garrafas”, “mulas sem cabeça” e “lobisomem”. Hoje, nunca ouviram falar disso e, têm medo mesmo é de gente.


Bem antigamente, “pé de moleque” era um doce feito de rapadura de cana de açúcar com amendoim. Hoje, é pé de um guri.


Na Cuiabá antiga, no “domingo batia no sino”. Todos sabiam que era chamado para missa. Hoje, não se ouve mais “batida no sino” e, sim “batida de violão”.


Bem antigamente, domingo era dia de “fazer visitas” ou “passar as tardes na casa de uma amiga”. Hoje, domingo é dia de ficar em casa.


Na Cuiabá antiga, se ouvia muito o ditado popular que diz: “boa companhia faz quem em sua casa fica em paz”.


Bem antigamente, o domingo era o dia que a família se reunia para o almoço da macarronada com galinha. Hoje, com a pandemia, cada qual fica “em seu canto”.


Na Cuiabá antiga, as crianças “brigavam” pela “moela” e “esterno” das galinhas para fazer o jogo da sorte. Quem ficasse com a parte maior da galinha, tinha ganhado o jogo. Hoje, compramos galinha assada sem moelas. Ninguém conhece o jogo do esterno.


Bem antigamente, as sobremesas tinham datas especiais. As “ambrosias” só no Natal e dia de aniversário. Hoje, as sobremesas são compradas nas casas de doces, que desconhecem nossas tradições.


Na Cuiabá antiga, as crianças iam às missas pelas manhãs. Depois frequentavam o “catecismo” preparando para a 1ª comunhão. Hoje, fazem nas paróquias “cursinhos” preparatórios para a 1ª comunhão.


Bem antigamente, os meninos jogavam futebol após o catecismo. Hoje, voltam para as suas casas.


Na Cuiabá antiga, os meninos “jogavam futebol de botão” na casa dos seus amigos. Hoje, moram em apartamentos onde não há espaço. Distraem-se baixando aplicativos no celular para jogar.


Bem antigamente, antes de ser alfabetizado, eu jogava xadrez na casa do meu avô. Hoje, tenho a mesa própria para o jogo e peças. Não encontro parceiros para jogar. Isso antes da pandemia.


Na Cuiabá antiga, não existiam vacinas nem antibióticos. Quando surgiram as vacinas os vacinados estavam protegidos. Hoje, tomamos até três doses da vacina do Covid, e continuamos desprotegidos desse vírus.


Gabriel Novis Neves

16-01-2022




sexta-feira, 22 de abril de 2022

COISAS ESTRANHAS


Há quase treze anos escrevo e publico as minhas crônicas.


A primeira fase de publicação teve o seu início em 2009.


Além de publicá-las no meu blog do bar- do-bugre, também eram publicadas nos dois principais jornais da cidade, sites, blogs e revistas.


O dono de um desses sites de “nome incomum”, publicava as minhas crônicas, porém, nunca conversamos pessoalmente, nem ao menos pelo celular.


Passei quase cinco anos sem escrever, não sei o porquê.


Rotulei como “período de esgotamento intelectual”.


Há exatamente um ano voltei a escrever e publicar os textos diários no meu blog, e em uma única mídia social, de uns tempos para cá.


O blog de “nome esquisito” nunca mais publicou os meus textos.


O dono do blog não me disse a razão, e eu nunca também procurei saber o porquê desse veto.


Talvez por ele ter entrado para a Academia de Letras de Mato Grosso, e eu não possuir nem um mísero livro publicado.


No blog do bar-do-bugre, já coleciono mais de 2600 crônicas publicadas.


Nossa sazonal correspondência é feita por curtas frases e o assunto sempre era futebol.


Ele é pó de arroz e eu fogão.


Dia desses numa troca de mensagens, que imaginava concluída, ele por descuido esbarrou com os dedos no número do meu celular, que me chamou e desligou.


Nosso sistema de telefonia anda muito mal ultimamente.


Dizem os técnicos que há necessidade de aumento de torres de telefonia e da nossa rede para comunicações.


A ligação quase sempre cai quando conversamos.


Outras vezes as chamadas não são completadas.


Considerando esses problemas técnicos da telefonia, que espero ser sanado o mais rápido possível, resolvi chamá- lo.


Poderia ter algo a me dizer pela primeira vez utilizando o celular.


Ele atende.


Eu perguntei-lhe se tinha me chamado.


Ele me disse que não.


Remendou -, toquei sem querer o número do seu celular, após nossa conversa pelo zap.


Aproveitei desse erro para puxar conversa com uma pessoa que não conhecia pessoalmente.


Essa conversa pelo celular só terminou com o descarregamento das baterias.


A nossa longa e gostosa conversação também foi um modo de aguardar o horário do jogo do seu time com o Cuiabá.


Marcamos um encontro para nos conhecermos e continuar a conversa, agora presencial.


Gabriel Novis Neves

16-04-2022




quinta-feira, 21 de abril de 2022

MINHA FAXINEIRA


Até que enfim consegui uma excelente faxineira depois de anos de procura por uma competente e ética.


Como poucas, limpa e arruma guarda-roupas.


Esse serviço deve ser realizado com maestria para evitar misturas das camisas de mangas compridas, curtas, de passeio, uso caseiro, de dormir, de frio, calças compridas, ternos, bermudas, gravatas etc.


Sente prazer em forrar com plástico branco os armários e gavetas da copa e cozinha.


Tem um carinho com as plantas, e em especial com o enxerto da orquídea branca da sala de visitas que ainda não floriu, ao contrário do enxerto da cobertura que está com uma bela flor branca.


A casa e os móveis estão sempre de limpeza impecáveis.


Porém, existe um “mas”.


Ela tem a mania de fazer uma limpeza toda especial na minha televisão e computadores.


Aí é a minha loucura!


Estes equipamentos estão cheios de fios, cabos e tomadas.


Já por diversas vezes tinha pedido para ela deixar a limpeza dessas preciosidades por minha conta.


Ontem tinha um jogo de dois clubes dos mais importantes do futebol brasileiro, em horário compatível com o meu de dormir.


Deixei mais cedo o meu trabalho “literário” para poder assistir ao jogo desde o seu início.


Antes de tomar banho, para adiantar o serviço, acionei o controle remoto da TV.


Para meu desespero a telinha em azul avisava que estava “sem sinal”.  


Fiz “trilhões” de telefonemas para a minha operadora e cumpria com as orientações recebidas.


Sem resultado procurei uma melhor sorte com o WhatsApp da operadora.


Quem lá encontrei?


O mesmo robô do celular agora me orientando pelo zap.


Já estava terminando o primeiro tempo do jogo quando, mais uma vez desliguei todos os cabos e tomadas da TV e ao religá-los o milagre aconteceu.


O jogo já estava aos 40 minutos e o placar em branco.


Terminei de assistir ao restinho do 1º tempo, comentários, melhores momentos.


Como castigo para quem lutou muito, o jogo terminou sem gols.


A minha insubstituível faxineira tinha desligado sem querer um dos cabos da TV.


Vou pedir a ela mais uma vez que, por favor, não suportarei mais uma faxina nos meus equipamentos eletrônicos, para o bem do meu coração.


Gabriel Novis Neves

20-04-2022