quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MEU SALDO NO PIX


Há muitos anos me libertei da convenção de em datas especiais como o dia do aniversário, casamento e Natal, presentearmos as pessoas.


Recentemente constatei que os noivos da atualidade criam um blog com os utensílios necessários para sua nova casa, com seus respectivos preços e achei fantástica a ideia.


Por exemplo, você escolhe um bule para o café, e envia para o blog dos noivos o seu valor em dinheiro.


Isso evita que o novo casal ganhe dez bules para o café.


Os presentes recebidos correspondem a um valor que os noivos aproveitarão de uma forma mais prática.


Até hoje as pessoas têm muita dificuldade em mexer com dinheiro, trazendo muitas vezes transtornos para quem recebe os presentes, trocando-os quando possível ou enchendo a casa de objetos repetidos, e não do agrado de quem é homenageado.


Muitas vezes eles são colocados em novas embalagens e passados à frente.


Sempre presenteei meus filhos (advogado, dentista e médico), netos (advogados, administrador de empresa e médico), com dinheiro.


Para outros familiares e amigos, Regina, minha mulher exercia com perfeição essa função, que foi herdada pela minha filha Monica, especialista nesse quesito.


Quando cheguei em Cuiabá e comecei a ganhar algum dinheirinho, fui à Loja de Joias Miraglia e caprichei na escolha de um colar de pérolas de esmeraldas com brilhantes e cordão de ouro, com brincos e anel de esmeraldas, pagos em dez prestações!


Minha mulher não gostou do presente e desde então criamos contas bancárias conjuntas.


Dia do seu aniversário e Natal, se apresentava elegantemente vestida e me dizia: “gostou do presente que você me deu”?


Foi uma tranquilidade a conta conjunta, pois as surpresas aprontadas pela Regina eram as mais inesperadas, como quando chegou em casa e me disse que tinha comprado o duplex que moro, ou colocado no chão o antigo apartamento do Leme, no Rio, para construir um mais moderno e prazeroso para passar as férias.


Nunca mais tive necessidade de comprar mais nada para mim, e até quando ia ao cabelereiro sexta-feira à tarde, ela me chamava para cortar cabelo.


Ela me fez um alienado em preços, e com a viuvez fui obrigado a administrar a casa e saber o preço do feijão.


Também em mexer com Bancos e declaração do meu Imposto de Renda!


Só recebi um presente de aniversário em dinheiro, do meu avô Dr. Alberto Novis.


Tinha seis anos de idade quando me chamou no escritório da sua casa e me comunicou que passaria o meu aniversário no Rio de Janeiro com suas filhas.


O que você prefere: receber um lindo telegrama e colocar em cima da cama com os presentes, ou dinheiro agora.


Dinheiro, respondi.


Ele me deu uma nota de 1 réis e um telegrama no dia do aniversário que coloquei em cima da cama para todos lerem.


Hoje responderia diferente ao meu avô, pois gostaria de ganhar de presente uma cesta básica de medicamentos para um mês, o valor mensal do condomínio, as despesas de manutenção do apartamento, salário das minhas funcionárias, o valor mensal do mercado, e o carnê leão mensal.


Estamos no mês de setembro e vou consultar meu saldo no PIX, pois este mês é rico em aniversários de filhos, netas e bisnetos.


Monica (filha), Isabelle (neta) no dia 07, Lorenzo (bisneto) dia 11, Maria Regina (bisneta) dia 12, Ricardo (filho), dia 13 e Bruna (neta) dia 20-09!


Haja saldo no PIX para essa extravagância de seis aniversários programados, só perdendo para as festas natalinas!


Gabriel Novis Neves

01-09-2022




BAR MODERNO


Foi inaugurado em 1920 e fechou suas portas em 1970, para orgulho do meu pai, o Bugre do Bar.


Só na junta comercial existiu o Bar Moderno, que era o Bar do Bugre.


Escrever sobre esses cinquenta anos da sua existência é um trabalho prazeroso, embora as primeiras lembranças que guardo do bar sejam de 1942, vinte e dois anos após a sua inauguração.


Depois tivemos um hiato de 1953 até 1964, período que estava no Rio de Janeiro estudando medicina.


Seis anos após o meu retorno, meu pai fechou o bar, aos 76 anos de idade por motivos de saúde e, por preferir dar educação superior aos seus quatro filhos homens, que os preparar com o segundo grau completo, para sucedê-lo.


Tive pouco tempo de convivência com ele no bar sendo o período mais intenso de 1942, antes de completar sete anos, até meus 17 anos.


Voltei e tive poucas oportunidades de ficar no bar em sua companhia, ao lado da Caixa Registradora que guardava “a féria” do dia em notas e moedas.


Mesmo assim, quando guri, presenciei muitos movimentos acontecidos lá, que fazem parte da história de Mato Grosso.


Os desfiles escolares e militares pela Getúlio Vargas iniciavam na rua 13 de Junho, nas imediações da Praça Ipiranga, e o meu pai, numa das portas da sorveteria do bar, ficava contemplando o desfile.


Desfilei pela Escola Modelo Barão de Melgaço (1942-1945), Colégio Salesiano São Gonçalo (1946-1950) e Colégio Estadual de MT (1951-1952).


O Bugre sempre me aplaudindo quando eu passava, e chegava em casa alegre dizendo que a minha escola tinha sido a melhor do desfile.


Mal sabia ele que, ainda com o bar aberto ele iria assistir ao desfile, com o seu filho Secretário da Educação do Estado de MT (1968-1971).


O Bar Moderno sempre foi o grande guarda-chuva, mictório e caixa de ressonância da Cuiabá antiga.


Era o refúgio para aqueles que na rua precisavam se abrigar dos temporais, satisfazer suas necessidades fisiológicas e difundir as principais notícias da velha capital.


Quantos fatos relevantes aconteceram nas mesas do Bar Moderno!


Meu pai tinha ideologia política, preferência por partidos políticos e sempre votou nos candidatos do seu partido.


Veio da velha política e sempre acreditou que candidato majoritário do governo nunca perdia eleição.


Votou em Eurico Gaspar Dutra e Cristiano Machado para Presidente do Brasil.


Mesmo governista, nunca usufruiu do poder, e no bar não conversava sobre política.


Dizia sempre para mim: “comerciante (naquela época não se usava o termo empresário) não pode externar suas preferências políticas, pois têm fregueses de todas as correntes”.


E continuava: “Se fizer campanha ou demonstrar simpatia por este ou aquele candidato, serei o bar de tal partido, diminuindo minha freguesia, e a função do comerciante é fornecer conforto e tranquilidade a todos que procuram o seu estabelecimento comercial, aumentando seu faturamento para não deixar faltar nada em casa e educar seus filhos”.


Meu pai, o Bugre do Bar, que era Bar Moderno, tinha um jeito todo especial de enfrentar os grandes desafios da vida.


Nunca adoeceu nesse período do bar aberto, e certas missões eram suas exclusividades como abrir o bar pela manhã.


O fechamento era feito pelo seu irmão Tinô, que morava na rua do Campo, em uma casa em frente à Residência dos Governadores.


Enquanto estive aqui, saía cedo de casa com o meu pai, passava na casa ainda fechada do tio Tinô, batia duas vezes na janela do seu quarto de dormir e logo ele abria e me passava a chave do bar que era única, cuja entrada era pela Getúlio Vargas, onde existia a engraxataria.


As outras portas e janelas eram fechadas com tranca.


Papai entrava no bar, ficava fechado até a chegada dos seus funcionários, fazendo o caixa do dia anterior no pequeno e imundo escritório no fundo do bar, onde existia “a burra do Bugre”.


Gabriel Novis Neves

29-08-2022






terça-feira, 30 de agosto de 2022

PENDORES ACADÊMICOS


Escrevo diariamente sobre o cotidiano e, por muitas vezes, o assunto foi a nossa Universidade Federal.


Trabalhei como Secretário de Educação para a realização desse sonho.


Com o governador Pedrossian criamos a Faculdade de Medicina, e depois a implantei como reitor.


Na UNIC (Universidade de Cuiabá), instituição privada, fui convidado pelo seu reitor-proprietário Altamiro Galindo para implantar o seu curso de medicina, sendo o seu primeiro diretor.


Quando escrevo algo da medicina na UNIC, sempre recebo uma infinidade de pedidos para escrever sobre isso ou aquilo que esqueci de escrever.


Falei recentemente sobre o jubileu da medicina no espaço de uma crônica.


Recebi uma enxurrada de críticas construtivas por não ter citado o HGU (HOSPITAL GERAL UNIVERSITÁRIO).


Fiz uma longa crônica contando das peripécias de uma jovem faculdade de medicina ter o seu próprio Hospital Universitário.


Quando estudei medicina o meu hospital universitário foi a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, e outros hospitais filantrópicos.


Meu curso de medicina foi criado em 05-11-1808 e só teve o seu Hospital Universitário da Ilha do Fundão em 1978!


A Faculdade de Medicina da UF iniciou suas atividades acadêmicas em 1980, no campus do Coxipó, e começou a funcionar no reformado Hospital de Tuberculose em 1983, até os dias de hoje.


Publiquei a crônica sobre o HGU e os professores dos cursos mais antigos da área da saúde, como a odontologia reclamaram do meu esquecimento e seus benefícios que a odonto trouxe para a sociedade cuiabana, tendo o Hospital Geral Universitário, o que me obrigará a escrever mais sobre esse assunto.


Leiam o “protesto” dos professores da odonto.


“Excelente conhecer toda a história!!!


Já está no grupo de professores!!!


Aproveito pra complementar dizendo o quanto foi importante essa aquisição para as outras faculdades também como Fisioterapia, Enfermagem, Nutrição e Odontologia.


Hoje a Odonto tem a Residência em Cirurgia Buco Maxilo Facial, e a Residência em Odontologia Hospitalar, ambas referências nacionais e ainda o Serviço de Reabilitação de Fissuras Labiopalatinas (referência também).


Me incluo entre os docentes/preceptores que atuam desde os primórdios no serviço de fissuras e residência de Odonto hospitalar trazendo nossos alunos de graduação para cá! ”


Vou tentar englobar enfermagem, nutrição, bioquímica exames clínicos e fisioterapia.


Todos esses cursos têm os seus campos de estágios no HGU, motivo dos seus crescimentos acadêmicos.


Gabriel Novis Neves

17-08-2022




segunda-feira, 29 de agosto de 2022

QUEM É O MÉDICO DO MÉDICO


Teoricamente o médico do médico deveria ser o próprio médico, mas na prática esse conceito costuma falhar, levando por vezes o médico paciente à morte.


Todos se lembram dos últimos insucessos aqui em Cuiabá.


Eu mesmo me salvei no último momento por uma concessão divina.


Há muito tempo sabia ser portador de uma estenose da válvula aórtica, de tratamento cirúrgico.


Deixei o tempo passar até chegar ao ponto de a fibrose da válvula quase impedir o passar do sangue.


Por duas vezes tive crises anginosas ao caminhar, ocasião em que cheguei a perder transitoriamente a lucidez.


Mesmo assim fui ao Rio, visitar o meu irmão Pedro, internado na UTI de um hospital, onde veio a falecer de múltiplas causas.


No meu retorno de avião tive várias crises anginóides e pensei que fosse morrer.


Foi o tempo de chegar em Cuiabá, fazer um cateterismo cardíaco onde a sonda teve que produzir uma fenda para chegar à cavidade do coração, exames para dosagem dos marcadores de insuficiência cardíaca e embarcar para fazer a colocação de uma prótese de válvula americana de última geração.


O procedimento da colocação da válvula aórtica, foi via transcutânea feita num centro de hemodinâmica, por um cardiologista clínico intervencionista, Dr. Fausto, no dia 29-08-2018, em São Paulo.


Antes tinha arritmias cardíacas e tomava um remedinho, quando por excesso de peso procurei um SPA em Sorocaba, São Paulo.


Durante os rigorosos exames feitos na Clínica de Emagrecimento, foi-me indicado uma cirurgia de urgência, que era o implante de um marca-passo cardíaco, pois corria o risco de morrer dormindo.


Retornei à Cuiabá e fiz esse procedimento com sucesso, por um meu ex-aluno de medicina, o cardiologista intervencionista Dr.Júlio, no Hospital Amecor, em 2014.


Citei esses dois casos que aconteceram comigo, professor de medicina, com bons conhecimentos em clínica médica, tendo facilidade de consultar com os melhores cardiologistas, e que quase paguei a minha imprudência de me auto consultar, com a minha própria vida chegando aos hospitais no último minuto da prorrogação para me salvar.


O médico do médico é sempre o melhor médico, e o médico paciente tem que se comportar como um cliente esclarecido, fornecendo informações precisas para uma boa anamnese, fazer os exames solicitados e cumprir com as determinações do médico escolhido para cuidar da sua saúde.


Faço isso atualmente, estou muito bem, suportando com galhardia o peso dos anos.


Gabriel Novis Neves

25-08-2022






domingo, 28 de agosto de 2022

OS PITORESCOS 40


Bem antigamente, os pitorescos vinham com o número da sua sequência em algarismos romanos, pois o autor não tinha certeza da sua durabilidade. Hoje, são marcados pelos algarismos arábicos.


Na Cuiabá antiga e elegante, os casarões coloniais, assim que as suas construções eram concluídas, bem acima da porta principal era colocada em algarismos romanos o século que foram concluídas. Hoje, só encontramos nos casarões do Centro Histórico, e que não foram ainda demolidos.


Bem antigamente, as ruas do centro de Cuiabá possuíam trilhos por onde passavam os bondes puxados por burros, animais prediletos para esse trabalho. Naquela época o peido do animal não poluía o ar atmosférico, tampouco produzia o efeito estufa. Hoje, existem leis de proteções aos animais e meio ambiente, condenando esse tipo de transporte público.


Bem antigamente, trilhos eram caminhos para trens e bondes. Hoje, têm trilhos que brotam nos canteiros entre duas avenidas. Tem começo e fim, ligando nada a nada e por onde não passam bondes, pois trem só conhecemos nos desfiles das Escolas de Samba.


Na Cuiabá antiga, seus moradores foram contra a chegada do trem. Diziam que iriam trazer muita gente de fora acabando com o seu sossego. Hoje, Cuiabá não tem trem nem seu genérico urbano, que é o VLT (veículo leve sobre trilhos). Porém, a cidade está cheia de trilhos, sem sequência para instalar o VLT e garagens cheias de vagões novos apodrecendo. Construíram até um elevado de concreto armado que escondeu uma das poucas coisas a serem vistas em Cuiabá, que é o campus universitário, no Coxipó, poluindo de mal gosto toda a região, sem protesto de ninguém.


Bem antigamente, Cuiabá era limitada por uma série de Largos, depois transformados em Praças. Recebiam esses nomes dos seus prédios mais importantes como Praça da Matriz, onde ficava a Igreja da Matriz, e Praça do Palácio, local do Palácio do Governo. Hoje, a Praça da República é a antiga da Matriz, e a Praça Alencastro, onde havia a do Palácio.


Na Cuiabá antiga, brinquei no Largo da Mandioca, ondo morou o 1º Governador da Província. A lavadeira Maria Augusta morava lá e eu conheci o casarão. Joguei futebol no Largo do Quintal Grande. Hoje, qualquer espaço público é ocupado para vender churrasquinho feito na hora, poluindo os espaços.


Bem antigamente, quando acabou o ouro em Cuiabá, teve início a criação de gado, e o cultivo do milho, algodão, mandioca e cana-de-açúcar. Também, atividades artesanais foram aparecendo. Alguns comerciantes exerciam também atividades de importação. Era normal importar louças e tecidos finos da Europa. Em compensação, saiam daqui diamantes e tecidos grosseiros. Os escravos que chegavam iam diretamente para as Minas de Diamantino para produção de diamante. O último garimpo de Cuiabá, foi na região do CPA (Centro Político e Administrativo). Hoje, no Nortão do Estado existe muito diamante e ouro, explorado por grandes mineradoras, com tecnologia de ponta.


Na Cuiabá antiga, ninguém pensava que a agricultura e a pecuária, fosse transformar no poderoso agronegócio, explorado pelos migrantes do sul do Brasil. Hoje, Cuiabá é a sede do agronegócio.


Bem antigamente, os casamentos em Cuiabá eram pouco frequentes (1825). Só os homens maduros é que buscavam uma companheira para os tempos de velhice. Meu pai casou aos quarenta anos, com uma mulher de vinte anos, em 1934. Assim mesmo teve nove filhos, e morreu aos 88 anos de idade. Quando ele se casou, a expectativa de vida era de 45 anos. Outros viviam amancebados. A fidelidade conjugal era muitas vezes falseada. Hoje, o casamento continua muito parecido, ao da época da fundação de Cuiabá.


Na Cuiabá antiga, as mulheres se respeitavam e muitas tinham maridos que eram de outras. Hoje, com o DNA, tudo ficou diferente.


Bem antigamente, as filhas de pais pobres nem pensavam em casamento, só as de “classe alta” distinta de outras porque era rica. Pertencia a essa “classe alta” à Irmandade do Senhor Bom Jesus (1728). A Irmandade exigia no seu estatuto: pessoas brancas de boa convivência e fama. Hoje, as filhas de pais pobres estudam, e ocupam os cargos mais importantes que pertenciam a “classe alta”.


Na Cuiabá antiga, filho de pedreiro crescia para ser pedreiro, filho de sapateiro seria sapateiro, filho de coveiro de cemitério seria coveiro, filho de pescador seria pescador, filho de lavrador, seria lavrador. Mauro Mendes, filho de lavrador paupérrimo de Goiás, estudou engenharia elétrica na UFMT, e, é Governador do Estado. Hoje, com a UFMT (1971) os pobres têm as mesmas oportunidades, ocupando os lugares que eram dos aristocratas e seu reitor-fundador era filho de um dono de bar.


Gabriel Novis Neves

26-07-2022




sexta-feira, 26 de agosto de 2022

LEI DO MENOR ESFORÇO


Aprendi essa lei tão importante para minha vida do velho Bugre, meu pai.


Nunca mais me esqueci, como tantas outras que ele me ensinou.


Ele que era um grande autodidata, bem distante da academia!


Uma grande ventania tomou conta de Cuiabá na parte da tarde, noite e madrugada.


Como acontece nessas ocasiões, a antena da Sky, colocada na cobertura do edifício de vinte andares onde moro, com mais vinte moradores, deixa de emitir sinais, havendo necessidade de um técnico da operadora para recolocá-la no lugar.


À noite havia um jogo importante da Copa do Brasil, onde os torcedores do Flamengo, maioria no meu prédio, tinham interesse no resultado do jogo do América Mineiro e São Paulo, pois o vencedor iria enfrentar o rubro-negro do Rio.


Eu gostaria de assistir ao jogo para me livrar dos comentários políticos feitos por jornalistas parciais, defensores das estatísticas eleitorais pagas pelos maiores bancos privados, e aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral comandado pelo careca do Temer, de São Paulo.


Depois de várias ligações para a SKY, consegui uma resposta conclusiva.


Amanhã à partir das 13 horas um técnico irá me visitar.


Ele chegará seguindo as regras da Vigilância Sanitária para me proteger do Covid 19.


Satisfeito, com a certeza de um feliz final de semana com muitos jogos do brasileirão para assistir, fiquei tranquilo.


A minha enfermeira da noite, da era da tecnologia, conseguiu entrar no Youtube, onde assistimos tranquilamente o jogo.


Antes deu tempo de matar a saudade da boa música assistindo a um vídeo com Vinicius de Morais, Antônio Carlos Jobim, Toquinho, Edu Lobo e Miúcha, gravado em Milão, na Itália.


Vinicius sentado na cadeira de uma bonita mesa preta, com uma garrafa de uísque colocado em copo com gelo, onde constantemente molhava a garanta, fumando cigarros e cantando segurando um microfone.


Tom Jobim fazendo horrores com o teclado do piano de cauda cantando com a Miúcha.


Toquinho sentado em um banco alto com a perna colocada em um menor, dedilhando as cordas mágicas do seu violão.


O Edu Lobo completando, tocava flauta nesse conjunto de poetas e músicos.


Quanta saudade das músicas feitas para ouvir, sonhar, namorar e dançar!


Após dormir dez horas, acordei para fazer o que gosto atualmente, que é escrever.


Minha funcionária do dia me chama para atender o interfone que fica na cozinha.


É o morador do segundo andar que, em nome de outros, gostaria de saber se eu também estava sem sinal da Sky.


Diante da minha resposta positiva e das providências tomadas, respondeu-me: ainda bem que você pediu socorro a Sky, e desligou o interfone.


Minutos depois, o zelador do prédio me interfona perguntando se eu já havia chamado o técnico da Sky.


Finalizando, me pediu que escrevesse uma crônica, sobre a “lei do menor esforço”.


Gabriel Novis Neves

19-08-2022




ENCERRANDO A SEMANA


Encerrando a semana de comemorações dos 128 anos do nascimento do Bugre do Bar, eu e meus irmãos nos sentimos profundamente agradecidos pelas centenas de manifestações de solidariedade que recebemos pelas mídias sociais daqueles que conheceram ou não nosso pai, sempre lembrado com alegria em nossos corações.


Tentarei falar do relacionamento afetivo, do Velho Bugre com os seus nove filhos.


Embora eu fosse o primogênito, aos 17 anos fui estudar medicina no Rio de Janeiro, retornado casado antes de completar 12 anos de ausência.


Nesse período foram raros os dias dos anos que passei aqui em Cuiabá.


No início do longo curso, por causa do (CPOR), que era o Centro Profissionalizante dos Oficiais da Reserva, onde fui aluno da saúde.


Depois estagiando nos diversos hospitais filantrópicos e na rede municipal de saúde pública.


As ligações telefônicas dos aniversários, Natal e Ano Novo eram impossíveis de serem completadas pela Radional.


Nunca recebi nesses anos todos um telegrama ou carta do meu pai, porque ele era assim e respeitado.


Nossa correspondência era toda realizava pela minha mãe, que além de possuir uma caligrafia maravilhosa, tinha muita facilidade para escrever.


Todas as quartas-feiras a dona da pensão deixava em cima da minha cama um envelope com a cartinha da minha mãe.


Chegava da faculdade após o jantar às 17:30hs no restaurante universitário, saltava do bonde 4 da Praia Vermelha, no Catete, e ia correndo para o meu quarto que sabia encontrar a cartinha da minha mãe.


“Meu querido filho Gabriel”, era assim que sempre iniciava suas cartas e se despedia com “bênçãos da sua mãe Irene”.


Certa ocasião ela me deu a notícia que eu ganharia um irmãozinho (nessa época não existia o exame de ultrassonografia que hoje determina o sexo do neném bem precoce).


Também não se discutia essa história de gênero, mas pelo teste do garfo e colher, deveria ser mulher e, meses depois nasceu em casa com auxílio do meu pai, a caçula Ana Beatriz.


Teoricamente eu deveria ter vivido mais tempo presencial com o meu pai, mas não foi bem isso que aconteceu e esse “fenômeno” se repetiu com o Pedro e Inon, que seguiram mais ou menos o mesmo caminho meu no Rio de Janeiro.


As mulheres não saíram de Cuiabá para uma formação universitária, sendo que duas, Ylcléa e Aracy estudaram na UFMT criada pelo governo Federal e implantada pelo seu irmão mais velho.


Todas casaram e moravam por aqui.


O filho que se dedicou mais a parte afetiva com o meu pai, foi o Olyntho, que estudou Direito na UFMT, trabalhou no Bar, dormia na cama de casal abraçado com ele e foi o que lhe deu mais trabalho quando adolescente, com a sua vida boêmia, fumando cigarros de marca, que retirava do bar.


Em 1966, a cidade estava clareando, quando papai me chamou pelo telefone fixo na parede.


Muito nervoso me disse que o Olyntho não foi dormir em casa.


Eu sabia que um jovem oficial da aeronáutica chamado Coronel Sotovia fora indicado ao governador para ser seu Secretário de Segurança Pública.


Para demonstrar serviço e ajudado por alcaguetes, os policiais localizaram no incipiente bairro do Arraes, a casinha do jogo de cartas com a luz de velas.


Quando as sirenes das viaturas da polícia se aproximavam, os jogadores assopravam as velas e quietos deitavam no chão e a polícia passava.


Um dia “a casa caiu”, pois os informantes da polícia juravam que todas as noites corria solto o carteado jogado à dinheiro.


Invadiram a casinha, passaram algemas nos jogadores, os conduziram para o setor de presos e só no outro dia cedinho comunicaram aos responsáveis.


O caso do Olyntho era o pior por ser menor (16 anos), e só o pai poderia retirá-lo da prisão, após assinar uma série de garantias.


Acalmei ao meu pai e disse-lhe, que tinha certeza do local onde ele se encontrava e o problema não era de saúde.


Rapidamente estava na Delegacia da rua de Cima (Pedro Celestino) e, ao adentrar vejo o Olyntho muito nervoso acenando para mim, num gesto de “me tira daqui”.


Falei com o delegado, ele insistiu na presença do meu pai, eu lhe informei que era médico e ele não tinha condições de se deslocar até a delegacia.


Disse que eu era o irmão mais velho, e o menor detido era meu afilhado de batismo.


Horas depois levei-o para casa do meu pai, eles foram descansar na cama de casal e nunca mais esse assunto foi comentado.


Esse era o Bugre que homenageamos esta semana com tanto amor!


Ele amou seus filhos, e com o seu exemplo fez deles cidadãos úteis à sociedade mas, que tinha um xodó com o Olynho tinha, pois foi o único filho que nunca se despregou da sua companhia, sem necessidade de sair daqui para estudar no Rio de Janeiro.


Gabriel Novis Neves

23-08-2020




quarta-feira, 24 de agosto de 2022

MAL SABIA


Quando o meu bisavô paterno, Américo Rodrigues de Vasconcelos, na segunda metade do século XIX, cumprindo ordens militares veio para Cuiabá, com mulher e filha única para construir o primeiro jardim público da cidade, mal sabia que a sua grande obra foi a construção da numerosa família cuiabana dos Neves.


Sua filha Eugênia Vasconcelos se casou com Gabriel de Souza Neves, um cuiabano e deixou enorme descendência.


Nenhum dos seus filhos estudou medicina, e os dois primeiros médicos da numerosa família Neves, foram do seu filho Bugre (Gabriel e Inon).


O Bugre foi um patriarca de médicos pois, além de dois filhos médicos, deixou netos, e bisnetos.


Para facilitar citarei os médicos descentes do Bugre.


Filhos médicos, eu, e o Inon.


Netos, meu filho Fernando Gabriel, Athos Otávio filho do Inon, Silbene (a 1ª médica mulher da família Neves), e Marcelo, filhos da Yara, bisneta Nathália, filha do seu neto Fernando Gabriel e daqui há dois anos, mais um bisneto médico, neto da Antonieta Eugênia, o Enzo.


Meu pai nutriu bem a família Neves de médicos parteiro, pediatra, neonatologista, ortopedista, ultrassonografista abdominal, anestesiologista e ginecologista.


Sua filha Yara casou com o médico Édio Lotufo, que foi o 1º ortopedista de Cuiabá.


Mal sabia o meu bisavô que a sua grande obra em Cuiabá não seria a Praça Alencastro, e sim, implantar na pequena Província a semente de médicos.


O filho primogênito do seu neto Bugre, além de ser o 1º Neves médico, implantou a primeira universidade pública federal com o 1º curso de Medicina no Estado.


Depois foi o 1º diretor da faculdade de medicina da universidade de Cuiabá, a primeira faculdade privada de Cuiabá.


Os jardins da Praça Alencastro foram ricos em sementes de médicos tão necessários em nosso Estado.


A minha vocação de médico parteiro surgiu da necessidade de atender a demanda do Jardim, produtor dos casamentos da antiga Cuiabá.


Por muitos anos foi o encontro da família cuiabana, que após o jantar levavam seus filhos para passearem e assistirem as retretas nas quintas-feiras e domingos.


Daí surgiram inúmeros casamentos, despertando em mim a necessidade de me preparar para ser parteiro, especialidade que exerci intensamente durante 58 anos.


Do outro lado da Praça o grande centro de vivência da cidade, que por muitos anos foi o Bar do Bugre do seu neto Olyntho Neves, que nesta semana estamos comemorando seus 128 anos de nascimento.


Deus escreve certo, por linhas tortas!


Tinha que ser assim!


Gabriel Novis Neves

22-08-2022


FOTOS DE DOMÍNIO PÚBLICO NO GRUPO "CUIABÁ-MT DE ANTIGAMENTE" DO FACEBOOK:

(<https://www.facebook.com/groups/Cuiabanos/?ref=share>





















terça-feira, 23 de agosto de 2022

OS NOVE FILHOS DO BUGRE


Sou de uma família numerosa de nove irmãos, sendo cinco mulheres e quatro homens.


Dos homens, dois têm nomes bíblicos, e seus nomes são muito empregados.


Gabriel o primogênito, recebeu o nome do seu avô paterno, Gabriel. Também do Arcanjo enviado por Deus e que veio à terra comunicar ao casal José e Maria que seu filho Jesus viria à terra e nasceria do ventre de Maria, e que esta continuaria virgem, antes, durante e após o parto.


Por esse fato Gabriel passou a ser um nome universal.


Pedro, o terceiro filho do casal Bugre e Irene, e o segundo homem, homenageou ao Discípulo de Jesus, que herdou as Chaves do Paraíso e foi o primeiro PAPA da era pós-Cristo.


Foi também o protetor da família Novis Neves, cujo sustento da mesma foi graças ao Bar Moderno (Bar do Bugre), que se deu ao luxo de educar três filhos homens no Rio de janeiro, sendo dois médicos (Gabriel e Inon) e um economista (Pedro), já falecido.


Inon, o quarto filho e o terceiro homem. Durante todos esses anos, pesquiso esse nome para ver se acho alguém com esse nome.


Por incrível que pareça, encontrei um Inon na minha turma de medicina.


Procurei saber, dizendo ter um irmão com esse nome, se poderia me explicar a origem do seu nome.


Ele me respondeu que sua mãe havia lido algo com esse nome, achou bonito e colocou como seu nome, e ele era seis anos mais velho que o meu irmão e carioca.


Inon, durante cinquenta anos exerceu intensamente a clínica pediátrica, sendo muito apreciado pelas mães dos seus clientes, mas nenhuma ousou homenageá-lo com o seu nome nos seus filhos.


Olyntho, com Y e TH era o nome do meu pai, o sétimo filho e o quarto homem. Era uma homenagem ao meu pai que se chamava Olyntho Neves.


No Brasil é fácil saber se um nome é popular ou não, basta assistir aos jogos de futebol e constatar.


No time principal do Flamengo existem dois atacantes, um é o Gabriel Barbosa e outro é o Pedro.


É impressionante o número de jogadores com o nome de Gabriel.


Nunca tive notícias de algum jogador de futebol com o nome de Olyntho, muito menos de Inon.


Minha mãe entre tantas outras qualidades, uma era de ser artesã com alma poética.


Conta que certa ocasião bordou duas fronhas de algodão branco, uma com as iniciais e sobrenome de solteira, em letras bem aumentadas, fazendo o mesmo com o meu pai.


Ao vestir os travesseiros e colocando-os um ao lado do outro, surgiu o nome INON, Irene Novis e Olyntho Neves.


Yara segundo filho e primeira filha, é um nome indígena e significa a rainha das águas. Muito celebrada nos cultos afro-brasileiros. Festejada especialmente no dia oito de dezembro e na passagem do ano, nas praias oceânicas brasileiras.


Não é um nome muito comum.


Ylcléa quinto filho e segunda mulher, é um nome raro. Perguntei a minha mãe a origem desse nome pouco comum. Me respondeu que leu numa revista, gostou, guardou na cabeça o nome, e colocou com a letra Y.


Antonieta sexto filho e terceira mulher, foi uma barbada escolher o nome. Homenageou as duas avós, a materna e a paterna dando o nome de Antonieta Eugênia a sua terceira filha mulher (já falecida).


Aracy o oitavo filho e quarta mulher. Homenageava uma tia querida irmã de papai. Com o nascimento da Aracy, imaginava-se encerrada a família Novis Neves, com quatro homens mais velhos e quatro mulheres mais jovens, pouca coisa.


Ana o nono filho e quinta mulher. Minha mãe não teve a menor dificuldade de escolher o nome, pois ela nasceu dia de N.S de Santana. Já era estudante de Medicina e dei uma dica à minha mãe para diferenciar das centenas de “Anas” existentes, acrescentar Beatriz. Ficou então Ana Beatriz o caçula da família Novis Neves.


Gabriel Novis Neves

04-07-2022





segunda-feira, 22 de agosto de 2022

VELHO BUGRE: UMA VISÃO MUITO PESSOAL


(Em homenagem ao seu centenário, 1994)


"Dia 23 de agosto de 1994, Olyntho Neves, mais conhecido como o "Bugre" do Bar Moderno, faria 100 anos. Marido de Irene Novis Neves e pai de Gabriel, Yara, Pedro, Inon, Ylcléa, Antonieta, Olyntho, Aracy e Ana Beatriz, ele foi também o meu sogro. Em meu nome, do meu marido Pedro e das minhas filhas Janaína e Manaíra, eu lhe presto esta pequena homenagem - dar vida a fragmentos de lembranças particulares que tenho dele e relembrar a sua relevância como cidadão participante do cotidiano cuiabano e mato-grossense. 


Conheci o velho Bugre já sem o “charme” da moldura histórica e imortal do "Bar Moderno", que ele conduziu por meio século e que já foi, merecidamente, consagrado como um patrimônio dos cuiabanos. Naquela esquina da Praça Alencastro, construiu-se parte da memória cultural de Cuiabá, consolidando-se, também, como um “tambor” de ressonância política, sobretudo no pós-45. 


Não raro, era ali que se encontravam e se resolviam muitas divergências partidárias, sob os olhares atentos do povo, que custou a entender porque alguns "inimigos" ferrenhos das campanhas eleitorais, ficavam "juntos e abraçados", após acaloradas sessões legislativas (de acordo com depoimento de políticos da época). Sem dúvida, foi naquele parlamento "informal" do Bar Moderno (ou bar do Bugre, como ficou conhecido), que muito se exercitou a prática conciliatória (e de "arranjo") que, apesar dos conflitos internos, caracterizou a cultura política mato-grossense. E, sempre sob a notável discrição do "maestro" que regia aquele espaço pluralista. 


Sempre me senti instigada por esse aspecto peculiar do Bar Moderno e, também por isso, sempre me perguntei qual seria a ideia de "modernidade” que o jovem Bugre construiu na sua cabeça, no início dos anos 20, em Cuiabá. Que ideias eram aquelas que deram vida tão longa ao Bar Moderno? Seriam os sorvetes? A localização privilegiada, para apreciar o "footing" no Jardim Alencastro ou para acompanhar a retreta, no coreto do mesmo jardim? A ideia de modernidade seria a garantia da cerveja gelada para apaziguar os torturantes calores, após o banho de rio nas praias do Cuiabá, do Coxipó e do Ribeirão? Ou, talvez, para rever os amigos e refrescar a sede, após as peixadas e as sestas? Seria aquele o ponto de referência para os encontros, antes e depois da missa, na Igreja Matriz? Quem sabe, a tal "modernidade" não fosse pura e simplesmente, o espírito empreendedor do jovem e "moderno" Bugre que, ali, soube propiciar o "clima" democrático para a passagem e o encontro de todas as classes, de todas as ideias, de todas as idades, de todos os interesses? 


Para além da referência comunitária, o Bar Moderno foi, também, a trincheira "do Bugre" para a vida. E para a conquista de respeito e de amigos. Ali ele plantou e colheu o sustento digno para a família de nove filhos (e até para o luxo de mandar alguns para estudar no Rio de Janeiro, cumprindo a sua determinação de oportunizar - lhes a melhor educação). Ali ele fez a sua história e participou da história, da cultura, da política e do cotidiano dos cuiabanos e dos mato-grossenses durante meio século. 


O seu entendimento da "modernidade" não podia ser transferido. Qualquer que fosse esse entendimento, ele o exerceu com sabedoria. Era uma conquista pessoal do cidadão Bugre e da sua dimensão pública. Preferiu cerrar as portas, indenizar condignamente os seus empregados, alugar os espaços do ex-Bar, para manter-lhe o sustento de homem simples e de vida modesta, e mandar rezar uma missa. Só então tomou posse definitiva de uma nova trincheira - a cadeira de balanço, na qual se manteve até o fim.


Foi assim que o conheci (em 1972) e sempre tenho a sensação de que, lamentavelmente, deixei de conviver com a sua melhor parte. Nunca entendi muito bem se ele era feliz ou infeliz dentro do seu pijama impecável, na cativa cadeira de balanço (o seu cativeiro?), fumando irreverente e impunemente o seu longo cigarro Hilton (até quase os 80 anos). Já então, quase sempre quieto e calado, batia com ritmo a mão esquerda (da aliança) no braço da cadeira, produzindo um som peculiar que ele acompanhava com um suave e musical assobio: talvez revelando insatisfação, ansiedade, vontade de voltar ao mundo? Ou, pelo contrário, alegria de "dever cumprido"? Parecia-me sempre muito digno, na sua nova condição - aprendiz e mestre na arte da resignação, após uma vida dinâmica e de amplas fronteiras. 


Quase nada o fazia sair da cadeira de balanço, o novo “balcão” do, agora, velho “Bugre”. Nem mesmo a justa (e talvez tardia) homenagem da Associação Comercial, que recebeu em sua casa, no seu mundo privado.


Filhos e netos o reverenciavam. Era em torno dele que se realizavam os almoços domingueiros, o encontro semanal da família Novis Neves, quaisquer que fossem suas atividades ou responsabilidades durante a semana. Ali eles eram, apenas, os filhos, genros, noras e netos de Bugre e de Irene. Embora ele já não participasse das iguarias nem do movimento barulhento dos netos, continuava sendo o “imã” que atraía a convergência familiar. Sempre foi, soubesse, ou não, disso. 


O velho Bugre da cadeira de balanço às vezes gostava de contar algumas histórias, para quem tivesse interesse em ouvir. E o fazia admiravelmente bem. Dessas reminiscências, eu gostava particularmente da sua aventurosa (e tortuosa) primeira viagem de Cuiabá ao Rio de Janeiro, nos “idos” tempos. Ele contava essa história em detalhes, com um entusiasmo jovem sempre renovado e eu estimulava a renovada repetição. Talvez tenha sido o prazer compartilhado dessa história a minha mais grata lembrança do Bugre. Eu simplesmente adorava vê-lo reviver aquela aventura, em cujo percurso aprendi a avaliar o isolacionismo e a persistência dos mato-grossenses.


Não creio que eu tenha sido uma pessoa especial para o Bugre, já na fase da cadeira de balanço, com uma família de nove filhos que rapidamente se multiplicava numa multidão confusa e barulhenta, sobretudo nos domingos e nos dias especiais. Mas, tenho absoluta certeza, de que o momento dessa "aventura jovem" era especial para nós dois. Ele gostava de contar e eu gostava de ouvir com riqueza de detalhes - o "farnel", as viagens pelos rios e trens, o encontro feliz com um cuiabano conhecido na estação de São Paulo, a chegada ao Rio de Janeiro. Realmente, um mútuo prazer que eu incentivei muitas vezes. Dava gosto vê-lo novamente altivo e entusiasmado. Personagem central da sua própria história e das suas antigas aventuras. Uma delícia!


Não tenho dúvidas de que houve um jovem sempre "moderno" no invólucro do velho Bugre. Tão moderno que conservou um inusitado senso crítico até quase o seu fim. Em vez de ficar hipnotizado pela TV (confortavelmente instalada em frente à sua cadeira de balanço), ele reagia aos exageros dos noticiários ou dos tele-dramas com um sorriso irônico e com a repetição irreverente da frase "é uma novela, é uma novela”! O que poderia haver de mais moderno, na virada dos anos 70/80, do que esse descrédito ao poder avassalador da mídia? 


Nos últimos anos de sua vida, já bastante doente e alheio, conservava o hábito de “fingir” que tinha cigarro entre os dedos - levava-o à boca e até “batia” uma imaginária cinza. O jovem/velho Bugre morria, mas não se entregava! 


Gosto de lembrá-lo assim - meio irreverente, meio fora dos padrões, bastante “moderno”, na melhor acepção do termo. E suficientemente ético para nunca ter usufruído de qualquer benefício indevido, apesar dos muitos amigos e da clientela de políticos. Tão bom se existissem mais e mais jovens e velhos Bugres! Modernos ou não.


A minha sincera homenagem ao velho Bugre, um verdadeiro cidadão cuiabano, mato-grossense, brasileiro. A sua imortalidade não se inscreve nas academias e, sim, no cotidiano da formação cultural, na memória desta terra e na saudade dos que privaram do seu convívio. Para sempre!"


Esse texto da socióloga e cientista política, professora aposentada da UFMT, Maria Manuela Renha de Novis Neves, na ocasião do centenário do meu pai, foi publicado em alguns jornais e sites em 1994.


O Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso reproduziu-o em sua Revista de 1995.


Hoje o meu pai estaria completando 128 anos, e, para homenageá-lo, reproduzo esta linda visão pessoal e essencialmente humana da sua nora Manuela sobre o cotidiano do já então "velho Bugre".


Seus filhos, noras, genros, netos, netas, bisnetas, bisnetos e tataranetos lhe agradecem e o reverenciam pelo exemplo de vida que nos deixou como patrimônio - um legado íntegro e imortal. 


Gabriel Novis Neves

23-08-2022