domingo, 30 de abril de 2023

ENGUIÇOU


É difícil acontecer isso comigo, mas esta semana aconteceu.


Há quatro dias tento fechar uma crônica de cinquenta linhas sobre o cotidiano, e não consigo.


Seu título já mudei três vezes e ela só aumenta de tamanho.


Está com noventa e seis linhas e quatro páginas, atingindo a categoria de “Os Pitorescos”, sempre a mais longa de todas que publico semanalmente.


Tento imitar sem sucesso, alguns cronistas que escrevem frases e brilhantes textos curtos.


Acho o máximo de elegância literária, sendo imbatíveis nesse gênero o pernambucano Antônio Maria e o mineiro Carlos Drummond de Andrade.


Incluiria nessa lista, os capixabas Rubem Braga e Carlinhos de Oliveira.


O carioca Carlos Heitor Cony e o mineiro Paulo Mendes Campos.


Todos trabalharam nos grandes jornais cariocas e paulistas, e suas crônicas eram esperadas pelos leitores com ansiedade.


Tomávamos o café da manhã lendo as crônicas desses gênios, e nos antigos transportes coletivos de bondes, lotações, ônibus, trens.


Tudo era muito longe na cidade grande, e poucos possuíam os seus automóveis.


Na ampla sala do nosso Diretório Acadêmico, tínhamos os principais jornais do Brasil presos em uma tábua de madeira, para que ninguém os levasse para casa.


Que prazer era ler essas crônicas!


Embora estudante de medicina ia para as aulas, e me esforçava em escrever anamneses, bem ao estilo dos meus cronistas prediletos, missão quase impossível.


Os meus professores entendiam o que eu escrevia, e diziam que uma anamnese bem-feita significava setenta por cento da hipótese diagnóstica.


Treinei tanto em escrever crônicas com frases curtas em poucas linhas, que quando o editor do meu blog me pediu que escrevesse o currículo do meu pai e publiquei, foram necessárias apenas dez linhas.


Porém a crônica que enguiçou, mudei várias vezes o seu título, diminui as suas frases e a aproveitei como “Os Pitorescos”.


Um famoso compositor da nossa música popular brasileira, Carlos Colla, dizia que a música boa nasce nos primeiros quinze minutos de trabalho.


Se passar desse tempo, não presta.


Porém, não há unanimidade.


Erasmo e Roberto Carlos, ficaram anos para descobrir uma palavra para terminar a canção: “Sentado à beira do caminho”.


Pixinguinha compôs um chorinho em 1917, e só após vinte anos Braguinha, escreveu a letra do imortal “Carinhoso. ”


O cronista Antônio Maria, costumava ditar seus enxutos textos no fechamento dos jornais, pelo telefone fixo dos restaurantes onde se encontrava.


Carlinhos de Oliveira, de tudo que precisava encontrou na mesa do fundo do bar e restaurante Antonio’s, no Leblon.


Com uma pequena máquina de escrever e uma garrafa de whisky, cedo começava a escrever.


Os funcionários do jornal em que trabalhava, iam lá pegar suas crônicas para a redação dos jornais.


Quando o bar fechava, voltava para casa e retornava assim que o bar abria.


Virou atração turística e como escrevia bem!


Coisa boa também enguiça, tanto na literatura como na música.


É fazer pra crer!


Gabriel Novis Neves

10-02-2023


Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade estão entre os cronistas mais importantes da literatura brasileira.


sábado, 29 de abril de 2023

FASCÍNIO PELAS MARMITAS


Não sei porque razão quando criança tinha fascínio pelas antigas marmitas familiares.


Em casa sempre tivemos cozinheiras.


Quando estas faltavam, e a minha mãe não podia substituí-las, o jeito era comprar comida feita das pensões de Cuiabá e transportadas nas marmitas.


Era uma comida que eu achava maravilhosa, mais pela novidade e charme das marmitas que elas despertavam em mim.


Eram de alumínio de boa qualidade, e a da minha casa foi comprada na Casa Orlando.


Migrante italiano, era casado com a Dona Balbina, famosa por sua religiosidade, generosidade e montagem do mais completo e luxuoso Presépio de Natal da velha Cuiabá.


Ficava num sobrado de um casarão na Travessa Voluntários da Pátria, em frente à casa do meu avô Dr. Alberto Novis, próximo à Igreja do Senhor dos Passos.


A marmita da minha casa possuía cinco caixas de alumínio, sendo a tampa da superior também era desse material.


Eram sustentadas por duas hastes paralelas de alumínio resistente.


As pensões tinham entregadores, mas, também podíamos levá-las para serem enchidas.


A caixa de baixo era para o feijão ou feijoada no almoço e sopa no jantar.


O arroz preenchia outra.


Carne, frango ou peixe a seguinte.


Farofas, bananas da terra, batatas fritas, empadinhas e, bem em cima, legumes, saladas verdes e frutas da ocasião.


Basicamente era isso, e o domingo era da macarronada.


Era o dia do almoço ajantarado, quando tudo era mais abundante.


As pensões forneciam também palitos para limpar os dentes.


Até hoje sinto o cheiro da comida das marmitas.


Pena que esse período de comer de pensão era por pouco tempo.


Logo a minha mãe arrumava uma substituta para o lugar deixado pela faltosa.


Meu pai sempre reclamava da comida da marmita, pois era muito enjoado para comer.


Eu adorava esses períodos, e lamentava por passarem tão rápidos.


Nessa época a pensão mais conhecida era dos irmãos Pécora, comandada pelo Gary Péroca, um gordo simpático de família de migrante italiano.


O Gary preparava uma galinhada aos domingos para o jantar em sua casa no Coxipó que era de virar os olhos.


O que seria dos velhos sem essas reminiscências, especialmente quando pode escrever!


Era fascinante o cheiro da comida de pensão das marmitas da Casa Orlando, da rua de Baixo.


Hoje as marmitas de alumínio foram substituídas pelas térmicas ou descartáveis de isopor.


O pedido é feito pelo celular aos restaurantes e entregues pelos motoboys.


O pagamento é feito antecipadamente pelo PIX, ou cartão bancário na maquininha na hora da entrega.


Não há mais o antigo fascínio, e segue a vida moderna sem encantos.


Gabriel Novis Neves

31-01-2023




sexta-feira, 28 de abril de 2023

AMIZADE DURADOURA


É um sentimento que costuma surgir na infância e permanecer pela vida inteira, suportando inclusive, as distâncias e desprazeres da vida.


A amizade nasceu para ser sincera, honesta e duradoura.


Também é um sentimento de solidariedade.


Na vida moderna todos esses princípios humanos estão quase desaparecendo e sendo substituídos pela desumana competição e consumismo.


Os sentimentos maiores do ser humano, começam pela amizade.


Amizade na pré-escola, com parentes, vizinhos, funcionárias domésticas, colégio, faculdade, colegas de turma, de serviço, pacientes, professores, alunos.


Quando é com o sexo oposto poderá gerar o amor, namoro, noivado, casamento, filhos.


E a perda de uns deles, sempre insubstituíveis, poderá tornar a vida insuportável.


Nos dias atuais se discute muito a amizade transformada em amor entre pessoas do mesmo sexo, e até o casamento.


As leis brasileiras, e em boa parte do mundo, permitem a adoção de crianças para casais do mesmo sexo.


Com a ajuda da tecnologia medica é possível a um casal homossexual produzir um filho alugando uma “barriga de aluguel”, sempre com cinquenta por cento dos cromossomos.


Existem bancos especializados que vendem espermatozóides e óvulos e mulheres que trabalham nessa especialidade.


A amizade quando é verdadeira procura as últimas consequências para ser feliz.


E quando alguém da nossa longínqua amizade vem a nos deixar deste plano em que vivemos?


Eu já passei por essa experiência e sei que nem o tempo apaga essa dor, diferente de todas as outras.


Ameniza, mas a lembrança da amizade interrompida por vontade divina, essa é permanente.


A religião nos socorre, e bem-aventurados são aqueles que acreditam na ressurreição dos mortos e na vida eterna.


A amizade é um sentimento tão nobre que felizes aqueles que a contemplam, e o seu fim é a Fé para sempre!


Gabriel Novis Neves

24-04-2023




quinta-feira, 27 de abril de 2023

DORES DE SAUDADE


O final de uma vida longa gosto de chamá-lo de período das dores, especialmente as da saudade.


Os pessimistas preferem chamá-la de dor de cotovelo.


É quando sentimos falta dos sorrisos dos amigos e entendemos hoje o bem-estar que isso nos trazia.


Hoje muitos desses amigos já partiram.


Na minha idade meu futuro está encurtado pelos anos que já vivi.


Quantos anos ainda tenho pela frente?


Serão dois, cinco ou mais? Só Deus sabe!


Os sorrisos com amigos que ficaram no passado são um dos


momentos de felicidade que passei na vida.


Curtimos então uma imensa saudade, quase uma nostalgia, e nos faz sentir a grandeza da felicidade.


Quantas vezes passamos a vida toda procurando a felicidade na estrada do acúmulo de bens materiais e não notamos que ela está tão próxima de nós o tempo todo, como em um simples sorriso.


Mas tudo passou tão rápido e hoje, às vezes repletos de bens materiais mais que suficientes para uma velhice digna, continuamos à procura da felicidade sem saber que sempre fomos felizes.


Procuro amigos que sorriam comigo e não os encontro.


A maioria das pessoas da minha idade não sorri mais, e as novas têm o sorriso juvenil que eu perdi.


Triste realidade daqueles que insistem em ficar de semente na época das dores físicas e dos momentos felizes que não percebemos e os deixamos passar sem valorizá-los.


Como fomos tolos em procurar a felicidade achando encontrá-la em bens materiais e posições sociais, e nem desconfiar que ela poderia estar bem próxima a nós, nas coisas mais simples do nosso dia a dia.


Tive muito mais momentos felizes que tristes durante a minha longa vida, porém não percebi, e hoje com imensa saudade vivo a lamentar.


Sempre tive períodos gloriosos com os meus pais, esposa e irmãos vivos com saúde e uma bela carreira profissional.


Hoje arrependo-me profundamente de não ter festejado com mais entusiasmo esses momentos de intensa felicidade.


Ah!


Se eu soubesse o que sei agora não teria tanta dor de saudade!


Gabriel Novis Neves

08-02-2023






quarta-feira, 26 de abril de 2023

CONHECENDO SEUS ANTEPASSADOS


Tenho uma sobrinha chamada de Manaíra que nasceu aqui, filha do meu irmão Pedro com uma portuguesa-carioca (Manuela).


Há muitos anos mora no Rio de Janeiro onde se casou, e escolheu como a cidade para viver, trabalhar e ter o seu único filho Rafael.


Aproveitou as férias do carnaval, para rever a sua cidade natal acompanhada do marido Guilherme e filho de onze anos.


Nossa família Novis Neves é numerosa e impossível encontrar ou reencontrar todos aqui.


Aqui da minha casa, seis estão descansando na fazenda no município de Porto Espiridião, fronteira com a Bolívia, próxima à cidade de Cáceres.


Minha sobrinha está hospedada em um hotel próximo à minha casa.


Ela veio com um roteiro, que o Rafael tem que conhecer e ser fotografado nele.


Pela manhã ele foi levado por uma prima, ao lendário Bar do Bugre (seu bisavô).


Depois, ao busto do seu trisavô Dr. Alberto Novis, na Pracinha da Rua de Baixo, como foi homenageado na sua cidade natal.


Amanhã irá conhecer a “Cidade Universitária Gabriel Novis Neves”, seu tio, no Coxipó e o hospital onde a sua mãe nasceu na rua 13 de Junho.


O almoço de domingo será na casa da sua tia, onde tio e prima têm casas para os fins de semana – Chapada dos Guimarães!


O menino deve ter aprendido na escola, a amar a cidadezinha da Chapada dos Guimarães, com suas inúmeras belezas naturais e clima ameno.


É considerado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, verdadeiro santuário ecológico.


Roteiro obrigatório do turismo internacional e nacional.


Todo o seu trajeto oferece lindos cenários de beleza natural.


No retorno passaria pela Represa do Rio Manso, uma beleza da nossa arquitetura e natureza.


Cuiabá, tem mais de trezentos anos de história, com sua gente e tipos riquíssimos de uma cultura do rio Cuiabá, com seus pescadores, garimpeiros, índios e lavadeiras.


É o Centro Geodésico da América do Sul, onde há um marco colocado pelo Marechal Rondon.


Quatro ou cinco dias não são suficientes para se ter uma noção história cultural da cidade onde nasceu sua mãe, tios, tias, primos, primas, avós paternos, bisavôs paternos e trisavó paterno.


Seria bom passar aqui em casa, para conversarmos sobre a Cuiabá de bem antigamente e como a sua avó conheceu seu avô.


Gabriel Novis Neves

18-02-2023





terça-feira, 25 de abril de 2023

LIVROS IMPRESSOS


O número de livros impressos em Cuiabá está em alta.


Só hoje recebi dois em minha casa, de autoras cuiabanas.


Pela manhã um de Sueli Rondon, “A casa da esquina”, e à tarde da Rose Domingues, “80 anos do Hospital Geral e Maternidade de Cuiabá. “


Rose relata a história de quase um século de vida de um hospital e primeira maternidade de Cuiabá.


Memorialista foi procurar depoimentos daqueles que ainda estão por aqui, e de outros que indiretamente viveram parte dessa linda história durante oitenta anos.


Quando eu nasci, em 1935, ainda não existia maternidade em Cuiabá.


As crianças nasciam em casa com médicos, mas a maioria por parteiras ou curiosas.


Rose relata as três fases que viveu a Maternidade-Hospital Geral.


Em 23 de outubro de 1942 nascia “a alma” da Maternidade com o médico Clovis Pitaluga de Moura e Interventor do Estado Júlio Muller.


A segunda etapa no governo de Pedro Pedrossian, que ampliou, equipou e modernizou, o “novo” Hospital Geral e Maternidade de Cuiabá, em 1971.


Sou médico do seu Corpo Clínico desde 1964, quando retornei à minha cidade natal assumindo o plantão de sábado 24 horas, e as principais clínicas estavam sendo bem estruturadas, com excelentes profissionais.


Meus três filhos nasceram com sucesso na Maternidade de Cuiabá.


A terceira fase foi quando Altamiro Galindo, reitor-proprietário da UNIC, adquiriu o imóvel e o transformou no moderno Hospital Geral Universitário e Maternidade de Cuiabá.


O hospital estava falido, sem crédito no comércio, a maioria dos leitos desativados.


Altamiro Galindo o transformou no HGU, orgulho dos cuiabanos.


Como Hospital Universitário privado, abriga todos os cursos de saúde da UNIC.


“A Casa da Esquina” de Suely Rondon, ex-aluna de Direito da UFMT, é um livro que contém 24 contos e outras histórias de Cuiabá.


O seu último conto é sobre a história da criação da nossa UFMT, em 10-12-1970, quando relatou em poucas linhas a maior conquista sócio cultural de Cuiabá, no século XX.


Os outros 23 contos, primam pelos curtos e deliciosos relatos de bem antigamente, das pessoas e lugares da nossa cidade, que com a modernidade estão desaparecendo da nossa memória.


É um importante livro da história de Cuiabá que deveria ter a sua leitura obrigatória no ensino fundamental e dissertação nas provas do ENEM.


O poeta, escritor, membro da Academia de Letras de Mato Grosso, médico, professor Ivens Cuiabano Scaff, terminou o seu prefácio dizendo: guardei a crônica “As férias” para reler quando, por um motivo qualquer, estiver muito triste. “


Gabriel Novis Neves

19-04-2023





segunda-feira, 24 de abril de 2023

CRÔNICAS PUBLICADAS


Dia desses o editor do meu blog me comunicou que já publicou a crônica de número três mil no meu livro eletrônico.


Ele estava estranhando o fato de ter deixado passar em brancas nuvens sem uma simples linha sobre o feito conquistado em menos de catorze anos.


Outras tantas escrevi e, não sei porque, não as publiquei.


Depois de escrevê-las, ler e relê-las revisadas pela Cristina Meirelles, envio ao editor para a publicação.


Publicadas, não gosto de lê-las.


Acho “esquisito” esse meu comportamento, mas nunca perguntei a ninguém sobre esse meu hábito e vou vivendo assim, escrevendo e publicando sem contá-las.


O Diretor do Museu de Zoologia da USP Paulo Vanzolini, vinha muito a nossa universidade proferir palestras e cursos atendendo convites dos nossos professores e alunos do curso de História Natural.


Realizava pesquisas no Pantanal, e o contato era com o “mateiro” Raul José (Criador e 1º Diretor do Zoológico da nossa UFMT), que já o conhecia de São Paulo quando se tornaram amigos.


Vanzolini era médico formado pela USP em 1947 e dirigiu o Museu de Zoologia daquela Universidade por 31 anos.


Foi um brilhante cientista, pesquisador, músico e boêmio, sendo autor de grandes sucessos musicais como: Ronda, Volta por Cima, Samba Erudito, Praça Clóvis, Chorava no Meio da Rua, Na Boca da Noite, Amor de Trapo e Farrapo, Cara Limpa, Capoeira do Arnaldo, Cravo Branco.


Gravou 52 músicas com cantores e cantoras famosas, e “Ronda” foi o seu maior sucesso.


Certa ocasião após um dia de aulas na UFMT, foi convidado para jantar na casa do Raul José, no Porto.


Maria Helena, mulher do Raul, sua fã musical, sabia letra e música de todas as suas composições.


Para o jantar não se esqueceu do escocês e do violão afinado.


No papo gostoso após o jantar Maria Helena sentada numa cadeira de balanço ao seu lado, pediu que ele cantasse algumas das suas composições.


Ele respondeu que não tocava nenhum instrumento, não sabia cantar e assim que terminava as suas composições, não gostava de ouvi-las.


Se ela quisesse cantar poderia continuar, pois não o incomodava, não faltando, porém, o velho escocês ao seu lado.


Não querendo nem me comparar com a genialidade do meu colega médico de São Paulo, poeta e cientista que teve a sua obra conhecida e aplaudida por todos – era uma unanimidade, fiquei tranquilo quando soube dessa mania de Paulo Vanzolini.


Escrevo por puro prazer e não sei como editá-la no meu blog.


Apesar de ter ultrapassado mais de 3000 crônicas publicadas no meu endereço eletrônico, não tenho nenhum livro impresso.


Gosto de receber críticas dos meus leitores e a qualidade dos meus textos é daqueles que me acompanham.


Gabriel Novis Neves

21-04-2023




domingo, 23 de abril de 2023

OS PITORESCOS 67


Bem antigamente, provavelmente por herança portuguesa, as donas de casa viviam pintando as paredes internas das suas casas com cores bem diferentes.


Os cômodos das partes íntimas das casas estavam sempre trocando de função.


O quarto, que era dormitório, passava a ser utilizado como sala de visitas.


A sala de visita passava a ser refeitório e a sala de estudos virava dormitório.


Minha casa era grande e os quartos pintados com as cores que a minha mãe escolhia.


Nunca o branco, pois em casa com muitas crianças sujava logo.


Hoje, casas enormes com muitos quartos são pintadas com a mesma cor, geralmente branca, bege, palha, gelo ou amarelo bem discreto.


A medicina condena cores fortes, especialmente em dormitórios.


Existem especialistas na determinação das escolhas das cores dos interiores das casas, geralmente de cor única e bem branda, para não excitar seus moradores e causarem problemas com o sono.


A gurizada da minha época, assim que escurecia, procurava a cama para dormir e só acordava noutro dia para ir à escola.


Fui criado dormindo sempre com a luz do corredor acessa.


Bastava o motor de energia elétrica do “Morro da Luz” pifar e a cidade ficasse às escuras, para toda a meninada acordar gritando.


Mamãe sempre tinha velas, lamparinas e lampiões para essas emergências que eram frequentes nos anos quarenta e cinquenta.


Todos nós sofríamos de claustrofobia.


Não tenho medo do escuro, mas, pavor até hoje.


Tenho que dormir num quarto pelo menos com a luz do número de graus do ar refrigerado ligado.


Como médico sei que é claustrofobia, e quem sofre desse mal tem que se tratar com psicoterapeuta, pois é uma perturbação causada pela ansiedade.


Pessoas com esse mal tendem a evitar: elevadores, divisões pequenas ou sem janelas, salas trancadas, túneis, transportes públicos (especialmente os subterrâneos) ou automóveis.


Nunca procurei um médico para me tratar, e evito dormir no mesmo quarto de pessoa que não deixa nem uma frestinha de claridade entrar no seu interior.


Em janeiro do ano passado, após ter tomado a quarta dose da vacina contra o Covid 19, fui contaminado com o vírus da pandemia.


Fui à São Paulo tomar uma medicação que não curava a doença, mas impedia as complicações do vírus.


Só poderia ser aplicada num único hospital de São Paulo e Brasil, e esse medicamento era de uso endovenoso.


Fui internado no Pronto Atendimento de Doenças Infectuosas dos Pulmões e fiquei no isolamento escuro, sem janelas e minha cama de frente ao corredor onde havia claridade.


Do contrário não ficaria no local do atendimento, de tanta falta de ar que sentiria.


Hoje moro em um edifício que possui motor para os elevadores, e por vezes quando falta a luz, eles automaticamente entram em funcionamento.


Só de ouvir o barulho dos motores, fico tranquilo. Tenho em minha casa pacotes de velas, duas super - lanternas capazes de clarear quartos e outras peças do apartamento.


Uma fica no meu dormitório atrás do aparelho de TV e outra na copa de jantar.


Nunca procurei tratamento médico para essa falta de ar que tenho desde criança e sei o nome da doença (fobia).


Com tantos anos de exercício da profissão médica aprendi que existem doenças que são tratadas e curadas.


Outras que não têm cura e matam.


E um terceiro grupo de pacientes, que são portadores de doenças que têm tratamento e não são curadas.


Alguns têm doenças que não curam nem matam.


Bem antigamente, não existiam médicos em Cuiabá e quando por aqui passavam, eram europeus e pouco conheciam das doenças que nos matavam e aos índios da região.


Em 1808 é criada a primeira faculdade de Medicina, em Salvador, Bahia. Outra em Vila Bela da Santíssima Trindade, antiga capital de Mato Grosso, que logo fechou.


No período da Guerra do Paraguai (1864-1870) não existia médico em Cuiabá.


Durante a invasão dos paraguaios em território mato-grossense, eles tomaram a cidade de Corumbá.


Augusto Leverger (Barão de Melgaço) pediu ao Imperador do Brasil, D. Pedro II, um médico da Marinha Imperial, para acompanhar as tropas comandadas por ele.


Veio um jovem médico brasileiro, formado na faculdade nacional da Bahia, Dr.Augusto Novis.


Enfrentou a cólera e varíola em Corumbá, na retirada dos soldados paraguaios do solo brasileiro.


Retornando à Cuiabá enfrentou a varíola que matava cuiabanos.


Ele era o único médico na cidade de cerca de 20 mil habitantes.


Não voltou para Salvador, constituiu inúmera família e morreu aqui aos 71 anos.


Hoje ninguém mais sai daqui para estudar medicina em Salvador, e a nossa cidade já formou inúmeros médicos baianos de Salvador (Bahia).


Gabriel Novis Neves

12-03-2023







DR. ÉDIO LOTUFO

 Faleceu o médico Édio Lotufo


De causas múltiplas da idade avançada, acaba de falecer o primeiro ortopedista de Cuiabá.


Formado em Medicina na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil em 1957.


Especializou-se em ortopedia e traumatologia, retornando logo para a sua cidade natal.


Trabalhou na Santa Casa da Misericórdia e fundou o primeiro hospital privado de ortopedia de Cuiabá - o “Sotrauma”.


Foi o primeiro professor de ortopedia da faculdade de medicina da UFMT.


Durante anos lecionou a disciplina de ortopedia no HUJM, até se aposentar.


Estudioso da astronomia, construiu um telescópio, que mantinha em seu apartamento.


Filho de migrante italiano, possuía raras habilidades manuais.


Deixa viúva Yara Novis Lotufo (normalista) e três filhos e uma filha: Édio Lotufo Filho (arquiteto), Francisco Lotufo (engenheiro civil), Marcelo Lotufo (médico e professor), Silbene Lotufo Muller (médica e professora).


Netos e bisnetos.


Deixa também uma família numerosa e muitos amigos.


Cuiabá deve muito ao filho querido.


Siga em paz meu caro amigo e irmão! 


Cuiabá, 22 de abril de 2023

Gabriel Novis Neves




sábado, 22 de abril de 2023

BUCHO COM FEIJÃO


Minha cozinheira me preparou uma surpresa para o almoço.


Geralmente ela conversa comigo sobre o prato do dia.


Quando cheguei à mesa da copa, lugar das minhas refeições solitárias, o prato da salada de folhas, palmito e tomate já estava pronto.


Quando terminei de preparar o meu estomago, a cozinheira trouxe uma vasilha circular de aço inoxidável e não me disse nada.


Eu olhei o seu interior e lhe perguntei: peixe com feijão mulatinho e linguiça?


Não senhor: ela me respondeu.


Eu perguntei a ela o que eu iria almoçar com arroz branco, farofa de manteiga e pimenta malagueta?


Ela me respondeu: bucho com pedaços de linguiça e feijão.


Nunca tinha comido essa mistura, embora gostasse de bucho com batata e arroz.


Fui provar a novidade da minha cozinheira e gostei muito da iguaria.


Saborosa e ideal de ser servida no almoço.


Aqui chamamos o bucho de dobradinha também, que é o estômago do boi cortado em tirinhas pequenas, cozido com grande variedade de condimentos e acompanhados com o feijão mulatinho.


É uma herança da culinária portuguesa e em Portugal é servida sempre às quintas feiras e em São Paulo às terças feiras.


No caso de São Paulo o abate do boi era sempre na segunda feira e a venda do bucho era na terça feira, quando o prato era preparado para consumo.


A tripa do bucho inspirou ao poeta Fernando Pessoa, que num restaurante na Estrada de Benfica em Lisboa, disse delicadamente ao garçom:


“Serviram-me o amor como dobrada fria. A dobrada à moda do Porto nunca se come fria. ”


A dobradinha é um dos pratos mais antigos da nossa culinária e foi introduzida logo após à chegada dos portugueses à São Paulo e Rio de Janeiro.


Muitos brasileiros a saboreiam com prazer, outros abominam.


Impossível ser indiferente a esse prato que aprendemos a fazer com os portugueses!


A minha cozinheira nunca prepara bucho ou dobradinha para os almoços da família.


Ele desperta reações de amor e ódio, e sou minoria quando o assunto é bucho, que como com satisfação.


Fica a minha sugestão para experimentar este gostoso prato, muito barato e feito de vísceras do animal.


Gabriel Novis Neves

08-03-2023




sexta-feira, 21 de abril de 2023

MATAR O TEMPO


É uma das invenções dos idosos, que passam grande parte do dia, dizendo que precisam fazer isso ou aquilo, para ajudar a passar o tempo.


As crianças não têm tempo para gastarem, nem passado para comparar.


Após a festinha de aniversário de seis aninhos da minha bisneta mais velha, ela veio me visitar.


Disse que nunca teve um aniversário tão bom, como o deste ano.


Perguntei por que me falava isso, já que tinha pouca experiência com essa festa.


Tinha certeza que pouco se lembrava dos seus três ou quatro primeiros anos.


Ficava difícil ela afirmar em duas ou três experiências, ser este o melhor da sua vida, que deverá ser longa.


Quando você estiver velhinha, serão tantos os aniversários passados, que uma comparação se torna obrigatória ou quase impossível.


Uma criança como você, não tem passado, tudo é presente e o futuro, que não o conhecemos.


O idoso é todo passado, com o presente e o futuro com a vista alcançando ao longe.


Quando eu busco as raízes do meu passado tenho dificuldades de acreditar que um dia aquilo foi meu presente.


O futuro é sempre um sonho a ser realizado, quando o passado é um sono profundo.


Muitas vezes acredito que aquilo não se realizou, ou eu não participei.


O presente de um idoso é o despertar sem pesadelos de uma noite que passou.


Já o futuro poderá ser o anúncio de muitos pesadelos de coisas não vividas.


Como em um sono, não acredito ser verdade as várias fases maravilhosas que vivi, e forço em acreditar que elas existiram.


Tudo vai e chega no dia certo, e acredito que eu existo.


Pessoas que um dia foram importantes em nossa vida, que amamos apaixonadamente, músicas que marcaram uma época, locais, momentos felizes, são verdades que parecem que nunca existiram e tudo é ilusão.


Para a minha bisnetinha de seis anos, tudo é presente e cada dia é melhor que o outro que passou.


Como é bonita a infância que vai procurando a juventude, maturidade e tudo chega no dia certo.


Depois, é procurar meios para matar o tempo, ou deixá-lo correr.


E a vida é assim, essa luta contra o tempo para se viver.


Passatempo, passamos.


Gabriel Novis Neves

29-03-2023




quarta-feira, 19 de abril de 2023

PALAVRÕES


Li uma pesquisa que relata os nomes das cidades cujos moradores são considerados os mais “boca sujas”.


Os dados são de uma pesquisa feita pelo Preply, plataforma virtual de aprendizagem de idiomas.


O estudo investigou a relação dos brasileiros com os palavrões.


Foram entrevistadas mais de 1.6 mil pessoas em 15 cidades de norte a sul do país.


Em 1º lugar estão as cidades do Rio de Janeiro, Fortaleza e Brasília, que levam o troféu “boca-suja” no Brasil.


A média de xingamentos nessas cidades campeãs é de oito por dia.


As cidades de São Paulo e Belo Horizonte estão em segundo lugar com sete palavrões por dia.


Manaus tem seis palavrões por dia.


Porto Alegre, Natal, Curitiba e Recife, com cinco palavrões por dia.


Salvador, Belém e Goiânia, com quatro palavrões por dia.


Campinas, três palavrões por dia.


São Luís, um palavrão por dia.


Os jovens falam mais palavrões que os que têm acima de 55 anos.


As mulheres dizem menos palavrões que os homens.


Nos Estados Unidos da América do Norte falam mais palavrões que no Brasil.


Aqui, menos de vinte por cento dizem palavrões quando estão dirigindo.


O palavrão nem sempre é ofensivo ou pessoal.


Aqui é uma questão de hábito e muito usado como interjeição.


Quase oitenta por cento dos entrevistados para esta pesquisa, afirmaram que evitam o uso de palavras obscenas na frente de crianças, do próprio chefe ou à mesa do jantar.


A grande maioria também se abstém dos palavrões na frente de pessoas idosas e de estranhos.


Esta pesquisa demonstra que ela não foi realizada em todos os Estados brasileiros.


Na nossa cidade os adultos ensinam as crianças a dizerem palavrões ou xingarem por palavras ou gestos.


Os palavrões estão na boca do povo, e cada brasileiro xinga, em média, seis vezes ao dia.


Estou terminando de escrever esta crônica sobre palavrões, e minha cidade mesmo perdendo o “troféu boca-suja”, fala muitas “palavrinhas” que são xingamento mais forte que “palavrões”.


Como imortalizou Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) no seu FEBEAPÁ um “festival de besteiras que assolou este país”.


Para que serve uma pesquisa sobre o uso de palavrões e uma crônica sobre o assunto publicada no bar do Bugre?


Gabriel Novis Neves

18-03-2023