domingo, 31 de outubro de 2021

BOM DEMAIS


No terreno dos fundos do prédio de meu apartamento há um bar e restaurante. Nos finais de semana tocam lá música ao vivo, desde cedo. Hoje escrevo ao som de um gostoso violão com amplificador, tocado e cantado por uma moça, que não sei se é daqui.  Os fregueses da casa ainda não chegaram para fazer o coro que vai até à noite.  Enquanto isso, a moça do violão canta com intervalos, aguardando o horário de pique que é do almoço.


A música é sempre a popular brasileira, com ênfase na bossa nova, muito agradável de ouvir.  Todas as músicas tocadas são da minha juventude.  Tenho que pensar em coisas boas.


Coisa boa é o meu presente curtindo meus bisnetos como no almoço familiar de sábado.  A minha cadeira de balanço ficou pequena para abrigar as três crianças no meu colo, fazendo caretas e carícias.  A esteira estendida na sala de visitas onde os pequenos rolam, desenham, brincam com massinhas, se abraçam, dançam e estão sempre chamando a atenção do biso.


“Onde anda você”, a moça canta ao som do violão.  Será mesmo esse o título da música?


Minhas plantas da parte interna da casa estão lindas e o enxerto da orquídea branca acho que pegou, trazendo mais felicidade no ambiente em que recebo as pessoas.  O jardim externo local preferido das minhas bisnetas para brincar está com suas árvores verdes.  São molhadas pelas meninas com uma mangueira de jardim com a água que vem da torneira.


Crianças sobem e descem a escada da casa numa alegria sem fim.  Nesse mundo de inocência infantil me imunizo das maldades do mundo, criando forças para continuar por aqui, ainda achando o belo por onde ando e ouço.


A música intimista do bar nos fundos da minha casa continua, para alegria do meu domingo.  É bom demais!


Gabriel Novis Neves

24-10-2021




sábado, 30 de outubro de 2021

O AMOR DE SEMPRE


Meu avô materno, Dr. Alberto Novis, ainda solteiro, foi à Salvador estudar medicina no final do século XIX e durante os seis anos de duração do curso teve uma namorada chamada Maria.  Antes de retornar médico para Cuiabá, pediu em casamento a sua namorada.  Esta lhe respondeu ser difícil trocar Salvador por Cuiabá. Sua mãe viúva teria que acompanha-la, o que tornaria seu casamento inviável.  Continuaram se correspondendo por cartas semanais.


Tempos depois, foi a Salvador e propôs  casamento à baiana. Esta recusou, pois a sua mãe, que dependia dela por ser filha única, estava ainda mais idosa.


Casou-se com moça daqui mesmo e ainda muito jovem, ficou viúvo da minha avó "Tutica", que com ela teve oito filhos, tendo nascido sete mulheres e um homem.


Ocorreu de espantar as agruras da viuvez ao casar-se com a dona "Zica", de família ilustre de Cuiabá. Infelizmente também esse casamento foi de curta duração.  Tempos depois, ficou viúvo novamente.  Educou os filhos com ajuda de parentes e madrinhas das crianças.


As filhas foram crescendo e ao passar à  entender das coisas da vida, meu avô lhes contou o romance com a Maria da Bahia.  Todas as suas filhas sempre mantiveram correspondência com a namorada dos tempos de estudante do pai, sabedoras dos motivos do seu não casamento com ele.


A chamavam de dona Maria da Bahia, em sinal de respeito e amizade.  Lembro-me das cartas que minha mãe escrevia e recebia dela. Sabia o nome das crianças das filhas do Alberto e o que faziam.


Quando fui fazer o vestibular de Medicina no Rio de Janeiro, perguntou-me minha mãe porque não ia fazer o curso em Salvador? 


A correspondência de d. Maria da Bahia com o meu avô continuava. Ela ficou sem a companhia da mãe no início dos anos sessenta.


Em 1962, encontro com o meu avô no Rio de Janeiro, na casa da tia Rosa, já com a idade bem mais avançada.  Ele me disse: estou indo para Salvador, casar com a Maria. Será a minha última chance.  Estava viúvo e ela era órfã da mãe - o que sempre fora motivo do não casamento entre eles -, e embarcou em avião para Salvador.


Após uma semana, retornou ao Rio. Perguntei: como foi o encontro? Ele pediu Maria em casamento, com os argumente que lhes contei, e ela respondeu: "- Agora, Alberto, nós é que estamos velhos e necessitando de cuidados especiais!..."


Dias após essa conversa, tia Rosa me telefonou às pressas para ver o meu avô.  Eu tinha dois anos de exercício de medicina no Hospital e Pronto Socorro Souza Aguiar.  Meu avô estava com edema agudo de pulmão, vindo a falecer em minhas mãos no Rio de Janeiro, sendo sepultado no Cemitério São João Batista, em Botafogo.


Esta é a história do casamento que não chegou a ser realizado, mas que é um símbolo do amor inesquecível. O casamento é o invólucro aparente do conteúdo, que é o amor de sempre.


Gabriel Novis Neves

23-10-2021




sexta-feira, 29 de outubro de 2021

HAJA ESCURIDÃO!


O boleto do mês da energia elétrica consumida por mim, popularmente conhecida por “conta da luz”, acabou de chegar. O seu valor se aproximou dos 1.600 reais!


Para um jovem saudável que não consome medicamentos, esse custo também significa muito; mas é muito mais que o valor mensal que um idoso gasta na farmácia para manter a saúde controlada em face de doenças crônicas leves.


Está beirando o valor do condomínio! Embutido nos gastos da “conta da luz”, estão o uso contínuo de 2 geladeiras, freezer, e o uso esporádico de micro-ondas, máquina de lavar roupas, ferro elétrico, algumas lâmpadas acesas por curto espaço de tempo, 1 aparelho de ar refrigerado no meu quarto, outro no quarto da enfermeira que dorme aqui e um pequeno na copa, onde faço as refeições.


Utilizo o essencial para manter o meu dia produtivo, pois com o calorão que tem feito aqui é impossível viver sem refrigeração, "puxador" dos gastos na conta da luz.


Logo me vem à lembrança dos meus tempos de criança, onde os potes de barro cozido cobertos por prato de louça, com caneca de alumínio e moringas de barro substituíam as geladeiras. Também dos ferros com brasa, feitas de lenha nos fogões, eram os aparelhos domésticos para passar roupas. As mesmas roupas lavadas em bacias de água, coletada de riachos ou rios próximos.


A leve brisa vinda dos verdes quintais e correntezas permanentes de águas que rolavam pelas ruas da minha casa, construída de adobes e cobertas de telhas de barro sem forro, amenizavam o calorão que nunca senti, dormindo sempre com cobertores das Lojas Pernambucanas.


Hoje pagamos um preço alto com o uso desses utensílios domésticos todos movidos à energia elétrica e tão necessários.  Depoimentos de trabalhadores de salário mínimo dizem que com o que recebem, compram comida e pagam a “conta da luz”.


Será que as nossas universidades com seus governantes não nos poderão ajudar estudando como diminuir impostos das “contas da luz” sem prejudicar o desenvolvimento do Estado para vivermos com um mínimo de qualidade?


Difícil encontrar uma família que não reclame do preço da energia por nós consumida.  Quando isso se torna unanimidade, é sinal que algo tem que ser feito e com urgência.  Acordem senhores gestores!


Gabriel Novis Neves 

23-10-2021






quinta-feira, 28 de outubro de 2021

CHAMADA INUSITADA


Recebi da minha filha uma chamada telefônica, comunicando-me que irá passar uns dias viajando.  Seu marido estará em missão especial no Reino Unido e Dinamarca na “Conferência Mundial do Meio-Ambiente”, e ela o acompanhará.


O que poderia ser uma viagem agradável em outros tempos, tornou-se motivo de preocupação na realidade atual.  O Reino Unido é líder mundial em novos casos da Covid, sofrendo com o novo surto da pandemia.  Foi o primeiro país do mundo civilizado a liberar erroneamente, todas as suas barreiras sanitárias em julho.


Para especialistas, o número reduzido de pessoas com máscaras, o aumento das aglomerações sociais, a queda da proteção da vacina contra casos leves após seis meses e a baixa taxa de vacinação entre os jovens são fatores que podem ajudar a explicar a explosão de casos no Reino Unido.  Também a sua economia está enfraquecida, produzindo reflexos no modo de viver dos ingleses.


Minha filha pediu que eu cuidasse das suas filhas e netos, até a sua volta se Deus quiser.  Não fiquei preocupado sabendo que suas filhas e netos estão em plena saúde, sendo que o menor de apenas cinco meses tomou hoje as vacinas da idade, ganhou 900 gramas no último mês e cresceu quatro centímetros.


Esse encontro terá o seu início em Copenhague na Dinamarca com a Conferência “Contribuição Brasileira e Dinamarquesa para o desafio do Fornecimento de Alimentos Sustentáveis 2021”.  Reunião com investidores alemães, da congênere CNI e Apresentação da Copenhagen Infraestrutura.


Outros assuntos serão debatidos em pequenas reuniões encerrando com o Encontro de Líderes Mundiais, o trabalho na Dinamarca.  A segunda etapa da Reunião de Trabalho será em Glasgow que é a maior e mais importante cidade da Escócia e a terceira do Reino Unido, com 650 mil habitantes.


Considerada a melhor cidade para estudantes no Reino Unido, é casa de muitas opções de arte, cultura, música, gastronomia, diversão e compras.  Que o frio já intenso para nós não seja motivos de dissabores com a sua permanente garoa.


Em Glasgow, com a presença do Príncipe Charles, haverá um Painel “Finanças para Infraestrutura Sustentável”.  Haverá também um Evento Espaço Brasil e finalmente uma Assembleia de Coalizão.  O governador de Mato-Grosso deverá ter um encontro reservado com o Príncipe Charles.


Mato Grosso, como Estado Amazônico e maior produtor brasileiro em alimentos, terá um papel importante nesse Encontro de Líderes Mundiais.  Para isso está bem preparado para defender as suas teses de desenvolvimento sustentável diante das nações mais poderosas do mundo.  Que a minha filha volte logo com as suas impressões sobre este conclave, surpresa para mim.


Gabriel Novis Neves

25-10-2021




quarta-feira, 27 de outubro de 2021

"TROTES" UNIVERSITÁRIOS


Na minha época de vestibulando, era um sonho passar no vestibular de medicina e desfilar fantasiado na Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro.  


Na frente do desfile, calouros estendiam imensa faixa branca com os dizeres: “Ai vem a Matriz”, numa alusão às outras faculdades existentes no Rio (outras 4), chamadas de “filiais”.


A Nacional de Medicina ou apenas "Praia Vermelha", tinha um dos trotes mais pesados.  Os calouros tinham as cabeças raspadas (escapavam os casados e as moças), eram levados para a Praia Vermelha para o “bife à milanesa” (molhados tinham que rolar na areia), tinham os sapatos retirados e misturados com os de centena de outros calouros, eram pintados, obrigados a desfilar sem camisa unidos por uma corda através das presilhas das calças e por ai vai.


Só eram “libertados” após o dia 13 de Maio. Às vezes recebiam uma “Declaração de Veteranos”, que por ser muito longa e “erudita” deixo de mencionar.


Tinha também a famosa boina azul usada pelos calouros e a carteirinha de identificação do aluno.


Os estudantes dos mais variados cursinhos preparatórios para o vestibular de medicina na década de cinquenta, vinham do interior do Brasil.  Seus pais, em sua minoria, possuíam cursos superiores.


Os jovens calouros viam no forte trote, sinal de uma invejável vitória e melhoria das condições sociais e econômicas das suas famílias.  Com que orgulho, raspavam a cabeça e usavam as tradicionais boinas azuis, sinal de status social!  Era mais fácil arrumar namoradinhas e até convites para as festinhas domiciliares.


Sou dessa época e passei por todas essas provas com muita satisfação, por ser aluno de medicina da "Praia Vermelha", a melhor do país.  Recebi trote e nunca dei trote em ninguém.


Hoje se discute o trote como violência nas universidades.  Está no mesmo “patamar” de violência sexual, assédio sexual, violência moral e psicológica – impensáveis na minha época.


Alguma coisa de muito sério mudou nestes últimos sessenta anos na educação brasileira.  Naquela época não se falava na diversidade de gênero nem em "bullying" como hoje.


Hoje o sonhado trote de muitas gerações é bastante criminalizado, restando ao aluno às greves e protestos (violentos), contra o ensino de péssima qualidade.


Gabriel Novis Neves

14-10-2021







terça-feira, 26 de outubro de 2021

ENVELHECER SEM SENTIR


Este final de semana li nas mídias sociais duas notícias de cientistas de Harvard sobre envelhecer.  A primeira é que envelhecer tem cura; e outra revela os segredos desses cientistas para reverter o envelhecimento.


Cedo recebi esta mensagem de uma professora- doutora da UFMT -, que passo a transcrever:  “Bom dia! Acordei  e fui ler suas crônicas. Os “causos” da Cuiabá antiga,  são deliciosos. Suas crônicas são muito leves! Parece que você achou o timing para envelhecer. Que bom, não? Está de parabéns!”


Diante dessas três análises sobre envelhecer, fiquei com a tese da professora que me conhece aqui da UFMT.  Ela acertou sobre como envelhecer com dignidade e com muita saúde mental.


Há tempos acordo e vou ao escritório do computador.  A disciplina é indispensável para produzir crônicas “terapêuticas” diárias.


Muitas vezes não tenho nada pautado para escrever. Mas, assim mesmo abro o Word e fico com a tela em branco pensando, até que chega uma idéia que desenvolvo no formato de crônicas despretensiosas, especialmente sobre Cuiabá, o meu passado, as histórias que anoto conversando com pessoas que tem contato comigo, como na crônica de hoje.


Quando vejo, está na hora do almoço. Do soninho pós-prandial.  Após, de volta ao computador, logo vem o crepúsculo se despedindo de mim.  O tempo voa.


Está encerrado o dia solar, onde não tive tempo de pensar nas maldades deste mundo, e me preparo para o sono restaurador, já que durmo cedo.  Não tenho estresse, falta do que fazer, muito pelo contrário, estou sem tempo de passar para o papel os estímulos que recebo durante o dia. Administro financeiramente a casa, só percebendo que os dias no envelhecimento parecem mais curtos que aqueles da minha infância.


O envelhecer não contempla a ociosidade patológica, e quanto mais interagir nesse período melhor será sua qualidade de vida.  Eu escolhi escrever crônicas reconhecidas pela minha amiga professora, sendo esse o meu jeito de envelhecer com dignidade, vivendo bem esses tempos que me restam.


Gabriel Novis Neves 

04-10-2021




segunda-feira, 25 de outubro de 2021

PREGUIÇA DE SOFRER


Emprestei esse título do Zuenir Ventura, que escreveu com perfeição aquilo que faço com prazer diariamente.  Acordo e tomo o café, me apronto, envio minhas crônicas aos amigos e vou ao computador onde brinco de escrever crônicas.  Me divirto com elas e não sinto o tempo passar.  


Olho sempre as plantas que tenho e verifico se o enxerto da orquídea branca na árvore da sala pegou.  Atendo chamadas telefônicas dos filhos me dando notícias dos netos e bisnetos.  Ligo a televisão, mais em programas esportivos e no youtube.  


Deixei de falar em doenças, pois estou curado das minhas "ziqueziras".  Falar de doença trás infelicidade, e baixaria nem pensar em falar ou responder.


Tenho muitas clientes que cultivo como amigas. Há pouco atendia a uma que queria um endereço.  Como não saio mais de casa, por opção e comodidade, estou esperando terminar minha quarentena da Covid, agora que tomei a dose de reforço, para receber em casa aqueles que me procuram.


Gosto de gente aqui com alegria e "papos" diferentes, que passam por informações para uma tese de doutorado a uma visita de amizade antiga.  Tenho que explicar coisas deliciosas, como o motivo pelo qual não quis mais me candidatar a reitor da UFMT.  Quando deixei o cargo tinha altos índices de aprovação. Saí por cima, pois não conseguiria repetir a façanha.  Os tempos eram outros. Assim também aconteceu na UNIC, onde implantei o curso de medicina.


Desvencilhei-me  dos cargos públicos que ocupei por mais de quarenta anos, e comecei vida nova já idoso, aprendendo a escrever no computador.  Com alegria por tudo que aconteceu comigo nessa longa jornada, tenho “preguiça de sofrer” como escreve Zuenir Ventura.


Gabriel Novis Neves

18-10-2021




domingo, 24 de outubro de 2021

COMENTARISTAS ESPORTIVOS


Apesar do meu time do coração estar disputando a segunda divisão de futebol, tentando voltar à primeira, continuo assistindo aos jogos de futebol.  Só não assisto aqueles que iniciam às oito e meia da noite, pois durmo às nove, e deixo para saber o resultado assim que acordo.  Não faço mais nada que o meu organismo não quer. Se tiver sono, durmo.


Todo jogo de futebol transmitido pela televisão tem dois comentaristas,  um fica no estúdio com o narrador da partida e outro em casa. A maioria deles são ex-jogadores de futebol. Durante a partida são chamados inúmeras vezes para fazer comentários.  Em poucos minutos falam tanta coisa (repetida) sobre a tática, que fico encantado com a sabedoria desses que estão sempre com a razão e se auto elogiam e trocam gentilezas entre si.


Mais interessante de tudo é quando um jogador chamado de titular do time deixa a partida para ser substituído.  Aquele reserva que vai entrar “vai mudar” as características do jogo, pois tem um arranque melhor e joga mais centralizado, com mais chances de fazer o gol salvador.


Com a pandemia, as regras do futebol também mudaram, e as substituições permitidas de jogadores por partida passaram de três para cinco, quase metade do time.  Todos os reservas que entram recebem fartos elogios dos comentaristas esportivos!


Ora bolas! Se os reservas são tão bons, porquê não são promovidos a titulares e começam jogando, esperando um colega se machucar, cansar ou apresentar um rendimento muito baixo?


O técnico de futebol passou a ser também estrela, chegando às vezes a ofuscar os craques do time.  Esses treinadores protegidos por uma comissão técnica, médicos, fisiologistas, nutricionistas, diretor de futebol, têm contato 24 horas por dia com seus jogadores e escalam sempre os melhores para ganhar os jogos e não perderem o emprego.


Já os comentaristas de estúdio e de casa sempre “acham” que aqueles reservas quando entram irão mudar a cara e desempenho do time.  Passou da hora da direção de jornalismo orientar seus comentaristas para pararem de falar besteiras, tão comuns em se tratando de futebol.


Gabriel Novis Neves 

10-10-2021






sábado, 23 de outubro de 2021

RAÇÃO ALIMENTAR


Meu avô materno, então viúvo e com a idade avançada, tinha uma funcionária encarregada dos afazeres da sua casa.  Lavava e passava as roupas, limpava a casa e era responsável pela sua alimentação.


No horário do almoço trazia da cozinha, o seu prato já feito.  Ele comia pouco, sempre as mesmas coisas: um pouquinho de arroz, feijão, um bife e farinha de mandioca. Tinha o hábito de retirar todas as beiradas do bife.  E invariavelmente, quase sempre deixava o prato quase cheio.


A funcionária que fazia suas refeições, certa ocasião lhe perguntou a razão de ter comido o pouco que trouxera no prato.  Cansado de ouvir essa observação, disse a funcionária: por acaso sou obrigado a comer toda a “ração” preparada por você?  Esta, às gargalhadas respondeu que nunca tinha visto ninguém se referir ao prato pronto como “ração”, que é coisa de animal.


Na mocidade, o almoço na casa do meu avô tinha sempre a sua mulher e os filhos. A mesa ficava com todo o preparo da cozinha em várias travessas, quando os presentes se serviam à vontade dos alimentos.  Com a viuvez e casamento dos filhos, passou a fazer as refeições sozinho. Nesse período, sua cuidadora passou a preparar o seu singelo prato de alimentos.


Muitos endocrinologistas modernos orientam seus pacientes com sobrepeso, para não deixar colocarem os alimentos na mesa para não serem traídos pelos olhos e cair no pecado da gula, ganhando peso.  Esse não era o caso do meu avô, sempre magro e se alimentando abaixo da sua “ração” diária.


Para os antigos, muitas das doenças atuais não existiam e a alimentação sempre foi livre sem dietas.  Hoje, inclusive, existe um padrão de beleza que é a da magreza extrema, custe o que custar.


As mulheres modernas são “carne e osso”, onde gordurinhas não existem e músculos estão atrofiados.  Com “ração” e agora “focinheiras” contra o Covid, o mundo vai girando!


Gabriel Novis Neves

20-10-2021




sexta-feira, 22 de outubro de 2021

O MAIOR CALORÃO DO MUNDO


Acabei de acordar. Dormi com ar refrigerado ligado. Desliguei o aparelho, abri portas e janela para ventilar e fui à copa tomar o café da manhã.   Após o desjejum,  sentado na cadeira de balanço na sala, sempre envio minha crônica do dia aos amigos.


A funcionária da cozinha, chegando para trabalhar, foi me cumprimentar e perguntou se poderia ligar a refrigeração, pois o calor sempre está insuportável.  Respondi que acabara de desligar o aparelho e abri portas e janelas do quarto para respirar um pouco de ar natural.


Então, o senhor terminando isso ai, vai para o escritório do computador, onde já liguei o ar refrigerado, me disse ela.  Está insuportável o calor no apartamento, especialmente no cômodo onde trabalho.  Calor e “abafamento” fazem subir a pressão arterial, e daqui a pouco vou medir e controlar a sua, falo para ela. 


Perfeita a observação da minha funcionária!  Todos sofremos com o clima da “Cuiabrasa” e agora é tarde para escolher um lugar onde morar, onde haja as quatro estações do ano bem definidas.


Nasci e cresci aqui e não me recordo de ter vivido esse calor sufocante nos últimos anos.  Lembro-me muito bem dos tempos de criança e adolescência, quando todas as noites dormia coberto com um fino cobertor das lojas Pernambucanas.


A Cuiabá de antigamente não era a de hoje.  Não existia um único edifício em Cuiabá, todos moravam em casas cobertas com telhas de barro, sem forro, com imensos quintais cheios de árvores de grande e médio porte e as principais avenidas e ruas eram bem arborizadas.  O lençol freático bem superficial inundava com suas correntezas as ruas da cidade, jogando sua água no "finado" córrego da Prainha.


O homem destruiu a natureza em prol do “progresso” não planejado, e o resultado é esse - viver em uma cidade de clima desumano.  Tem muita gente que deixa de comer para pagar a conta da luz, não um luxo, mas um medicamento de extrema necessidade.  Converso com pessoas e ouço relatos que após um dia de trabalho não conseguem dormir à noite por causa do calor.


Destruímos a Cidade Verde dos poetas cuiabanos, e agora temos uma cidade de clima desértico, onde medidas (poucas) paliativas não resolverão o nosso problema de aquecimento solar.


Gabriel Novis Neves

11-10-2021




quinta-feira, 21 de outubro de 2021

E O CUIABÁ, HEIN?


Foi ao Rio de Janeiro jogar futebol com o time conhecido como máquina de fazer gol. Em campo, o time fazedor de gol, foi atacado por inesperada esterilidade e não conseguiu “vazar o gol adversário” - como diziam os antigos locutores de rádio.


A frustração da torcida do “malvadão” vendo no Maracanã seu time empatar sem fazer gols no time de Cuiabá foi de dar pena.  Era triste ver o time de jogadores mais caros da América Latina ciscando na entrada da área do seu adversário sem conseguir o seu intento.


Se eu não estivesse assistido ao jogo não acreditaria no seu resultado, especialmente sem gols.  Os elogios desatinados e a paparicação para esses atletas muitas vezes vindos das camadas mais pobres da população lhes dão certeza de verdadeiros deuses, onde nada lhes é impossível.  A mídia esportiva é a grande culpada desse endeusamento.


Bastou uma cobrança de falta com sucesso para o coitado do atleta ser chamado de gênio.  Isto bagunça a cabeça dos jovens com salários de marajás a se transformarem em um Titanic, que facilmente naufragam na verdade da vida.


O empate sem gols contra o Flamengo do Rio teve sabor de vitória para o Cuiabá, fazendo-me recordar da luta bíblica de David contra Golias.  Esse pontinho certo que o Flamengo havia computado antecipadamente nos seus ganhos, poderá simplesmente custar-lhe o cobiçado título e muitos milhões de reais de tricampeão brasileiro de futebol.  Humildade não faz mal a ninguém, muito menos em jogos coletivos.


Gabriel Novis Neves

18-10-2021




quarta-feira, 20 de outubro de 2021

ELA CHEGOU


Logo após o almoço, a tão esperada chuva desabou sobre Cuiabá.  Como é gostoso observar o cair das águas batendo nas janelas e portas, com a ajuda do vento!   A água escorrendo com velocidade nas ruas (com seus esgotos entupidos), vai levando tudo que encontra pela frente para o mais longe.


A alegria das frutas de estação como, abacaxi, acerola, amora, banana, caju, coco, jabuticaba, jaca, mamão, laranja, manga, maracujá, melancia, melão, mexerica, pêssego e pitanga devem ser enormes. A partir de então essas frutas irão agradecer aos céus pela água derramada, fazendo abundar seus frutos maravilhosos.


É época da produção abundante das frutas da primavera e alegria dos nossos pássaros de bicos, como os bandos de periquitos, principais predadores das mangas.  A chuva de hoje é prenúncio também de que outras virão, talvez até com mais intensidade e duradoura.  


Com isso, já trabalho com janelas abertas e o calor desumano da parte da manhã amenizou. Tudo melhora com as chuvas, inclusive o humor das pessoas.


As ruas da região onde moro já estão secas, nem parecendo que horas atrás tivemos chuva intensa.  Na periferia muitas ruas foram transformadas em pequenos riachos, ficando temporariamente intransitáveis, causando grandes problemas aos seus moradores.


O vai e vem das pessoas indicam despreocupação com outras surpresas agradáveis como a de hoje após o almoço.  Estão desprevenidas sem uso do guarda-chuva, que pode também ser guarda-sol.


Tenho certeza que muitos antigos cuiabanos dormiram hoje cobertos com seus velhos cobertores, aproveitando a noite mais agradável.  Espero para amanhã um dia menos calorento para podermos descansar do ar refrigerado 24 horas por dia.


E a chuva da manga enfim chegou!


Gabriel Novis Neves

12-10-2021





terça-feira, 19 de outubro de 2021

TÉCNICOS


Temos hoje no mercado de trabalho os técnicos de nível médio e os de nível superior, sendo estes chamados de “doutores”. Há um pequeno lugar para os chamados autodidatas.


Entre os de nível superior, e os de segundo grau completo, temos os tecnólogos, que implantei pioneiramente em 1974, na UFMT que são profissionais de curso superior formados na universidade em cursos de curta duração (menos carga horária).


A excelência de um serviço só é possível, quando o técnico de nível superior possui uma bela retaguarda de técnicos sem ensino superior.


Recentemente pude constatar isso em hospital de excelência em São Paulo, onde dez minutos de permanência de um médico no quarto do paciente, eram sustentados pelos técnicos de enfermagem durante 24 horas, supervisionados por um enfermeiro.  São excelentes profissionais que estão aptos a realizarem pequenos procedimentos sofisticados, como colocar um cateter de longa permanência em veia do braço, com auxilio do ultrassom e raios-X de controle.


Também, nos exames complementares mais sofisticados, são comuns os tecnólogos manusearem, por exemplo, o Pet tomógrafo, aparelho que vasculha o nosso corpo, muito utilizado nos diagnósticos precoces de tumores malignos.


As antigas auxiliares de enfermagem da minha chegada em Cuiabá, com as quais trabalhei por muitos anos, desapareceram do mercado de trabalho.


Ontem, acompanhei o trabalho de um técnico autodidata.  Sua missão estava na difícil colocação de um aparelho de ar refrigerado, no vigésimo andar do prédio onde moro.


A inteligência e a boa escola são fundamentais na estruturação de um bom profissional, não se esquecendo da curiosidade e muito esforço para aprender.


No mundo atual, com o avanço da internet e ciências da computação, não sabemos como será a formação de profissionais para o mercado de trabalho robotizado e movido à inteligência artificial daqui a poucos anos.  Esse modelo educacional atual com toda a certeza será substituído por outro que ainda ignoramos, com mais gente trabalhando em casa, e as escolas vazias.  


É o futuro batendo as nossas portas, onde alguns ainda brigam por privilégios de certos “Poderes da República.” 


Gabriel Novis Neves

29-09-2021




segunda-feira, 18 de outubro de 2021

TARDES DE DOMINGO


Nada mais triste que as tardes de domingo, quando o crepúsculo anuncia o final do dia.  Até as músicas de chamadas para os programas de televisão se tornam melancólicas.


Temos as tardes alegres da sexta-feira, agora chamadas de “sextou”, onde a ilusão de dias prolongados de descanso nos envolve nessa onda de alegria.  Acho que as pessoas ficam solitárias nas tardes de domingo, sendo facilmente envolvidas pela solidão.  


Durante a semana temos muitos compromissos durante todo o dia, não nos sobrando tempo para invasões de sentimentos de tristeza.  Muitas pessoas trabalham durante a semana e passam o domingo todo fazendo trabalhos caseiros, que cansam muito, e assim mesmo sentem que a semana está terminando.


Para alguns as tardes de domingo geram expectativas para a missa da tardinha, só terminando depois dela.


Encarar uma nova semana sempre está ligado a trabalhos, embora os domingos cansem mais que os dias da semana.  Confundimos a segunda-feira como o primeiro dia da semana, quando o domingo é que é.


Nessa história toda de tristeza, existe de fato o problema cultural de acreditar ser o domingo dia de descanso.  A nossa vida é cheia de equívocos, alguns evitáveis outros não, consistindo na essência da nossa existência a procura da perfeição.  Por mais que me esforce, ao lado do meu companheiro de todas as horas – o computador -, como é triste viver as tardes de domingo! 


Gabriel Novis Neves

09-10-2021




domingo, 17 de outubro de 2021

BOTAFOGUENSE CONVICTO


Torcedor desde criança do Botafogo, agora sou também do Cuiabá.  


Escolhi o time do Rio porque meus companheiros de jogos de botões no chão do corredor da minha casa, já tinham seus clubes preferidos, sendo que nenhum deles se lembrou do Botafogo.  Quando fui estudar no Rio, minha escola ficava próxima ao campo do “Glorioso”, facilitando minhas idas aos treinos do time do meu coração.  Foi também um período de glórias com Garrincha e companhia.  Não tinha para ninguém, e valia a pena assistir aos seus jogos no saudoso campeonato carioca, torneio Rio-São Paulo e suas excursões pelo mundo.


A seleção brasileira campeã do mundo em 1958 e 1962 tinha como base os jogadores do Botafogo.  Os tempos passaram e hoje o "Bota" luta para voltar a disputar os jogos da primeira divisão do campeonato brasileiro.  É um “sacrifício” e teste cardíaco assistir aos seus jogos.  Prefiro saber seus resultados depois dos jogos, para garantir a minha saúde.


Este ano o time da minha cidade está disputando os jogos da primeira divisão do campeonato brasileiro e, por uma questão de bairrismo,  estou torcendo pelo Cuiabá. Time bom para empatar esse Cuiabá! O que na prática não é um bom resultado,  especialmente jogando em casa.


Esta semana assisti a dois jogos do Cuiabá, em casa. Um jogou bem e empatou sem gols, perdendo inúmeras oportunidades, transformando o goleiro adversário em melhor jogador da partida.  Em outro jogou feio, e achou um pênalti muito mal cobrado e transformado em gol.


Torcedor do Botafogo e Cuiabá tem uma grande semelhança. Ambos são "secadores" dos jogos dos adversários.  Os do "Bota" secam seus adversários para subir a primeira divisão.  Os do Cuiabá para não serem rebaixados para a segunda divisão do futebol brasileiro.


Mas em ambas torcidas, só diz –“haja coração”!


Gabriel Novis Neves

15-10-2021



sábado, 16 de outubro de 2021

ALMOÇOS FAMILIARES


Com a Covid, foram interrompidos os almoços familiares.  Acredito que na maioria das famílias ocorreu o mesmo. Distanciamento era necessário.


Aqui em casa esse encontro era realizado aos domingos, com a ausência da minha mulher, passou a ser realizado aos sábados.  Minha cozinheira folga aos domingos, feriados e dias santos.


Tenho três filhos e todos reclamam da falta desse encontro.  Agora, que já tomei a terceira dose de reforço contra esse terrível vírus, sentem-se seguros com essa pequena aglomeração, que é a nossa família.  Na verdade são filhos, noras, genro, netas, neto, bisnetos e babás- um pequeno grupo que enche a casa, ocupando todos os seus cômodos, trazendo alegria e vida ao solitário bi-vô.


Como dizia a minha mãe quando reunia sua prole de nove filhos – “todos estiveram presentes do mamando ao caducando”.  Os almoços de sábado da reunião da família são muitos amorosos com aquela gente toda se beijando e abraçando.  


Nunca faltam as fotos e vídeos, especialmente com os bisnetos, cada qual mais engraçado na fase da sua vida.  A menina de quase cinco anos, tem um repertório maior a apresentar, como desenhar o próprio nome e dançar.  A menina de três anos dança e se distrai com o seu inseparável iPad.  O guri de cinco meses sorri o tempo todo quando estimulado, mama no peito e dorme, apesar do barulho da casa cheia de gente.


Todos esperam pela hora do pastelzinho de queijo, bem crocante e seco.  As meninas se divertem com o pastel, tirando seus apetites.  Os adultos entendem que o pastelzinho é aviso que o almoço está pronto.


“O almoço está na mesa”, avisa a cozinheira, todos sentam-se logo para a comida não esfriar.  A cabeceira da mesa é da sucessora da minha mulher, a filha mais velha.  O lugar menos cobiçado da imensa mesa é o seu centro, onde quem senta lá fica responsável pela distribuição do almoço aos demais integrantes da enorme mesa.


Com o crescimento da família, para manter o aconchego deste momento, temos uma mesa auxiliar que dão conforto a todos.  Só as crianças, pelas suas cadeiras especiais, almoçam na copa com as suas babás.  O clima é de festa, terminando com a sobremesa e o cafezinho.  Assim são as nossas reuniões semanais aos sábados!


Gabriel Novis Neves

11-10-2021




sexta-feira, 15 de outubro de 2021

ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E GOSTOSA

 O QUE COMER HOJE?   É a pergunta que ouço todas as manhãs da minha prestimosa cozinheira.  Prefiro “surpresa” para almoçar, que o prato encomendado, pois, não sendo cozinheiro, dificilmente serei compreendido.


Ela então preparou um prato de nhoque com carne seca desfiada, farofa de banana e molho à vinagrete.  Confesso que a surpresa não foi das mais deliciosas.  Ela perguntou se eu tinha gostado. Respondi que gostava dos ingredientes, mas da mistura não. 


Educadamente me respondeu indagando: “mas no estômago não fica tudo misturado?”  


Sim, mas a digestão começa ao mastigar, quando as glândulas gustativas são acionadas fornecendo o prazer à quem se alimenta.  Assim, dizemos que a  comida está gostosa, uma delícia. 


Agora, essa mistura de massa com carne seca desfiada, farofa de banana e molho à vinagrete, faz minhas glândulas gustativas reclamarem, e com razão.  Gosto das coisas simples nas minhas refeições, feitas com sabor e balanceadas com arroz e farofa de banana, principalmente.  Nada de invencionices extravagantes.


Tive uma cozinheira que por anos trabalhou em restaurante de estrada, que servia, principalmente, os caminhoneiros, onde o importante era a quantidade de comida para “encher” a barriga.  A estréia na minha casa tinha de tudo para fazer um pratão, como arroz, feijão, bife, galinhada, peixe frito, farofa de ovo e de banana, ovos fritos, verduras e legumes.  Uma semana depois voltou ao seu serviço no restaurante da estrada.


Minha cozinheira, entretanto, é do arroz e feijão bem feitos, estando muito satisfeito com o seu desempenho no preparo das refeições.  Para variar, faz pequenos pastéis de carne moída ou queijo - fritos como mamãe me ensinou, crocantes sem gorduras.  É com esse espírito que vou indo com a minha saudável alimentação.


Gabriel Novis Neves

08-10-2021




quinta-feira, 14 de outubro de 2021

RENÚNCIA ÀS MORDOMIAS VIRALIZOU "PIADA"


Um ex-governador conta a seguinte história, que parece piada, como verdadeira.  Certa ocasião precisava de um bom candidato, para elegê-lo prefeito de uma pequena cidade na grande Cuiabá.  Lembrou-se do seu compadre, homem de bem, admirado por toda a população da sua cidade, por ser trabalhador e honesto.


Após muito esforço do governador em convencê-lo, o compadre aceitou a missão, mesmo não gostando de política.  Foi as urnas e ganhou seu adversário político com expressiva votação.


Passados dois anos de mandato, pediu audiência ao governador. Disse ao compadre que iria renunciar ao cargo. Diante da espantosa notícia, o governador com a tal decisão, este quis saber o motivo.  E ele então expôs seus motivos: meu compadre, você me conhece há muito tempo. Sabe que sou uma pessoa honesta. Se continuar no cargo acabarei ladrão e o pior é que estou gostando das mordomias.  Na prefeitura tenho carro novo a minha disposição o dia todo, coisa que nunca tive antes.


Viajo sempre para Cuiabá, onde me hospedo nos melhores hotéis, quando antigamente ficava hospedado em casa de parentes. Frequento os mais caros restaurantes, sendo todas as despesas pagas pela prefeitura. Ganho muitos presentes, especialmente de favores prestados à empresários do município.  


O meu salário é maior que recebia de quando trabalhava por conta própria. É mais que suficiente para as minhas despesas pessoais e mesada para dois filhos que estudam em universidades particulares, e ainda sobra, com as gratificações, um dinheirinho para comprar uns gadinhos e investir na poupança.


O governador retrucou: Então, você está muito bem e aplaudido pela população com a sua bela administração, onde até fonte luminosa já construiu no jardim. Não há motivo válido para renunciar. 


Pois é compadre, disse o prefeito, pior de tudo é que estou gostando do cargo e se continuar nele acabarei sendo ladrão como os outros.


Essa história verdadeira parece ser piada.  Representa como o poder público é exercido na maioria dos municípios brasileiros.  O esbanjamento por parte da elite do nosso país é vergonhoso. Assim mesmo este país vai para frente, com os trabalhadores que lutam no seu dia a dia sem as mordomias do poder.


As desigualdades daqueles em posições mais privilegiadas na hierarquia do poder constituído, é uma falta de respeito com a maioria da nossa população.  Se todos os homens públicos tivessem a postura do prefeito da pequena cidadezinha que renunciou ao cargo pelas mordomias que recebia, teríamos outra sociedade, menos cruel e desumana.


Gabriel Novis Neves

12-10-2021