sábado, 2 de outubro de 2021

HISTÓRIAS DE AMOR NO ESCURO


O cuiabano de antigamente era muito retraído e tímido diante de pessoas que ainda não conhecia, especialmente daquelas que vinham de fora, chamados de “paus rodados”.  Na medida que esses contatos se aprofundavam e o diagnóstico de ser “gente de bem” era reconhecido ao forasteiro, o cuiabano se revelava como acolhedor, generoso e brincalhão. Gostava de contar piadas, muitas inventadas para a pessoa que estava conhecendo. 


Era do cuiabano de bem antigamente temer a chegada da ferrovia para Cuiabá. Diziam que a chegada de muitos migrantes iria tirar a tranquilidade e segurança da vida que viviam.


Também colocavam apelidos naqueles que chegavam. Alguns apelidos "pregavam" para a vida inteira e quanto mais jocosos, mais impregnantes. Um dos mais populares apelidos desse tipo foi o de “Pedra Canga”.  A cidade possuía muito dessas “pedras”, aquelas iguais às das escadarias da Igreja do Rosário. Eram todas "furadinhas". Talvez movido pela ira ou pelo deboche  - ou por ambos - um garoto do cais do Porto atribuiu esse apelido ao passageiro que chegara pela pequena embarcação fluvial. O passageiro apresentava o rosto com cicatrizes de varíola, que lhe fazia parecer com a “pedra canga” tão comum entre nós. E o garoto, que fez força para descarregar e conduzir a bagagem, não lhe perdoou o "defeito".


Na família do meu pai, composta por 19 irmãos, todos possuíam apelidos, sendo que 3 deles, mais de um. Eu tive muitos apelidos quando criança, que não “vingaram” e acabei sendo chamado pelo nome próprio. Já meus irmãos eram chamados pelo diminuitivo, outros de “eletrola” e “inhas e inhos”.


O historiador Rubens de Mendonça era um especialista no quesito apelidos. Gostava de contar também histórias incríveis sobre o cuiabano de antigamente, cuja veracidade poderia até ser discutível, mas que divertiam os que as ouviam atentos. 


O palco desse hábito de conversar era qualquer lugar, mas no Bar do Bugre esse comportamento era praticamente obrigatório, pois ninguém vai à um animado estabelecimento desse gênero para ficar em silêncio e rezando. Quem quisesse silêncio e rezas, seria melhor atravessar a rua e entrar na antiga Catedral.


Dizia Rubens, por exemplo, que o gerador do Morro da Luz em determinados dias da semana apagava pontualmente às 7 horas da noite, voltando às 10h.  Intrigado com essa regularidade, o cuiabano passou a investigar este apagão misterioso, e descobriu que o funcionário responsável pelo gerador recebia ordens superiores de desligar e ligar o gerador que fornecia energia à pequena cidade.  Segundo Rubens de Mendonça o gerador era desligado para deixar a cidade às escuras para que uma alta autoridade pudesse sair do Palácio para namorar e voltar!  


Fantástica história de humor (sobre uma espécie de amor proibido), que se perdeu entre tantas outras tão pitorescas.


Gabriel Novis Neves 

29-09-2021




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.