sábado, 31 de dezembro de 2022

DIA DA SUPERSTIÇÃO


O brasileiro é geneticamente supersticioso, e o último dia do ano é o mais rico em crendices.


São tantas as obrigações que acumulei na minha vida para entrar o Ano Novo com sorte, que só carregando no bolso uma colinha, para cumpri-las no primeiro minuto do ano que está iniciando.


Minha mulher seguia religiosamente esse ritual, obedecendo tudo que aprendemos, enquanto crescemos.


Começávamos com a cor das roupas e sapatos, do lugar mais alto da casa ou apartamento.


O apoio do corpo sempre era com o pé direito, ficando a perna esquerda, flexionada sem tocar no chão.


Rojões, pistolões e tiros com arma de fogo para cima, clareavam a cidade com barulho.


As sementes de romã, em número de sete, deveriam ser chupadas e guardadas dentro da carteira de dinheiro.


Beijos e abraços apertados nas pessoas queridas.


Telefonemas recebidos e dados aos amigos distantes.


A música que tocava até à meia-noite com show do eterno Roberto Carlos era romântica, logo substituída por antigos sucessos carnavalescos, transformando o ambiente de alegria.


A televisão mostrava o espetáculo da queima de fogos nas nossas capitais litorâneas, com shows de artistas nacionais nas praias, “apinhadas” de gente.


Um sem número de devotos de Umbanda entrando nas ondas do mar e levando oferendas à Rainha do mar.


A entrada do Ano Novo com batuques das Escolas de Samba era aviso que o carnaval havia chegado e a festa santa transformada em pagã.


É servido a ceia do Réveillon, quando não é permitido comer animais que ciscam para trás, como o frango e peru.


O preferido são suínos que estão sempre “fuçando” para frente e preparado nas suas mais variadas modalidades, nunca se esquecendo nessas ocasiões do tender com cravos e fios de ovos.


Outros preferem o bacalhau importado da Noruega e peixes de água salgada e doce.


Arroz com lentilha é lembrado na ceia do Réveillon.


Para quem gosta e pode, um bom vinho é recordado nessas ocasiões.


A sobremesa vem da herança familiar e a rabanada é uma certeza que vem de longe.


Quando retornei à Cuiabá, passei os primeiros anos em casa, com as crianças escadinhas (1, 3 e 4 anos) dormindo com a Regina.


Depois frequentei muito a “passagem do ano”, nos clubes Dom Bosco, Sayonara, Balneário Santa Rosa e Monte Líbano.


Com as crianças adolescentes íamos para o Rio de Janeiro, cidade dos familiares da Regina, resorts no nordeste brasileiro ou ilhas do Caribe.


Depois, comemorávamos na casa do bairro do Porto, e finalmente na cobertura onde moro.


Tudo passou como um sopro, e nesses últimos quatro anos, costumo passar o réveillon dormindo, como que fechando um ciclo.


Gabriel Novis Neves

31-12-2022




sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

PARECE QUE NÃO


Conheço todas as capitais do Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Nordeste brasileiro.


Como as do Nordeste são lindas! Nem parecendo que estamos no Brasil.


Só visitando essas capitais para ficarmos sem entender a miserabilidade que muitos apregoam no nosso “Sul maravilha”.


Hotéis de luxo, praias maravilhosas, restaurantes internacionais, quando nós, do Centro-Oeste, esquecemos da carne de boi, para uma temporada de lagostinhas e frutos do mar.


A brisa que vem do mar com ventos fortes faz com que nós esqueçamos do árido sertão nordestino.


Quando podia, eu dava minhas escapadinhas pelas praias lindas do nosso Nordeste, cheias de resorts maravilhosos onde o turismo nacional e internacional é intenso.


Lá não lembrávamos do mundo e suas atrocidades, e sonhávamos.


Acho Fortaleza uma cidade linda para viver e morar, lá se encontra tudo de bom no comércio e serviços.


Nesses momentos fico pensando se é verdade que tudo isso aconteceu um dia em minha vida.


É estranha essa sensação, e será que as pessoas da minha idade têm essa mesma sensação?


Ou é coisa inventada por mim?


É o danado do tempo, sempre a nos aprontar.


Não prestei atenção nesses momentos, que eu era tão feliz e não dei o valor que eles mereciam.


Da companhia de pessoas tão queridas que já nos deixaram, ficando com aquele incomodo - “eu não acredito”.


Haveria tempo de recomeçar tudo novamente, com a vantagem de saber como as coisas aconteceram para mim?


São interrogações a nos perseguir, deixando sempre um lastro de um tempo bom que passou em minha vida e eu não aproveitei como deveria.


É a loucura do velho que pensa naquilo que mais tem, que é o seu passado.


Tenho me esforçado a viver e pensar intensamente o dia de hoje.


O amanhã será uma aventura, e o futuro só a Deus pertence.


Tenho planos para comemorar meus 90 anos, ainda mais quando soube que a bateria do meu marca-passo tem vida útil de quase seis anos.


O doppler do meu coração mostra que o implante da válvula da aorta está muito bem e o meu miocárdio, que é o músculo do coração, rejuvenesceu.


Os vasos do meu pescoço, me protegem de um acidente vascular cerebral isquêmico, e não apresento alterações nos vasos do crânio.


Vasos dos meus membros inferiores e aorta abdominal são de um recém-nascido.


Para dizer que tudo não são flores na minha vida, descobri que sou portador de uma doença que não mata, mas não tem cura, que é a disautonomia.


O restante, meus 23 remédios de uso contínuo controlam.


Plagiando o poeta Ataulfo Alves, gostaria de voltar aos meus tempos de criança e juventude, quando era feliz e não sabia.


Gabriel Novis Neves

13-12-2022




quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

NATAL SOZINHO


Passei o dia de Natal em companhia da minha cuidadora.


Não veio ninguém em meu apartamento para conversar, então, disparei a escrever e só parei para almoçar.


Estavam prontas quatro crônicas sobre o cotidiano.


Minha revisora nessas ocasiões me pergunta se estou com “diarreia intelectual”.


Temos o hábito de entrar o Natal e Ano Novo acordados e festejando com amigos nas famosas ceias natalinas e de Ano Novo.


Meus filhos foram à ceia natalina e dormiram a manhã toda.


Aproveitei a casa vazia e iniciei a escrever com uma velocidade maior que a habitual.


As verdades brotavam do fundo do meu coração.


Escrevia tudo que sentia, com toda a força da manhã de um natal solitário.


As recordações jorravam com a intensidade da data simbólica.


O teclado do computador não parecia estar cansado.


Logo o texto estava pronto, com a exaustão que não me permita, pelo menos, uma releitura.


O esgotamento emocional que eu senti por arrancar palavras tão bem guardadas na minha memória, me impulsionou a pensar e escrever sobre um outro assunto.


Assim passei toda a manhã de mais um Natal dos 87 que tenho acumulado.


Saudades senti, e foram amenizadas pela visita à noitinha do meu filho caçula, um “senhor” prestes a completar 56 anos, esposa e filho se preparando para o concurso da OAB e, no final do ano novo, estará concluindo seu bacharelado em Direito pela Universidade Mackenzie em São Paulo.


Sua irmã mais velha, que já é médica, não veio, pois estava de plantão no Hospital Universitário Júlio Muller onde faz o 2º ano de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia (GO).


Em compensação, o “day after” foi muito agitado com muita gente em minha casa.


Logo pela manhã recebi um casal de amigos que não conhecia pessoalmente.


O empresário, jornalista e historiador pela UFMT, Osmar de Carvalho e Fernanda, carioca de nascimento e criada aqui.


Foi uma “conversa boa”, de pouco mais de uma hora, com direito a fotos na chegada e saída, com cafezinho feito pela Márcia, minha “assistente para assuntos gerais”.


Antes do meu almoço, o seo Nelson “faz tudo” no meu apartamento com trinta anos de uso, resolveu um dos problemas, e o outro ficou para outro dia.


A “soneca estatutária” de depois do almoço ficou para bem depois.


Continua a falta de imunoglobulina que vem da China ou Índia, sem previsão de chegada ao Brasil, e eu necessito desse medicamento.


A minha enfermeira ausente nas festas natalinas, chegou e verificou que precisava urgente comprar medicamentos de uso contínuo na farmácia, pois estava em falta de alguns deles.


O dia passou rápido e estou terminando de escrever a única crônica que tive tempo de fazer.


Gabriel Novis Neves

26-12-2022




quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A VIDA


É um processo de mutação permanente.


Já fui criança com pais presentes e pai e esposo com crianças para criar.


Depois vieram os netos para nos premiar, com a presença da minha mulher, que logo nos abandonou fisicamente.


Agora possuo essas riquezas que são meus bisnetos.


Tenho mais contatos com os três cuiabanos, o outro nasceu e vive em Portugal, que é o Lourenço.


Quis o destino que eu tivesse vida para contemplar com mais tranquilidade e sabedoria o desenvolvimentos dessas verdadeiras relíquias – duas Marias e o João Gabriel.


A maiorzinha, Maria Isabella (Bela), de quase seis anos está frequentando a pré-escola.


Estuda ballet, piano e canto.


Pratica natação, e não é inibida como as crianças do meu tempo.


O palco do teatro é o seu templo, lugar que já se apresentou como bailarina, pianista e cantora.


É a professorinha da sua prima de quatro anos, Maria Regina (Nina), que segue os seus passos.


Ambas são Marias, e as trato, não de primas irmãs que são, mas de irmãs primas.


Cada qual tem a sua casa, mas sempre estão juntas e adoram dormir emboladas na cama com seus avós maternos.


O JG, que é o caçulinha de um ano e meio, parece um homenzinho.


Não estranha mais ninguém, e é um companheirão que ganhei neste final de temporada de alguém beirando os noventa anos.


Vejo tanto quanto injusto é a vida.


Se pudesse trocaria de lugar com a minha mulher, que merecia mais que eu, saborear estes momentos de encantamento com as nossas riquezas.


Mas ela deve estar feliz na sua eternidade compartilhando destes momentos com os nossos tesouros.


Ela foi nossa sócia neste empreendimento de DNA emocional que implantamos, que é a nossa família.


Amou enquanto nosso Deus permitiu as nossas três crianças, cinco netas e um neto.


No Natal com a criançada reunida formando enorme família, sinto a falta física dela, responsável pela união, marca dos nossos tesouros.


Gabriel Novis Neves

24-12-2022




terça-feira, 27 de dezembro de 2022

AMOR NOVO


Ganhei de Papai Noel no almoço do dia 24 de dezembro, uma enorme TV que mais parece tela de cinema.


Passei o restinho da tarde assistindo músicas que gosto pelo youtube.


Quando criança o Papai Noel sempre deixava no meu chinelo um presentinho.


Nunca ganhei “presentão” como neste Natal das minhas crianças.


Presente bom é aquele que usamos com prazer.


Muitas músicas que não ouvia, as relembrei na Noite de Natal, aumentando a melancolia sempre presente em mim nessas ocasiões.


Assisti ao “Príncipe do Samba” cantando um dos seus sucessos.


Ele nasceu no Morro do Cantagalo na zona sul do Rio de Janeiro, e sempre viveu e morreu no subúrbio carioca.


Roberto Silva, sambista, trabalhou durante 75 anos e morreu depois dos noventa.


Simpático, sabia como ninguém dividir as letras das suas canções.


Na época de ouro das emissoras de rádio, seus cantores tinham apelidos e os locutores muita criatividade.


Rei da Voz (Chico Alves), Cantor das Multidões (Orlando Silva), Rei da Valsa (Carlos Galhardo), Rei do Baião (Luís Gonzaga), a Divina (Elisete Cardoso), as Cantoras do Rádio (Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira).


Essas relíquias de um passado não muito distante estavam enterradas pelo esquecimento, e consegui revive-las graças ao presente de Natal que ganhei.


Depois de quatro horas matando saudades do meu tempo de menino do interior do Brasil, a internet da minha nova TV pifou.


Telefonei, em pleno Natal, para o meu técnico em informática que educadamente me respondeu que na segunda-feira viria consertar o sinal da internet.


Domingo ao acordar não procurei por presentinho em meu chinelo.


Liguei a TV no youtube e o sinal da internet havia voltado, o que considerei um outro presente de Natal.


Após a soneca do almoço, voltarei ao meu novo amor assistindo shows, como do samba do trabalhador, de Moacyr Luz, parceiro predileto de Aldir Blanc.


Gabriel Novis Neves

25-12-2022




segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

TEMPO E MEMÓRIA


Esta segunda-feira, após a Copa do Catar, embora o Brasil tivesse sido eliminado precocemente da competição, amanheceu de uma forma diferente.


Está com cara de segunda feira de ressaca, como se o domingo tivesse sido um dia diferente para nós.


Acredito ser a melancolia do final do ano que se finda, tão diferente em uma pessoa idosa cheia de recordações, misturada com a alegria dos festejos do Natal.


Quando crianças não tínhamos passado, e criança não sofre de melancolia e suas vidas é uma alegria sem fim.


Observo essa alegria contagiante nos meus bisnetos que têm o tempo todo a seu favor, e a memória onde são armazenadas nossas impressões é muito recente.


Crianças ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.


Feliz da criança cujos pais participam dessas descobertas que serão no futuro suas memórias.


Li que um pai jornalista, meu amigo, saiu de casa com seu filho de apenas cinco anos, para comprar figurinhas para preencher o álbum do seu filho.


Tanta lição ficou na memória dessa criança, constituindo o seu passado, que jamais passará como o vento forte que varrem as coisas do presente.


Envelhecemos diante do tempo, nossos filhos crescem, muita gente parte.


Para a memória sempre somos jovens.


Nossos filhos serão sempre crianças, e assim o chamamos.


Nossos amigos estão sempre por perto, e nossos pais não morrem nunca.


Nossa memória é um baú cheio de saudades, de coisas boas ou não.


A capacidade de se emocionar vem daí, e uma música qualquer faz com que voltemos àquela época.


É comum amigos verdadeiros da juventude se reencontrarem já adultos ou idosos.


Eles voltam a se comportar como adolescentes bobos e imaturos, como nas festas de confraternização dos anos de formados em uma faculdade.


O tempo não passa para a memória, e ele eterniza amigos, brincadeiras, apelidos.


Ele não permite que sejamos adultos perto de nossos pais.


Serei sempre o filho do Bugre, dono do bar.


Somos memórias vivas na vida de nossos filhos, esposas, ex-amores, amigos e irmãos.


Mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.


Gabriel Novis Neves

23-12-2022




domingo, 25 de dezembro de 2022

TUDO FICOU DIFERENTE


Estamos chegando ao final de mais um ano, com as festas do Natal e Ano Novo.


Sinto tudo tão diferente e acho que foi por perda de estímulos que ficaram no nosso passado.


Como foi bom esse tempo quando tinha deveres escolares e férias para gozar!


A alegria de ter avançado nos estudos, caminhando para chegar ao meu objetivo, que era me formar em medicina, após 18 anos frequentando escolas em Cuiabá e universidade no Rio de Janeiro.


Tudo ficava misturado com as festas do Natal e Ano Novo.


A última vez que senti esse prazer juvenil foi em dezembro de 1960.


Conclui minha graduação em medicina no dia 15 de dezembro de 1960, e vim passar as festas de final de ano com os meus pais e irmãos em Cuiabá.


Depois, ficou tudo tão diferente! Lembro-me de dezembro de 1964, quando fiquei com a Regina e minha filha Monica de três meses na casinha da rua Marechal Floriano Peixoto, dormindo.


As crianças foram crescendo, eu mudei para uma casa maior no bairro do Porto, e as festas foram se adequando a elas.


Era uma novidade para mim as festas natalinas e de ano novo, pois na minha infância nunca tive essas festas em casa, porque o meu pai trabalhava à noite no bar.


Enquanto estive no Rio morava em pensões, e aproveitava essas datas para estudar e depois para dar plantões, que gostava muito.


O aluno “caxias” gostava dessas extravagâncias, e o tempo corria.


Passados dezenas de anos minha casa esvaziou, e as festas do Natal e Ano Novo são realizadas pelos meus filhos, netos e bisnetos em minha casa, sem a obrigação de ser à noite.


Papai Noel não chega pela chaminé do meu apartamento.


Entra pela porta social, é rápida a sua visita, leva o seu cachê e vai com o seu empresário fazer outras visitas.


O almoço do Natal e Ano Novo é realizado aqui quando eles não estão viajando.


Tudo ficou muito diferente, e essas datas cheias de receitas para um Ano Novo cheio de saúde e prosperidade, tenho passado dormindo como nos meus anos de infância.


A missa do galo celebrada pelo Papa é assistida pela TV.


O carneirinho, a carne de porco, tender e bacalhau já estão no freezer da minha geladeira.


Rabanada à vontade, feita no dia das festanças.


A calça branca e camisa amarela no guarda-roupas.


Feliz Natal e Ano Novo.


Gabriel Novis Neves

24-12-2022




sábado, 24 de dezembro de 2022

CORDEIRO NO NATAL


Segundo a minha cozinheira, o cordeiro é o animal até um ano de idade, o carneiro é o animal adulto cuja expectativa de vida chega até 10-12 anos, e a ovelha é a mãe do cordeiro.


A qualidade da carne do animal é influenciada pela sua idade, peso de abate, nutrição, pasto, confinamento, sexo e raça.


Essa carne rica em proteínas e baixa em carboidratos, é bastante consumida no Rio Grande do Sul, onde a criação desses animais é mais intensa.


O cordeiro é um delicioso prato, muito lembrado no Natal e Páscoa.


É um animal referenciado pela cultura religiosa judaico-cristã, como Cordeiro de Deus.


Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio à terra para nos salvar e tirar os pecados do mundo.


No dia do seu nascimento é celebrado o Natal, e sua Ressurreição para os Céus, é a Páscoa.


Os cristãos comemoram estas datas com carne de cordeiro em suas refeições, num ato emblemático, que marcam essas celebrações do calendário religioso.


O cordeiro foi o animal que Moisés sacrificou, para agradecer à Deus pela libertação do povo hebraico, e é o símbolo da aliança entre Deus e os hebreus.


Foi servido no almoço deste Natal da nossa família, um delicioso cordeiro feito pela nossa cozinheira.


Preparado e temperado de véspera, foi ao forno até ficar ao ponto para ser servido.


Sua carne macia estava melhor que a bovina e suína.


Escolhi como acompanhamento apenas duas colheres de sopa de arroz branco bem cozido.


Musse de tâmaras de sobremesa.


Estava com tanta saudade dessa iguaria, que encomendei ao meu filho, outro cordeirinho para o almoço da Páscoa.


A última vez que me recordo ter almoçado carne de cordeiro com farofa libanesa, foi no batizado do meu bisneto Lourenço português de nascimento, na casa dos seus bisavôs maternos, há quatro anos.


Foi quando ele se livrou do pecado original, pelo sacramento do batismo e o almoço foi carne de cordeiro celebrando a festa.


Gabriel Novis Neves

17-12-2022




sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

15 DE DEZEMBRO DE 1960


Foi a data que me graduei em Medicina da Universidade do Brasil, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.


O Presidente da República era o médico mineiro Juscelino Kubistchek de Oliveira.


O Ministro da Educação, o médico mineiro Clóvis Salgado, presente ao ato.


O Reitor da Universidade, o intelectual baiano Pedro Calmon.


O Diretor da Faculdade de Medicina, o médico carioca Arnaldo de Morais.


O orador da turma, o mineiro Stevenson de Matos.


Marcondes Pouso Filgueira, Benedito Canavarros e eu, médicos cuiabanos da turma de 1960 da Faculdade da Praia Vermelha.


Todos retornaram à sua cidade natal para exercer a sua profissão de médico, e o único vivo sou eu (87anos).


Quando concluímos o nosso curso, existiam funcionando no Brasil, apenas 23 faculdades de medicina, quase todas federais.


Hoje existem 353, na sua maioria particulares, e sua mensalidade varia de 06 a 15 mil reais!


Na chamada grande Cuiabá possuímos três faculdades de medicina, sendo uma pública federal e duas particulares.


Em Mato Grosso possuímos mais duas federais (Rondonópolis e Sinop), e uma na Universidade Estadual em Cáceres.


Quanta coisa mudou de lá par cá!


A escola humanística desapareceu, dando lugar a tecnológica.


O médico deixou de examinar os seus clientes, função essa dos laboratórios de análise clínicas e de imagens, cada dia mais sofisticados.


O clínico geral deu lugar ao especialista já existindo o especialista da especialidade.


Fui operado há quatro anos por um cardiologista intervencionista, não em centro cirúrgico, mas em laboratório de hemodinâmica.


Uma prótese de válvula aórtica foi colocada via transcutanea, pela artéria femural esquerda até o meu ventrículo esquerdo.


Esse e outros modernos procedimentos eram impensáveis no dia 15 de dezembro de 1960.


O médico de 1960 para se manter atualizado teve que deixar de ser generalista e refazer seus conhecimentos médicos, desde a elaboração do prontuário dos seus pacientes, agora feitos eletronicamente, e salas de esperas socializadas com outros colegas.


Cirurgias robóticas com extrema precisão, microcirurgias, vídeo laparoscopias, punções biópsia dirigidas pelo ultrassom, exames de PET/CT para localização de tumores, análises clínicas para as doenças degenerativas.


Quando perguntei à minha neta, que é médica, terminando o 2º ano de residência médica, tendo ainda um ano para terminar esse ciclo de aprendizagem, qual o seu livro de consulta para obstetrícia, ela estranhou a pergunta.


Seus livros não são impressos, e sim encontrados nas plataformas digitais, muito mais baratos que os livros físicos.


Os remanescentes da turma de médicos de 1960, tiveram que se reinventar num tempo em que o conhecimento científico altera a cada dia, fato este facilmente constatado pela rede mundial da internet.


Gabriel Novis Neves

19-12-2022




quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

ÚLTIMA BALA NA PISTOLA


Foi com essa expressão que recebi o neurologista que veio me consultar.


Disse ser ele a minha última esperança para melhorar minha qualidade de vida.


Seu tratamento seria a última bala na pistola da esperança para minha cura.


Tinha apenas três sintomas, e se eles fossem amenizados eu retornaria as minhas atividades normais, mesmo prestes a completar 88 anos de idade.


Durmo bem à noite, de oito a nove horas, desperto fisiologicamente, porém, com sono e fadiga.


As dores nas plantas dos pés, especialmente quando deitado na cama, produzidas pela neuropatia plantar diabética, cada dia eram mais insuportáveis.


Finalmente a disautonomia, causadora de muita fadiga, tonteira, que me obriga a caminhar na posição de “10 minutos para as 2 horas”, e também me invalida para qualquer atividade fora de casa.


Após minuciosa anamnese, exame clínico e neurológico, fiquei tranquilo com o acerto terapêutico para melhorar os meus sintomas.


Pensei no meu futuro com a saúde recuperada, e no acerto das minhas escolhas no passado.


O neurologista que escolhi para tratar de mim é ex-aluno de Medicina da nossa Universidade Federal de Mato Grosso.


Sempre foi muito estudioso e é Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia.


Está sempre viajando para participar de Congressos Nacionais e Internacionais.


Conhece todos os principais neurologistas estrangeiros e nacionais referência, como o Rogério Tuma de São Paulo, e Sérgio Novis do Rio de Janeiro.


Anderson Grzeiuk, meu neurologista de Cuiabá, encontra-se no mesmo nível científico dos mestres dos grandes centros.


Dezembro é um mês que me deixa muito mobilizado emocionalmente com a aproximação do Natal e Ano Novo.


Quando decidi solicitar a visita do meu ex-aluno, colega e amigo em minha casa, é por que não suportava mais a tristeza que invadia a minha alma, envolto com esses problemas de saúde.


Tenho a certeza que terei um final de ano rico de esperança, que é o último sentimento a nos abandonar, e eu já a tinha perdido.


Há mais balas na minha pistola figurada!


Gabriel Novis Neves

15-12-2022




quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

COISAS DO VELHO MATO GROSSO


Certa ocasião, nas eleições para a Câmara Federal representando o nosso Estado, dois candidatos despontavam como favoritos.


Um candidato era garimpeiro de Poxoréu, descendente de libaneses, querido em toda a região de Alto Coité, General Carneiro, Guiratinga, Rondonópolis, Dom Aquino entre outras.


O outro nascido em Cuiabá, de família tradicional e numerosa, enraizada em Livramento, Poconé, Várzea-Grande e Cuiabá, grandes redutos eleitorais.


Era chamado de “papa banana”, enquanto seu adversário político era conhecido como “garimpeiro”.


Nosso “papa banana” tinha fama de inteligente e era portador do bacharelado de Direito, no Rio de Janeiro.


O “garimpeiro” tinha instrução primária incompleta e começou a trabalhar muito cedo.


Dominava como poucos o linguajar e hábitos do seu povo e, quando “de maior” foi eleito para a Câmara Municipal e depois Prefeito de Poxoréu.


Logo era Deputado Estadual de Mato Grosso, com expressiva votação.


Nosso bacharel em Direito, era um intelectual, possuía uma bela banca de advocacia e morava em Cuiabá.


Fizeram a campanha observando os discursos do adversário no palanque.


O intelectual ficou impressionado quando o “garimpeiro” em visita à Poxoréu, Alto Coité, Dom Aquino, Guiratinga e Torixoréu era fortemente ovacionado ao agradecer a população, dizendo estar feliz em voltar e pedir votos, à cidade onde sempre “comeu” Maria Isabel!


Nosso “papa banana” gravou bem esse bordão.


Em comícios em Cuiabá, Várzea-Grande, Livramento e Poconé, reparou que seu adversário era recebido friamente e não usava o bordão da sua região para pedir votos.


O “bacharel” não teve dúvidas e lascou no seu comício:


“Após o retorno ao meu querido Estado, era a primeira vez que tenho a oportunidade de falar aos meus irmãos. ”


“Durante o meu longo afastamento para concluir meus estudos universitários, nunca havia “comido” uma Maria Izabel como essas que estou cansado de “comer”, e que são as daqui. “


O comício teve que ser encerrado, tamanha a revolta dos presentes ao ato político de antigamente.


Nessas cidades da grande Cuiabá, naquela época ninguém sabia que o prato carne seca com arroz, predileto dos garimpeiros nordestinos do Piaui, era chamado de Maria Isabel.


Apurados os votos das eleições, ganhou em todo o Estado, inclusive na grande Cuiabá, o “garimpeiro” de Poxoréu.


Se tivesse mais instrução até superior, seria de Alto Coité.


Fica a lição: para vencer na vida é importante conhecer hábitos e costumes da gente de uma região e respeitá-los.


Gabriel Novis Neves

17-12-2022




terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A HISTÓRIA DO VILA


Durante algum tempo frequentei a redação do clickmt.com.br, do jornalista Vila.


Ele é um jornalista autodidata, de memória privilegiada, satírico, e criador de bordões.


Sempre foi muito bem informado, pois publicava matérias que os outros não podiam.


Percorreu as redações dos principais jornais, revistas e sites de Cuiabá, antes de fundar o seu temido clickmt.com.br


Fez em seu site a programação visual de um jornal.


Fui seu colaborador “júnior” e “estagiário” por longos anos.


Meus textos eram estampados nas suas capas, sinal de prestígio com o seu proprietário-redator-chefe.


Só me tratava como jornalista “júnior” embora fosse bem mais velho que ele.


Marcos Antônio Moreira, era o nome de batismo do temido Vila.


Foi por muito tempo um dos quatro sites com maior número de acessos em Cuiabá, estando hoje beirando 30 milhões de pageviews desde a sua fundação.


Ele reproduz diariamente no cabeçalho do seu site o número de acessos.


Foi um recordista enquanto teve saúde para trabalhar.


Sua especialidade é a política investigativa.


Amealhou uma importante coleção de inimigos políticos, e sua vida era dividida entre as redações dos jornais e sites onde trabalhava e o Fórum de Cuiabá.


Acompanhei-o como testemunha em alguns desses encontros de conciliação entre as partes, nunca aceitos pelo Vila.


O Vila serviu de professor para geração de jovens jornalistas que o referenciavam.


Tinha uma metodologia de trabalho e vida só possível para ele.


Acordava sem sono de madrugadão, fazia o café, sua única bebida até às 11 da manhã.


Depois apreciava uma latinha de cerveja bem gelada.


Fumava muito e trabalhava de bermudas, sem camisa e chinelo de dedo.


Alimentava pouco e mal, ele mesmo preparava a sua única refeição, que não tinha horário para ser servida.


Cuidava dos seus animais que dividiam o espaço com a redação e o seu quarto de dormir.


Não tinha funcionários, e a sua casa era administrada por ele, e os negócios pela sua diretora executiva: Kelen Marques.


Criava gatos, cachorros, na mais “santa paz do mundo”, e alimentava os passarinhos que vinham em sua janela à procura de alimentos.


Na garagem guardava um troféu que era um velho jeep, cuja história gostava de contar.


Certa ocasião deu carona a Archimedes Pereira Lima, membro da nossa Academia de Letras e jornalista fundador do jornal O Estado de Mato Grosso, fundador da Usina de Jaciara e Cervejaria da Brahma no Coxipó.


O jeep enguiçou e Archimedes passou a empurra-lo pela cidade para pegar no tranco.


Pois bem, esse homem estranho não noticiava no seu site efemérides.


Um vizinho seu, grande personalidade política, social e econômica, faleceu de mal súbito.


Perguntei ao Villa se ele sabia, pois não tinha lido nada no seu site.


Ele me respondeu que sabia, mas não publicou nada a respeito para não transformar seu panfleto em Agência Funerária.


Até hoje quando escrevo algo sobre esse assunto, me lembro do velho Vila.


Perdi o contato com o meu extravagante professor de jornalismo.


Sei que mudou de residência, deixando o bairro do Porto.


Teve sérios problemas de saúde como eu, e se recusava a tomar medicamentos receitados por médicos.


Tinha suas manias para saber, por exemplo, se a sua próstata estava bem: “me levanto de quatro horas à noite, para ir ao banheiro”- era sinal que tudo estava bem.


Temos que resgatar a história desses pioneiros, que com os anos caem no esquecimento.


Da nova geração de jornalistas quantos ouviram falar do Vila, o Marcos Antônio Moreira?


Gabriel Novis Neves

11-12-2022


CLICK MT