quinta-feira, 30 de setembro de 2021

SUSTENTO SOB AGRURAS


Até a metade do século XX o Brasil era um país ruralista. Sua população era maior que nas cidades. A industrialização desencadeou o fenômeno das migrações para o interior do país, pouco povoado. Um número considerável da população rural migrou para as cidades. Deixava assim uma vida de pobreza, mas que se mantinha com dignidade com a agricultura familiar, pescado e caçada. A fome não existia. Ocorreram também as migrações estrangeiras, com muito mais qualificação profissional. 


A população rural chegava  às cidades grandes sem nenhuma qualificação profissional ou instrução primária, e começava a se alojar nas suas periferias, criando enormes problemas sociais. Surgiram dessa dessa forma as primeiras favelas. Os homens eram aproveitados em trabalhos braçais, muitos deles analfabetos. As mulheres em trabalhos domésticos, sem perspectivas de progressão.


A área rural possuía terras férteis, agricultura e pecuária com ciência, ocupando grandes extensões da sua área, com grandes desmatamentos e exportações da madeira, pelos colonizadores.


A riqueza começou a mudar de mãos, deixando a miséria social para as cidades. Surgiram novas profissões, como a dos “catadores de lixo”, que de lá retiram produtos que vendem  às empresas especializadas, para sua manutenção e a dos seus filhos.


As meninas, na sua maioria sem instrução, caíam fácil no uso de drogas, homossexualismo, prostituição. Uma grande parte ‘“foge” de casa e vai viver com alguém mais velho que elas, sabe Deus como! Logo são abandonadas com filho pelo seu sedutor, que desaparece sem deixar notícias. Começam as procriações , geralmente com filhos de pais diferentes, quando voltam para casa de pais separados e dificuldades de se manterem.


Aos 16 anos,  relata uma menor, que um motorista de caminhão se apaixonara por ela. Aprendeu  a profissão de dirigir, que chegou de exercer, e foi morar no caminhão, quando ficou grávida e foi abandonada pelo parceiro. No período em que estava com  ele viajaram muito e diz que gostava  da profissão de motorista, mas não quer mais exercê-la. Sua filha mais velha hoje vive em outro Estado, não fala com ela, não a aceita, “acho que tem vergonha de mim, pois ela é rica” (sic).


A menina que chegou à cidade grande, hoje com pouco mais de 40 anos, diz estar só, nunca mais arrumou ninguém para casar, sente muito a solidão, gostaria de ter um bom parceiro para conversar, passear e pescar. Tem o emprego de uma pessoa “sem estudos”, que é o de “catadora de lixo”, de onde retira dinheiro para comida de seus filhos e pagar contas de luz e água.


Essa é a realidade de milhões de brasileiros que vivem totalmente às margens da civilização e dignidade humana!


Gabriel Novis Neves

24-09-2021




quarta-feira, 29 de setembro de 2021

LOGRADOUROS PÚBLICOS


O finado vereador Wilson Coutinho aprovou um decreto legislativo, por maioria absoluta dos votos e posteriormente aprovado pelo Prefeito de Cuiabá, dando nome de Avenida Olyntho Neves a uma das avenidas ao recém-inaugurado Bairro das Três Américas, no Coxipó da Ponte.  


Era a antiga chácara do “seo” Melo, que veio do Rio para construir o prédio do Palácio da Instrução ao lado da Catedral Metropolitana e por aqui ficou o resto da sua vida. Este bairro, hoje nobre de Cuiabá, recebeu um grande estímulo com a implantação da UFMT, onde técnicos e professores compraram apartamentos para residirem colados do seu local de trabalho.


Eu e meus irmãos (9) recebemos do Presidente da Câmara Municipal de Cuiabá cópias da única honraria pública prestada ao nosso querido e exemplar pai, que educou seus filhos para servirem a nossa terra. Com a modernidade, foram mudados os nomes das avenidas e ruas do moderno bairro e os nomes daqueles que receberam as honrarias desapareceram do cenário público da nossa cidade. Nenhum dos nove filhos reclamou do poder público, vendo que seu pai não tinha “méritos”, que só a política explica para receber uma homenagem da sua cidade.


Muitos clientes do bar do meu pai receberam homenagens, que se perpetuaram pelos mais diversos logradouros públicos da cidade, fazendo os novos a perguntar o clássico “quem é?” Cidade sem memória está sempre a procurar a sua identificação negada. 


Cuiabá no decorrer dos séculos mudou muito o nome dos seus logradouros públicos. O primeiro nome da Rua 24 de Outubro foi Lava-pés. Mudou várias vezes de nome, até se fixar no nome atual, até quando não sei.


A Rua de Baixo virou Galdino Pimentel, a do Meio, Ricardo Franco. A aristocrática Rua de Cima é a Pedro Celestino, a do Campo, virou Barão de Melgaço, a Lava-pés, compreendido entre o Shopping Goiabeiras e o Chopão, agora é Dr. José Monteiro de Figueiredo, e a antiga Rua do Caixão onde moro, é Estevão de Mendonça.


Como se vê, a Cuiabá de hoje não é a de ontem, e sua história foi perdida através dos tempos.


Gabriel Novis Neves

18-09-2021




terça-feira, 28 de setembro de 2021

MORRO DA LUZ


O Morro da Luz está na região mais central de Cuiabá.  Em 1722, Miguel Sutil descobriu a “colina” salpicada de ouro no Morro da Prainha. 


Muitos anos depois, no governo do Dr. Mario Correa da Costa, o Morro da Prainha recebeu uma subestação de energia da Usina do Rio da Casca e começou a ser chamado de Morro da Luz. Esse gerador ficava em frente à minha casa, na Rua de Baixo, e lembro que todos os dias seu obeso funcionário, sempre apoiado por um cajado de madeira e um enorme chapéu, passava em direção à trilha que o levava ao gerador de luz para a cidadezinha de Cuiabá (justificando a denominação de "Morro da Luz").


Em 1942,  além do gerador, lá existia o Colégio do Professor André Avelino, para internato,  na sua maioria de estudantes do interior e cujo acesso era pelo lado do bairro Mundéu. 


O Morro da Luz era totalmente selvático. Lá se encontravam animais silvestres e era lugar de passeios. Lembro-me que em umas férias de dezembro pedi à minha mãe como presente pelas excelentes notas alcançadas, passear uma manhã no morro.


Na revitalização feita em 1980, o espaço ganhou 12 trilhas e 4 pequenas praças que compõem o complexo. Nomes de figuras populares como Maria Taquara, Zé Bolo Flor, Juvenal Capador, Maria Perna Grossa e Hélio Goiaba, homenageiam esses espaços públicos e remontam um pouco da história cuiabana -  rica em memórias,  mas pobre em investimentos para a conservação do patrimônio cultural.


Hoje, “o Morro da Luz é território proibido” pelo extremo abandono em que se encontra, esquecido do poder público ou classe cultural de Cuiabá. Moradores de rua, muito lixo, usuários de drogas e alguns criminosos contumazes, apavoram o público que tem curiosidade em conhecê-lo.


São muito interessantes as dezenas de histórias sobre o Morro da Luz, não se esquecendo de um “bando” de compositores e músicos, filhos do Professor André Avelino, que no carnaval desciam o morro para encantar os cuiabanos com suas marchinhas cantadas pela “turma do Morro da Luz”.


Como são bonitas as histórias da Cuiabá antiga e que estão sendo perdidas pelo tempo! 


Gabriel Novis Neves

26-09-2021







segunda-feira, 27 de setembro de 2021

BECOS HISTÓRICOS


Se andar hoje em um beco no centro histórico de Cuiabá pode ser arriscado, há algumas décadas era o que o cuiabano mais fazia.  Por cerca de dois séculos os becos foram a conexão entre os moradores daquela cidade com jeito de vila.


Bêbados, prostitutas, trabalhadores braçais e até homens de classe,  transitavam pelas ruelas antiguíssimas, dividindo espaço com carroças e homens a cavalo. Quem conta tudo isto é o historiador Moises Martins, um apaixonado pela cultura cuiabana.


Muitos dos becos antigos já foram tomados por novas ruas e outros ainda resistem às transformações. Para entender esta Cuiabá de antigamente, diz Moisés Martins, é preciso entender que aquelas ruas eram moldadas pelas patas dos animais.


O Beco de Santo Agostinho, hoje chamado de travessa, liga a rua 7 de Setembro à rua Ricardo Franco. Beco Alto,  comenta Moisés Martins, “era onde descíamos de rolimã até a ponte da prainha”. Ficava próximo à Praça da Mandioca. Assim como este, todos os outros becos do centro histórico apontam para o antigo córrego da prainha,  que deu nome a avenida, hoje Tenente Coronel Duarte. Com o tempo foi construído uma escada no local.


Beco do Candeeiro era o mais conhecido dos becos de Cuiabá. Recentemente, foi  um local de prostituição e dependentes químicos, que dormiam nas calçadas. Foi totalmente revitalizado pela Prefeitura nesta gestão, recuperando a imagem do local  após a chacina que matou três menores, e hoje está  incluído socialmente na vida de Cuiabá. O beco foi uma das primeiras ruas da cidade a serem iluminadas. O combustível, segundo Moises Martins, era óleo de peixe. O produto era amassado na Praça da Mandioca.


Beco Torto foi substituído por travessa, liga a rua Pedro Celestino à Ricardo Franco. Beco da Lama, atual Rua Comandante Suído, era tradicional zona de meretrício da cidade, também já foi chamada Travessa dos Marinheiros, por conta da proximidade com o cais do rio. Localizada no bairro do porto, a via já não tem as características de antes, mas ainda é uma região de prostituição e bastante bares.


Ali nas proximidades o carnavalesco Nhozinho, um dos pioneiros do carnaval cuiabano, criou o bloco “Sempre Vivinha” na década de 1950.  Naquela época os blocos percorriam as avenidas de Cuiabá com foliões mascarados. O “Sempre Vivinha” desfilou pela última vez em 1960.


Essa é a história contada por Moisés Martins dos becos mais históricos de Cuiabá, uma homenagem aos novos cuiabanos nascidos aqui ou que adotaram esta cidade para viverem.


Gabriel Novis Neves

18-09-2021


BECO DO CANDEEIRO 


domingo, 26 de setembro de 2021

RUA TRAÇAIA


José Roque Paes, apelido Traçaia, na Áustria conhecido como José Tracaia, foi um futebolista brasileiro que atuou como atacante.  Nas décadas de 1950 e 1960 ganhou cinco vezes o campeonato Pernambucano com o Sport e a Copa da Áustria com Admira da Viena,  com quem também foi vice-campeão. Nasceu em Cuiabá no dia 16 de agosto de 1933 e faleceu em Recife no dia 21 de junho de 1971, aos 38 anos de idade.


Ele carrega o privilégio de ser o maior artilheiro a vestir a camisa do SPORT CLUBE do RECIFE. Traçaia marcou 202 gols defendendo o Leão e foi ídolo da torcida entre os anos de 1955 a 1962, sagrando-se campeão Pernambucano em 1955, 1956, 1958, 1961 e 1962.


Começou a carreira em 1951 no Palmeiras de Cuiabá. Depois, defendeu o Misto e o Dom Bosco, antes de desembarcar na Ilha do Retiro.  Em 1959 a seleção pernambucana representou  o Brasil no Campeonato Sul Americano Extra que se realizou no Equador.


Traçaia foi convocado pelo treinador Gentil Cardoso, e o Brasil termina o Sul-Americano Extra em terceiro lugar. Traçaia jogou como titular nos quatro jogos do campeonato. Num amistoso após o torneio do Equador, em 27 de dezembro,  Traçaia marcou um gol. Ele encerrou sua carreira em um clube a cerca de 120 km no sudeste de Viena.


Em 1966 foi por algum tempo jogador - treinador, de um clube das divisões inferiores. Voltou para Recife e morreu no dia 21 de junho de 1971.


Esses dados que compõem parte do currículo de Traçaia encontram-se facilmente no Google.


Conheci Traçaia ainda garoto, jogando futebol aos domingos após a missa da Catedral, no campinho que existia atrás do Palácio da Instrução. 


Nunca joguei no mesmo time dele e o enfrentei algumas vezes. Naquela ocasião ele já era um jogador de futebol diferenciado. Sua velocidade, intensidade nas jogadas, dribles em alta dificuldade, só conseguia marcá-lo cometendo faltas,  nem sempre técnicas. Nunca reclamou de nada, ou do meu anti-jogo. No final das partidas meu time sempre perdia para o do Traçaia.


Logo depois jogou no nosso Palmeirinha, Misto e Dom Bosco, clubes da primeira divisão que disputavam o campeonato cuiabano de futebol. Eu fui para o Rio estudar medicina e meu amigo de infância passou pelo Rio e foi ancorar-se em Recife,  no famoso clube profissional, Sport Clube Recife.


Anos depois soube que o Sport iria jogar no Rio, e sua delegação hospedada no Hotel Paissandu, rua em que morava.  À tardinha fui ao hotel e na portaria pedi para falar com o Traçaia. A portaria se comunicou com o quarto do jogador mais famoso do Sport e sabedor de quem o chamava, logo desceu onde nos abraçamos depois de tantos anos para conversarmos.


Logo o camisa 10, no auge da carreira,  me convidou para jantar com ele no hotel da concentração. Agradeci dizendo que tinha compromissos. Quis saber como eu estava nos estudos e demonstrando toda sua imensa generosidade, perguntou se precisava de dinheiro, pois poderia me emprestar qualquer valor.


Despedimo-nos e aquele foi meu último contato com Traçaia, homenageado na sua cidade natal com o nome de uma rua que está no bairro Cidade Alta e Loteamento no bairro Jardim Primavera, ficando próxima a Arena Pantanal e bar do Edgare,  em rua de clínicas e serviços, onde poucos sabem do homenageado.


Gabriel Novis Neves

20-09-2021




sábado, 25 de setembro de 2021

AS TRÊS FOTOGRAFIAS


O meu Editor me enviou “As três fotografias”, uma das mais lindas crônicas do saudoso multimídia pernambucano Antônio Maria, ou simplesmente Maria. Compreendi o gesto do meu amigo, que no fundo gostaria de me ensinar a escrever,  e não simplesmente encher com palavras a tela do computador.


Acompanhei a vida profissional de Antonio Maria como locutor esportivo da velha Mayrink Veiga, dos programas de auditório do rádio e televisão, dos jornais, revistas e suas composições de amor. Todas as noites ele estava em boates da zona sul do Rio escrevendo sobre seus personagens. Dormia muito pouco, fumava e bebia mais do que permitia seu frágil coração.


Naquela época não existia a internet,  e Maria deixava seus escritos para chegar às redações dos jornais no último momento permitido para publicação no dia seguinte, deixando “louco” o funcionário responsável pelo recolhimento dos trabalhos deste grande escritor.  Seus escritos eram feitos na sua velha máquina de escrever do quarto que vivia em hotel de Copacabana.


Maria foi um grande gozador da vida, que viveu intensamente, sofreu de amores traduzidos em canções como “Ninguém me ama” e Menino Grande, cantadas por Nora Ney. Compôs com os mais diversos parceiros sambas-canções, valsas e forrós, gravados pelos famosos artistas da época. Era um sábio autodidata, que começou a trabalhar aos 17 anos.


Seu vasto currículo não cabe no espaço de uma simples crônica,  e foi publicado em livro pelo historiador Joaquim Ferreira, seu biógrafo. 


Antônio Maria Araújo de Morais estaria completando neste ano o seu centenário, permanecendo vivo e atual em nossas memórias. Morreu prematuramente aos 43 anos de idade,   sozinho em uma madrugada na mesa de uma boate em Copacabana de infarto agudo do miocárdio.


Vou ler e reler as crônicas de Antônio Maria, um dos maiores cronistas brasileiros do século XX, para satisfação do meu Editor, leitores e de mim mesmo.


Gabriel Novis Neves

20-09-2021






sexta-feira, 24 de setembro de 2021

FANÁTICOS DEMAIS


Meu filho caçula e meu neto viajaram de madrugada de Cuiabá em voo de carreira com destino a cidade do Rio de Janeiro. Foram assistir ao jogo do time de seus corações contra um do Equador, pela Taça Libertadores. Chegando ao Rio, o filho me telefonou dizendo que a viagem foi ótima e já estavam fazendo teste para Covid, em laboratório credenciado pelo Flamengo no Arpoador, que tinha a essa hora menos movimento.


Esperariam o resultado do exame de laboratório para retirarem seus ingressos no guichê da Gávea, já comprados pela internet, só então indo para meu apartamento no Leme. Provavelmente trocariam a roupa de viagem por um calção de banho, iriam ao botequim da esquina lanchar uma média com pão e manteiga na chapa e aproveitariam para um banho de sol com mergulho no mar da praia do Leme, a mais simpática do Rio.


Depois, almoçarem qualquer coisa no boteco ao lado do edifício, descansarem um pouco, partiriam para o Maracanã assistir ao jogo, voltar para casa, dormir um tantinho, se preparar para a viagem de volta na madrugada seguinte para Cuiabá, e ainda atender meio período da manhã no consultório! Isso é que é gerenciar bem o tempo e demonstrar uma saúde invejável, além de um fanatismo insuportável.


O jogo foi simplesmente espetacular no seu primeiro tempo, quando o bom time do Equador veio com tudo para cima do Flamengo, obrigando o seu goleiro a duas defesas inacreditáveis. Logo o Flamengo equilibrou o jogo e passou a bombardear o seu rival.  Foi quando saíram dois golaços de cabeça e duas bolas estourando nas traves.  O jogo foi tão bom, que os primeiros 45 minutos se passaram rapidamente, quando houve ainda a expulsão de um jogador equatoriano do Barcelona. No segundo tempo todo o Flamengo fez valer sua superioridade numérica e técnica,  e seu adversário jogou sustentando o resultado.


Foi um grande jogo de futebol, bom de assistir, onde o Flamengo leva para decisão um bom resultado, nada que o Barcelona não poderá igualar ou até eliminar o Mengo. Se não fosse o Covid impor restrições sanitárias severas, tenho certeza que os “fanáticos demais” (filho e neto) estariam na próxima quarta feira em Guayaquil!


Gabriel Novis Neves 

23-09-2021

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

MESADA CURTA


Sempre fui um estudante muito consciente  sobre as condições financeiras do meus pais; ele dono de um bar, minha mãe de prendas domésticas. Como referência do meu pai, possuía o casarão do seu local de trabalho e a residência para educar seus nove filhos. Nunca tirou férias, viagens, ou outras tantas extravagâncias,  assim como também nunca comprou um automóvel. Minha mãe fazia tudo que uma dona de casa com disposição e amor fazia.


Partindo deste ambiente econômico, onde ganhei a minha primeira bicicleta aos quinze anos, fui para o Rio de Janeiro estudar. Na modesta mala de papelão, com finas  tiras de madeiras como reforço, levei duas camisas, duas calças compridas, dois pares de meia, dois lenços e um abrigo de lã feito de crochê pela minha mãe.


A composição da primeira mesada era o valor da pensão, com café da manhã, almoço e jantar, o dinheiro da mensalidade do colégio onde terminei o segundo grau; despesas depois acrescidas pelo valor do cursinho preparatório para o vestibular de medicina, valor do transporte de bonde, da lavagem das roupas uma vez por semana, valor da taxa para cartas semanais e quando sobrava algum, para o cinema ou futebol no recém-inaugurado Maracanã. 


Com a minha entrada para a faculdade, tinha ensino gratuito na melhor faculdade de medicina de então, mais almoço e jantar. Nos domingos e feriados eu ia “filar” almoço na casa de parentes, ou no restaurante estudantil gratuito do Calabouço. 


Saíram do meu orçamento as verbas com  que pagava no colégio e cursinho preparatório, e também o valor das refeições que deixei de fazer nas pensões onde morei durante esses anos todos. 


Sobrava um dinheirinho para, com meus companheiros do “baixo” clero da universidade (aqueles alunos de aproveitamento mediano nos estudos que nunca foram reprovados e tinham poucos recursos para passarem o mês, geralmente do interior do Brasil), saíssemos em alguns finais de semana para frequentar os teatros da Cinelândia, principalmente o "Mesbla", com direito a visitas ao bairro boêmio da Lapa.


No quarto ano de medicina fiz concurso para interno de obstetrícia e ginecologia do Hospital e Maternidade Pró-Matre, sendo aprovado.  Lá fazia pequenos “bicos” quando auxiliava cirurgias particulares dos meus professores.


No ano seguinte fiz concurso para acadêmico de medicina do Estado e fui aprovado, sendo lotado no Hospital e Pronto Socorro Souza Aguiar, na ocasião o maior da América da América Latina, com um bom salário.


No sexto ano de medicina fiz concurso, e passei para monitor de ginecologia da cadeira do Prof. Arnaldo de Morais no Hospital Moncorvo Filho, e tinha gratificação mensal boa para mim.


O último ano do curso de medicina foi maravilhoso, mas a inflação começava a fazer vítimas; mesmo assim realizei muitas incursões pelos inúmeros bares de bossa-nova, ritmo novo que dominava o Rio de Janeiro, e ainda conseguia ajudar meus irmãos que estavam chegando ao Rio, especialmente o Pedro e menos ao Inon.


Assim, Bugre e Irene educaram três dos seus nove filhos no Rio, onde dois terminaram medicina e um economia.  Nos dias de hoje seria impensável fazer aquilo que meus pais conseguiram, os tempos são outros e Cuiabá fornece oportunidade de formar bons médicos e economistas, com casa e comida da casa do papai e ensino gratuito. Muito diferente à vida de estudante no Rio de Janeiro, com mesada curta.


Gabriel Novis Neves

18-09-2021


Olyntho Neves e Irene Novis


quarta-feira, 22 de setembro de 2021

SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO


Cheguei ao Rio de Janeiro pouco antes de completar 18 anos, e logo o primeiro problema surgiu: tinha que servir ao Exército, obrigatoriamente. 


Sem orientação superior, aceitei o conselho do meu primo Albertinho Cunha, que me levou a audiência que o Senador Filinto Muller concedia todos os domingos na sua imensa e bela casa na Lagoa Rodrigo de Freitas aos estudantes de Mato Grosso no Rio. A maioria precisava de emprego para continuar seus estudos, e o Senador, de acordo com o curso que faziam, nomeava - os como inspetores da Polícia em casas noturnas, para satisfação daqueles que estudavam Direito.


Quando chegou a minha vez de falar ao Senador, era tão tímido, que fui representado pelo Albertinho. O político importante da nossa história soube que eu era filho do Bugre (do bar) e me colocou à vontade, dizendo, inclusive, que éramos parentes por parte de pai, e descreveu brilhantemente toda nossa árvore genealógica.


Com relação ao meu pedido, que era ser dispensado do obrigatório serviço militar, perguntou a minha altura (1.85 m), e disse que seria muito bem aproveitado no exército, provavelmente entre os “catarinas” – soldados de elite do exército vindos de Santa-Catarina.


Para não prejudicar meus estudos, me aconselhou a pedir uma prorrogação de dois anos para fazer o CPOR (Centro Preparatório de Oficiais da Reserva), já cursando medicina. Esse curso funcionava nas férias de julho, dezembro e fevereiro todos os dias pelas manhãs e, no período escolar,  aos domingos na sua primeira fase.


Depois de formados estagiávamos em clínicas do exército, de acordo com o nosso perfil profissional. Escolhi radiologia na Policlínica do Exército próximo ao hospital Moncorvo Filho, onde fui monitor de ginecologia e ganhava um dinheirinho.


Da minha imensa turma de colegas, inclusive o Pedro, Inon e Olyntho,  meus irmãos, eu fui o único que servi ao Exército, onde aprendi muita disciplina,  como respeitar horários e a enfrentar obstáculos. São coisas que só aconteceram a mim, graças a Deus!


Gabriel Novis Neves

17-09-2021




terça-feira, 21 de setembro de 2021

VIDA DE ESTUDANTE NO RIO DE JANEIRO


Estudei no Rio de Janeiro de 15 de março de 1953 a 31 dê julho de 1964. Os dois primeiros anos foram terríveis!  Cursava o terceiro ano do segundo grau no Colégio Anglo Americano e depois frequentei  o Cursinho preparatório para medicina,  do professor Galloti, no centro do Rio de Janeiro. Foram dois longos anos de ansiedade e incertezas. No Colégio Anglo Americano, senti o quanto cheguei despreparado para continuar os estudos. 


Minha turma do Colégio falava o inglês fluentemente e eu sabia literatura inglesa, e poucas palavras em inglês.  Tive que fazer um esforço descomunal para não ser reprovado, o que talvez me custasse o retorno para Cuiabá. Já no Galloti, tinha mais tempo para estudar, e uma boa turma mediana, que me encaixei para os estudos em casa.


A primeira pensão em que morava  ficava na Praia de Botafogo 420-ap101 (primeiro andar). Meu quarto ficava em cima da entrada da garagem do prédio e  sempre era despertado, pelo irritante ronco dos motores dos automóveis que subiam a rampa em direção à rua e o buzinar dos que estavam chegando.


Tinha como companheiro de quarto o querido amigo e colega Carlos Eduardo Epaminondas, já acostumado com a cidade grande. Lá conheci o pai do ministro Mandeta, que cursava os últimos anos de medicina. 


Minha pensão ficava entre as Lojas Sears, aonde ia para me divertir, olhar as lindas meninas que a frequentavam e onde comprava deliciosas pipocas, o máximo de extravagância que minha mesada permitia. Do outro lado do prédio da pensão ficava  a Igreja da Imaculada Conceição, que frequentava assistindo suas missas dominicais.


Depois de um ano mudamos para um apartamento de fundos da Rua Almirante Tamandaré, no Catete, "capital" dos alunos do interior. Ficava a poucos metros do Cinema São Luís, onde se namorava abertamente com a conivência do “lanterninha” da casa.


A poucos metros o restaurante Lamas, frequentado por intelectuais, artistas, jornalistas e estudantes quando recebiam as suas mesadas.


Noel Rosa frequentava uma cafeteria que nos fundos possuía várias mesas de sinuca para desfile dos profissionais da arte do taco e até amadores, que jogavam a dinheiro. Foi lá que Noel Rosa,  ex-estudante de medicina, escreveu em um guardanapo a letra de CONVERSA DE BOTEQUIM  (Seu garçom, faça o favor, de me trazer depressa, uma boa média que não seja requentada...) sucesso musical até nos dias de hoje!


A “casa dos bondes” , onde se recolhiam, ficava defronte à enorme praça cheia de pombas e pombos, que eram alimentados pelos idosos frequentadores da praça com milhos e miolos de pão. 


Do outro lado da praça era erguida a enorme igreja que passei a comparecer, com a minha mudança de endereço, também frequentada por pensadores como Gustavo Corsão, Eugênio Gudin e Sobral Pinto. Ao lado, o cinema de “segunda” classe,  o Politheama, onde vi pela primeira vez Luís Carlos Prestes discursando em 1954.


Aquele pedaço do Rio antigo era a alegria dos tantos estudantes que vinham do interior e procuravam pensões naquela região.


Foi ali,  próximo à farmácia Jacy, que o balconista-cantor Anísio Silva fornecia tubos de "Pervitim" aos alunos que vinham de colégios do interior para prestar vestibular; como do boêmio bar e churrascaria Recreio, quando passei no vestibular de Medicina da Praia Vermelha.


Minha vida no Rio começou a melhorar. Conhecia melhor a cidade, tomava o café na pensão,  que a esta altura já era outra mais simples, pegava o bonde 4 , o único que ia para a Praia Vermelha, onde assistia as aulas, almoçava e jantava.


Quando tinha uma folguinha ia à General Severiano assistir treinos do Botafogo de Newton Santos, Garrincha e Didi, ou ensaios na entrada dos bondes que levavam turistas ao Pão de Açúcar e existia a boate Casablanca, local que  as artistas iam ensaiar para os shows de Carlos Machado!


Era a descoberta para um menino do interior, onde tinha estudo, alimentação, treinos do seu time do coração e show de mulheres lindas e encantadoras!


Veio um período maravilhoso no Rio de Janeiro quando  aprendi muito do que sei agora, inclusive,  lições sociais, além dos estudos da medicina.


Morei nesse período em oito pensões: Botafogo, Flamengo, Catete e Copacabana, sendo minha última morada uma quitinete na Rua Senador Vergueiro 224 ap. 1002, vizinho à irmã do poeta Vinicius de Morais, amiga do meu irmão Pedro.


Era muito fácil mudar para mim, pois todas as minhas coisas cabiam na velha mala de papelão reforçada por finas tiras de madeiras, que trouxe de Cuiabá.


A partir do quinto ano de medicina, com muito orgulho,  pedi para meu pai - que desde o primeiro ano de medicina reduzira minha mesada, pois tinha escola e alimentação gratuita - para definitivamente suspender a mesada que me sustentou no Rio, pois outros irmãos estavam chegando para estudar e eu já era independente economicamente. Recebia salário com auxiliar acadêmico de medicina no Hospital e Pronto Socorro do Rio de Janeiro, depois como  médico efetivo. 


Com a mudança da capital, fazia “bicos” com auxílio financeiro no Hospital Pró-Matre, onde aprendi obstetrícia. Depois  de concluído o meu curso,  fui chefe de plantão, com o titular à distância. Também era médico-plantonista por 24 horas semanais da particular Maternidade de Jacarepaguá. 


Nunca tinha visto tanto dinheiro e, “vaidoso”, deixei de comprar roupas feitas para fazê-las com os melhores alfaiates do Rio. Era algo "grã-fino” e passei até me dar ao luxo de frequentar a noite. Numa dessas noites  fui “capturado” para a casa  de um paciente,  que se  tratava de uma colecistite calculosa , pela “menina” que sempre assistia as minhas visitas e dava explicações à família sobre a evolução do tratamento cirúrgico e cura do paciente.


Dia 31 de julho de 1964 voltava casado com Regina para Cuiabá, passando aqui à exercer minha profissão de médico generalista.


Gabriel Novis Neves

17-09-2021




segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O CÉU COMO RECOMPENSA


Assisti ao meu primeiro show "de revistas" já médico, em 1961, na boate do Hotel Copacabana Palace, a mais importante do Brasil naquela época. Fui na companhia de Carlos Eduardo e Piedade Epaminondas, como meus convidados.


Começava com o pé direito minha vida noturna, na opinião de muitos. Mas, contarei o milagre e o santo milagroso que me conduziu ao espetáculo, que era uma homenagem do produtor Carlos Machado a Lamartine Babo.


Claro que não tinha dinheiro para assistir ao show maravilhoso, e tampouco, convidar um casal de amigos para sentarmos em mesa especial, ao lado do famoso produtor!


Naquela ocasião dava plantão de 24 horas em um Hospital e Maternidade, ambos pertencentes ao político Álvaro Dias, de Jacarepaguá. Eu era colega do seu filho "Alvarozinho", chamado pelo carinhoso apelido de "Tatá" pelos seus colegas de faculdade e CPOR.


Certo dia o Tatá me procurou no Souza Aguiar, e me convidou para trabalhar no hospital onde assumira o cargo de Diretor Geral, já que seu pai estava impedido por ter sido nomeado para o Tribunal de Contas do Estado, presente maior para políticos que deixavam a vida partidária. Combinamos o salário e na mesma semana já estava trabalhando lá.


Em 1961, pegava três conduções para chegar ao hospital, mas valia a pena lá trabalhar, às vezes com um acadêmico estagiário. 


Logo no meu segundo plantão fui recebido pelo plantonista, dizendo que estava deixando uma “bomba” para mim! Uma menopausada judia, com diabetes descompensada e passando mal. Todo o plantão estive ao seu lado e esposo, um enorme alemão que a acompanhava. Graças a Deus, entreguei o plantão ao meu sucessor, com a paciente compensada da diabete e bem.


O casal de estrangeiros não sabia como me agradar. O senhor Fritz me deu, autografado, um livro de sua autoria sobre vinhos, e um cartão com nome e telefone do seu local de trabalho - Boate Goldrom do Copacabana Palace. Insistiu para que eu telefonasse para ele, onde daria notícias da sua esposa.


Em um desses telefonemas perguntou se conhecia a boate do hotel mais querido do Brasil. Respondi que nunca tinha entrado ali. Convidou a mim e namorada para assistirmos ao show de homenagem a Lamartine Babo, e ainda falou que eu poderia convidar um casal de amigos para completar a mesa! A essa altura sabia que o esposo da minha cliente era funcionário do Copa, mas não a sua função.


Marquei dia e hora, convidei Carlos Eduardo e Piedade, peguei um taxi com a Regina e fomos para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde ele me esperava com uniforme diferenciado dos outros funcionários e com a orquestra já funcionando para dançar na sua pista de danças (com piso de vidro iluminado onde alguns casais apaixonados, já dançavam).


Colocou-nos em uma mesa que, notei, ser de destaque, ao lado do Carlos Machado, sozinho fumando o mais saboroso charuto cubano.


Educadíssimo, agradeceu a nossa presença e passou a carta de vinhos, que tinham preços ao lado dos nomes muito nobres. Tive que reconhecer a inexperiência ao meu nobre amigo, afirmando não iríamos escolher nada, ficando essa função para ele. Nunca bebi e comi tão bem em minha vida e, embalado pelo clima de romance, dancei com Regina a noite toda no piso iluminado da boate.


Ao sairmos, meu amigo fez questão de chamar o taxi, abriu a porta para as moças e depois para nós. Presenteou-me com mais um livro sobre gastronomia e, aceitando seu generoso convite, voltei mais umas duas vezes, para reprisar o lindo espetáculo.


Vale a pena fazer o bem, mesmo não sabendo a quem. Assim conheci a boate mais famosa e cara do Brasil.


Gabriel Novis Neves

18-09-2021


Hotel Copacabana Palace 

Salão Golden Roon




domingo, 19 de setembro de 2021

SERÁ QUE FIZ POR MERECER?


Aos 86 anos de vida, acho que estou apto a responder a essa pergunta. Até há poucos anos seria impossível e inimaginável, sequer, em pensar nela.  


Executei aquilo que foi possível fazer no meu tempo com o material que tinha às mãos, sempre pensando em acertar.  Às vezes as coisas não corriam como desejava , mas a luta continuava, e  nunca me permiti dar como vencido. Tentava, e muitas vezes conseguia vencer e passar todas as barreiras que existiam. Com esse perfil  eu construí o meu passado,  do qual muito me orgulho.


Claro que gostaria de ter tido a oportunidade de trazer mais benefícios para o povo de Mato-Grosso!  Povo sempre trabalhador e tão carente em retribuições sociais, principalmente, educação e saúde, áreas que sempre atuei nos mais variados cargos públicos por mim ocupados.


Tenho noção das minhas limitações intelectuais e materiais para realizar todos os sonhos com os quais sonhei.  Alguns foram transformados em pesadelos, no entanto, a maioria foi transformada em bens coletivos para minha cidade e Estado.


Na vida privada também contribuí com importantes conquistas na área social, perpetuando essas vitórias com meus colegas de sonhos.  Na minha vida pública intensa, recebi inúmeras honrarias,  que fazem parte do protocolo.  Confesso, no entanto que, na maioria das vezes,  não refletia o desempenho no cargo, situação que recebia  e refletiu  no meu curto currículo de vida, pois sei quando não sou merecedor dos diplomas que encantam a muita gente.


Respondendo a pergunta da crônica - com a lucidez alcançada nos longos anos vividos, e vaidades perdidas, (se um dia existiram, foram deixadas pelo percurso da vida), respondo que fiz por merecer todos esses anos de lutas e hoje saboreio muito desses avanços, frutos de trabalhos intensos com gente altamente qualificada para me ajudar! A maior herança que deixarei aos meus filhos, netos e bisnetos será o reconhecimento em vida que “Fiz por Merecer”, tendo essa sensação do dever cumprido!


Gabriel Novis Neves

14-09-2021

sábado, 18 de setembro de 2021

PAIXÕES OCIOSAS E INAUDITAS


Dia desses procurei o que fazer à noite que não fosse futebol ou política. Descobri no youtube um show “romântico” comemorativo aos 25 anos do conjunto musical, Raça Negra.


O vocalista da banda é alma do conjunto, com instrumentos de sopro, cordas e ritmistas. Quando ele começou a cantar, eu estava na cadeira de balanço em frente à televisão e tive a mesma sensação quando, estudante de medicina, assisti a um ‘show de hipnose” do Oriete Bay, em um ginásio coberto da Tijuca.


Bastou o Luís Carlos começar a cantar ‘menina dengosa” com aquela voz anasalada, para eu começar a sentir sono, com pálpebras sendo fechadas, tais quando na hipnose recebemos comandos de voz com música alta. Se nos deixarmos ir pelos comandos de voz somos facilmente hipnotizados, se reagirmos, assistimos o show de hipnose.


Raça Negra há muito no mercado vem se mantendo, apesar da pandemia com seus shows belos e caros. A música brasileira é muito rica em ritmo e está sempre evoluindo, desde os tempos da Chiquinha Gonzaga, Noel Rosa, o estudante de medicina que se tornou um dos maiores compositores brasileiros.


O samba raiz dos morros cariocas dos poetas Cartola, Pixinguinha, Nelson Sargento e tantos monstros, que foram engolidos pelo período pré-bossa-nova de Antônio Maria, Ary Barroso, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues.


A bossa nova comandada pelo poeta Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim, e uma série de jovens da zona sul do Rio de Janeiro, entrando nesse grupo o longevo Roberto e Erasmo Carlos que mesmo com o crepúsculo da bossa nova até hoje são sucessos entre nós. Daí para frente a música popular brasileira, tornou-se inaudível aos meus ouvidos.


Vou continuar a cantarolar “menina dengosa” até que o mercado de discos se abra para novos compositores da música popular brasileira.


Gabriel Novis Neves

12-09-2021




sexta-feira, 17 de setembro de 2021

ESCOLAS DE MEDICINA NO BRASIL


Em 1960, quando me formei em medicina pela Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, existiam no Brasil apenas 26 escolas médicas e o curso de graduação era terminal, preparando os alunos para o imediato exercício da profissão.Não havia Residência Médica como nos dias de hoje, e sim, os estágios pós-graduação. 


Alguns poucos colegas iam para os EUA para estagiar em Clínicas famosas e muitos não voltaram para exercer a medicina no Brasil, especialmente aqueles que se dedicaram a Cirurgia Cardíaca.


A pós-graduação era um sonho para a maioria dos médicos, ficando as bolsas de estudo restritas a pouquíssimos médicos do Rio, São Paulo, Minas e Sul do Brasil.  Eram bem elitistas esses estudos de pós-graduação, como mestrado e doutorado.


Hoje, segundo informações do Presidente da Academia de Medicina de Mato-Grosso, possuímos cerca de 360 escolas médicas, sendo poucas ainda sem funcionar.


Participei, como Reitor da UFMT, da instalação e funcionamento da nossa Escola de Medicina em 1980 e, como Secretário Estadual De Educação no Governo Pedro Pedrossian, da sua criação em 1970!


Foram longos 10 anos de espera, determinados pelo MEC, quando criou uma “Comissão de Grandes Nomes” da medicina brasileira para opinar e negar o surgimento de novas escolas que, segundo eles,  estavam substituindo as “fontes luminosas” das pracinhas do Brasil!


Nessa espera, a UFMT fortaleceu seus cursos da saúde criando novos cursos , como enfermagem, nutrição, biologia, educação física, suporte de docentes para o novo curso de medicina.


Anos depois, aposentado da UFMT e com apenas atendendimento no consultório, aceitei o convite do Reitor Altamiro Galindo da UNIC, pra implantar um curso de medicina em universidade privada.


Um Procurador da Justiça Federal de então, resolveu proibir o funcionamento do novo curso de medicina, já com seu vestibular marcado, assim como o início do ano letivo.


Foi então que o nosso zeloso CRM resolveu nos chamar para esclarecer aqueles fatos. O Diretor da faculdade de medicina atendeu ao convite, e se fez acompanhar de todos os diretores dos cursos das áreas de saúde da Unic já em funcionamento como Odontologia, Enfermagem, Fisioterapia, Biologia, Psicologia, Bioquímica e Análises Clínicas. 


Quando do nosso encontro em Brasília, fomos hostilizados de maneira injustificável quando um professor e escritor, notável médico no Rio de Janeiro, voltou as costas para o Reitor da UFMT, abriu um jornal para leitura quando  este iniciou o uso da palavra,  que a fora oferecida para justificar o funcionamento de mais uma escola de medicina em nosso país.


Aqui no CRM as agressões foram verbais, com aumento do tom da voz dos médicos, dizendo que o diretor da nova faculdade de medicina “pertencia ao crime organizado”!


Em instâncias superiores, a vontade do Procurador da Justiça Federal não foi suficiente para impedir o vestibular e o funcionamento da faculdade de medicina.


Hoje, os filhos dos médicos que esbravejaram no CRM, estudam, onde seus pais muitos deles, ainda lecionam.


As duas faculdades de medicina da cidade de pouco mais de 600 mil habitantes possuem hoje veteranas escolas médicas muito bem avaliadas pelo Conselho Federal de Medicina, formando excelentes profissionais inseridos com sucesso nos mercados de trabalho de Cuiabá e região, onde vários são jovens e talentosos docentes.


Essa é história do funcionamento das nossas duas escolas, que têm em comum a humilhação sofrida por seus primeiros dirigentes para existirem.


Gabriel Novis Neves

14-09-2021