quinta-feira, 23 de setembro de 2021

MESADA CURTA


Sempre fui um estudante muito consciente  sobre as condições financeiras do meus pais; ele dono de um bar, minha mãe de prendas domésticas. Como referência do meu pai, possuía o casarão do seu local de trabalho e a residência para educar seus nove filhos. Nunca tirou férias, viagens, ou outras tantas extravagâncias,  assim como também nunca comprou um automóvel. Minha mãe fazia tudo que uma dona de casa com disposição e amor fazia.


Partindo deste ambiente econômico, onde ganhei a minha primeira bicicleta aos quinze anos, fui para o Rio de Janeiro estudar. Na modesta mala de papelão, com finas  tiras de madeiras como reforço, levei duas camisas, duas calças compridas, dois pares de meia, dois lenços e um abrigo de lã feito de crochê pela minha mãe.


A composição da primeira mesada era o valor da pensão, com café da manhã, almoço e jantar, o dinheiro da mensalidade do colégio onde terminei o segundo grau; despesas depois acrescidas pelo valor do cursinho preparatório para o vestibular de medicina, valor do transporte de bonde, da lavagem das roupas uma vez por semana, valor da taxa para cartas semanais e quando sobrava algum, para o cinema ou futebol no recém-inaugurado Maracanã. 


Com a minha entrada para a faculdade, tinha ensino gratuito na melhor faculdade de medicina de então, mais almoço e jantar. Nos domingos e feriados eu ia “filar” almoço na casa de parentes, ou no restaurante estudantil gratuito do Calabouço. 


Saíram do meu orçamento as verbas com  que pagava no colégio e cursinho preparatório, e também o valor das refeições que deixei de fazer nas pensões onde morei durante esses anos todos. 


Sobrava um dinheirinho para, com meus companheiros do “baixo” clero da universidade (aqueles alunos de aproveitamento mediano nos estudos que nunca foram reprovados e tinham poucos recursos para passarem o mês, geralmente do interior do Brasil), saíssemos em alguns finais de semana para frequentar os teatros da Cinelândia, principalmente o "Mesbla", com direito a visitas ao bairro boêmio da Lapa.


No quarto ano de medicina fiz concurso para interno de obstetrícia e ginecologia do Hospital e Maternidade Pró-Matre, sendo aprovado.  Lá fazia pequenos “bicos” quando auxiliava cirurgias particulares dos meus professores.


No ano seguinte fiz concurso para acadêmico de medicina do Estado e fui aprovado, sendo lotado no Hospital e Pronto Socorro Souza Aguiar, na ocasião o maior da América da América Latina, com um bom salário.


No sexto ano de medicina fiz concurso, e passei para monitor de ginecologia da cadeira do Prof. Arnaldo de Morais no Hospital Moncorvo Filho, e tinha gratificação mensal boa para mim.


O último ano do curso de medicina foi maravilhoso, mas a inflação começava a fazer vítimas; mesmo assim realizei muitas incursões pelos inúmeros bares de bossa-nova, ritmo novo que dominava o Rio de Janeiro, e ainda conseguia ajudar meus irmãos que estavam chegando ao Rio, especialmente o Pedro e menos ao Inon.


Assim, Bugre e Irene educaram três dos seus nove filhos no Rio, onde dois terminaram medicina e um economia.  Nos dias de hoje seria impensável fazer aquilo que meus pais conseguiram, os tempos são outros e Cuiabá fornece oportunidade de formar bons médicos e economistas, com casa e comida da casa do papai e ensino gratuito. Muito diferente à vida de estudante no Rio de Janeiro, com mesada curta.


Gabriel Novis Neves

18-09-2021


Olyntho Neves e Irene Novis


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