terça-feira, 21 de setembro de 2021

VIDA DE ESTUDANTE NO RIO DE JANEIRO


Estudei no Rio de Janeiro de 15 de março de 1953 a 31 dê julho de 1964. Os dois primeiros anos foram terríveis!  Cursava o terceiro ano do segundo grau no Colégio Anglo Americano e depois frequentei  o Cursinho preparatório para medicina,  do professor Galloti, no centro do Rio de Janeiro. Foram dois longos anos de ansiedade e incertezas. No Colégio Anglo Americano, senti o quanto cheguei despreparado para continuar os estudos. 


Minha turma do Colégio falava o inglês fluentemente e eu sabia literatura inglesa, e poucas palavras em inglês.  Tive que fazer um esforço descomunal para não ser reprovado, o que talvez me custasse o retorno para Cuiabá. Já no Galloti, tinha mais tempo para estudar, e uma boa turma mediana, que me encaixei para os estudos em casa.


A primeira pensão em que morava  ficava na Praia de Botafogo 420-ap101 (primeiro andar). Meu quarto ficava em cima da entrada da garagem do prédio e  sempre era despertado, pelo irritante ronco dos motores dos automóveis que subiam a rampa em direção à rua e o buzinar dos que estavam chegando.


Tinha como companheiro de quarto o querido amigo e colega Carlos Eduardo Epaminondas, já acostumado com a cidade grande. Lá conheci o pai do ministro Mandeta, que cursava os últimos anos de medicina. 


Minha pensão ficava entre as Lojas Sears, aonde ia para me divertir, olhar as lindas meninas que a frequentavam e onde comprava deliciosas pipocas, o máximo de extravagância que minha mesada permitia. Do outro lado do prédio da pensão ficava  a Igreja da Imaculada Conceição, que frequentava assistindo suas missas dominicais.


Depois de um ano mudamos para um apartamento de fundos da Rua Almirante Tamandaré, no Catete, "capital" dos alunos do interior. Ficava a poucos metros do Cinema São Luís, onde se namorava abertamente com a conivência do “lanterninha” da casa.


A poucos metros o restaurante Lamas, frequentado por intelectuais, artistas, jornalistas e estudantes quando recebiam as suas mesadas.


Noel Rosa frequentava uma cafeteria que nos fundos possuía várias mesas de sinuca para desfile dos profissionais da arte do taco e até amadores, que jogavam a dinheiro. Foi lá que Noel Rosa,  ex-estudante de medicina, escreveu em um guardanapo a letra de CONVERSA DE BOTEQUIM  (Seu garçom, faça o favor, de me trazer depressa, uma boa média que não seja requentada...) sucesso musical até nos dias de hoje!


A “casa dos bondes” , onde se recolhiam, ficava defronte à enorme praça cheia de pombas e pombos, que eram alimentados pelos idosos frequentadores da praça com milhos e miolos de pão. 


Do outro lado da praça era erguida a enorme igreja que passei a comparecer, com a minha mudança de endereço, também frequentada por pensadores como Gustavo Corsão, Eugênio Gudin e Sobral Pinto. Ao lado, o cinema de “segunda” classe,  o Politheama, onde vi pela primeira vez Luís Carlos Prestes discursando em 1954.


Aquele pedaço do Rio antigo era a alegria dos tantos estudantes que vinham do interior e procuravam pensões naquela região.


Foi ali,  próximo à farmácia Jacy, que o balconista-cantor Anísio Silva fornecia tubos de "Pervitim" aos alunos que vinham de colégios do interior para prestar vestibular; como do boêmio bar e churrascaria Recreio, quando passei no vestibular de Medicina da Praia Vermelha.


Minha vida no Rio começou a melhorar. Conhecia melhor a cidade, tomava o café na pensão,  que a esta altura já era outra mais simples, pegava o bonde 4 , o único que ia para a Praia Vermelha, onde assistia as aulas, almoçava e jantava.


Quando tinha uma folguinha ia à General Severiano assistir treinos do Botafogo de Newton Santos, Garrincha e Didi, ou ensaios na entrada dos bondes que levavam turistas ao Pão de Açúcar e existia a boate Casablanca, local que  as artistas iam ensaiar para os shows de Carlos Machado!


Era a descoberta para um menino do interior, onde tinha estudo, alimentação, treinos do seu time do coração e show de mulheres lindas e encantadoras!


Veio um período maravilhoso no Rio de Janeiro quando  aprendi muito do que sei agora, inclusive,  lições sociais, além dos estudos da medicina.


Morei nesse período em oito pensões: Botafogo, Flamengo, Catete e Copacabana, sendo minha última morada uma quitinete na Rua Senador Vergueiro 224 ap. 1002, vizinho à irmã do poeta Vinicius de Morais, amiga do meu irmão Pedro.


Era muito fácil mudar para mim, pois todas as minhas coisas cabiam na velha mala de papelão reforçada por finas tiras de madeiras, que trouxe de Cuiabá.


A partir do quinto ano de medicina, com muito orgulho,  pedi para meu pai - que desde o primeiro ano de medicina reduzira minha mesada, pois tinha escola e alimentação gratuita - para definitivamente suspender a mesada que me sustentou no Rio, pois outros irmãos estavam chegando para estudar e eu já era independente economicamente. Recebia salário com auxiliar acadêmico de medicina no Hospital e Pronto Socorro do Rio de Janeiro, depois como  médico efetivo. 


Com a mudança da capital, fazia “bicos” com auxílio financeiro no Hospital Pró-Matre, onde aprendi obstetrícia. Depois  de concluído o meu curso,  fui chefe de plantão, com o titular à distância. Também era médico-plantonista por 24 horas semanais da particular Maternidade de Jacarepaguá. 


Nunca tinha visto tanto dinheiro e, “vaidoso”, deixei de comprar roupas feitas para fazê-las com os melhores alfaiates do Rio. Era algo "grã-fino” e passei até me dar ao luxo de frequentar a noite. Numa dessas noites  fui “capturado” para a casa  de um paciente,  que se  tratava de uma colecistite calculosa , pela “menina” que sempre assistia as minhas visitas e dava explicações à família sobre a evolução do tratamento cirúrgico e cura do paciente.


Dia 31 de julho de 1964 voltava casado com Regina para Cuiabá, passando aqui à exercer minha profissão de médico generalista.


Gabriel Novis Neves

17-09-2021




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