domingo, 27 de fevereiro de 2011

NAMORAR NO PANTANAL

Diz um ditado popular que “rir é o melhor remédio”. Também acho. E me arrisco a acrescentar: “ler é o melhor energético”. E me arrisco mais: “namorar, é mais energético ainda”. Conciliar esses três fatores nos deixa fortalecidos. Rir, ler e namorar, a receita eficaz para nos deixar sempre com o astral lá no alto.

O escritor Abílio Leite de Barros é descendente de papa-bananas, nascido em Corumbá, e hoje vive em Campo Grande (MS). Ganhei de uma amiga um livro de sua autoria: Gente Pantaneira – (Crônicas da sua História). A orelha do livro, síntese do trabalho, é assinada pelo nosso poeta maior, Professor Doutor Honoris Causa da nossa UFMT- Manoel de Barros.

A leitura desse livro é um convite à reflexão. O autor relata histórias inesquecíveis que, segundo o apresentador do livro, se passam numa terra de paz, livre do preconceito, da inveja, e onde os desejos não têm limites – o pantanal.

São muitas histórias. Senti-me gratificado e energizado ao lê-las. Acrescentou-me informações bem inusitadas sobre aquela região. Além de serem repletas de bom-humor, fizeram despertar em mim minhas melhores emoções.

Acabei de ler uma delas, bem pitoresca, sobre o jogo amoroso no pantanal. Abílio nos diz que: “Para o vaqueiro pantaneiro as mulheres estão divididas em três categorias bem distintas: a moça, a mulher solteira e a mulher casada”.

E continua: “A moça é, obviamente, aquela que ainda não provou. No passado, alguns pais mais zelosos faziam o rancho com uma única entrada, como casa de amassa-barro. O quarto das moças era no fundo e sem janelas.”

Abílio nos relata que a mulher pantaneira é objeto de caçadas. Diz que tem cavalo que não pode ver moça na varanda que começa a sapatear com a cabeça erguida, andando miudinho de lado, numa espécie de balé, comandado pelo dono.

“A segunda categoria é a mulher solteira”. E ele explica: “uma das características da solteira do pantanal é que já tem filhos, mas não tem homem permanente. Às vezes a mulher solteira involuntariamente engravida, e fica difícil identificar o pai da criança, coisa, aliás, de pouca importância”.

O último grupo é formado pelas mulheres casadas, que continuam, evidentemente, como objeto de cobiça de todos.

“Sempre em muito segredo, mas, por qualquer descuido, elas pulam a cerca. O conceito de fidelidade para o pantaneiro é fruto da vigilância, e não, da virtude em si. O homem enganado, no fundo, não se sente traído, mas, simplesmente, com a sua vigilância vulnerada”.

E o conceito da beleza feminina? Do ponto de vista do vaqueiro, “a mulher não pode ser magra, feito tábua de bater roupa. Também não precisa ser graxuda de uma vez, mas, no correr da mão, a gente tem que sentir fartura!”

E por aí vai o Abílio, nos presenteando com sua escrita agradável. Uma ótima leitura, sem sombra de dúvidas.

Ah, sim! Cheguei à conclusão que é bem melhor namorar no pantanal - “um paraíso de convivência humana”.

Gabriel Novis Neves

22-02-2011

Primeira

Como fez sucesso aquela propaganda do soutien, que terminava dizendo que do “primeiro ninguém esquece!”

Passei por mais uma primeira, de tantas primeiras experiências que já vivi - a colação de grau em Direito da minha primeira neta.

Na fila, novas formaturas virão. Que me desculpem os outros netos, mas o vô jamais se esquecerá da primeira formatura.

Não da sessão solene, mas dos detalhes.

Ao chegar ao recinto do ato acadêmico, recebi um pacote, que, num primeiro instante, achei que se tratasse de um trote para o veterano recordista em colação de grau.

Mas, no pacote encontrei uma camiseta preta - que eu deveria vestir - com os dizeres: Parabéns Milla!

Depois, percebi que nas costas havia uma frase em inglês, que o motorista que me acompanhava não soube traduzir.

No pacote tinha também: um apito, papel brilhante picado, um fio que sustentava uma enorme bola inflável – que eu deveria ficar segurando.

Na fileira de cadeiras atrás da minha, amigas e familiares abriram uma enorme faixa de saudação à Milla.

Palavras de ordem eram gritadas, com respostas combinadas.

Os outros formandos, em número de trinta e seis, faziam o mesmo.

Gostei daquele ambiente. O Magnífico Reitor, com vestes acadêmicas seculares, iniciou a parte formal da colação de grau dos futuros responsáveis pelo cumprimento das leis deste país.

Foi uma noite inesquecível! Emoções novas são sempre bem-vindas! A mensagem da jovem oradora da turma ficará sempre na minha memória. Tão jovem e tão amadurecida!

Abordou e representou, com excelente habilidade, temas atuais da nossa sociedade e, com rara felicidade, o tempo da faculdade.

Foi realmente muito agradável! A mensagem foi leve, fluídica, bem humorada – bem ao espírito da festa.

Foi, enfim, uma noite dedicada à liberdade e ao humor.

No dizer do romancista alemão (1763-1825) Jean Paul Richter: “A liberdade leva ao humor e o humor conduz à liberdade.”

Nada mais estimulante para um discurso de novos advogados, que o compromisso com a liberdade, através do humor.

A formatura da primeira neta, a gente nunca esquece.

Gabriel Novis Neves

19-02-2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

ADRIANA

Não fiquei surpreso com a decisão da nossa Joana D´Arc - Adriana Vandoni.

Ela já havia me confessado, há meses, o seu desencanto com o futuro do nosso país, que o jornalista registra.

Após longas férias, pegou carona na aposentadoria do Fenômeno e saiu de cena.

Adriana é considerada por muitos a Martha Fenômeno do jornalismo político.

A Martha a que me refiro é aquela jogadora de futebol feminino, eleita pela FIFA várias vezes a melhor jogadora do mundo.

Não confundir com a senadora botox de São Paulo, ex-sexóloga da Rede Globo.

A saída repentina da proprietária fundadora de “prosaepolítica” me fez lembrar uma historinha muito contada em reunião com mais de uma pessoa.

Certa ocasião uma bem casada senhora, já no meio-dia da vida, ficou durante um mês longe do marido pela primeira vez.

Seu esposo ganhou uma bolsa de estudos no exterior e, como era uma oportunidade única para aprimorar os seus conhecimentos, houve amplo entendimento prévio e ele partiu.

Ao retornar, a esposa notou que não havia sentido um pingo de saudade.

O casamento já andava em banho-maria. Com a ausência congelou, sem nenhuma ajuda externa.

Ela deixou passar alguns dias e comunicou ao marido a sua decisão de por fim ao casamento.

O marido, perplexo ao receber a notícia que nunca esperava, tentou uma última indagação:

“O que houve? Tenho condições de argumentar”?

Não, foi a seca resposta.

"Eu não senti saudades de você durante a sua ausência e a sua presença me incomoda. Resolvi cortar o mal pela raiz. Está tudo acabado".

Foi com outras palavras que a minha Adriana me contou o fim do seu relacionamento com o prosaepolítica.

Durante as férias não acessou a internet e ficou desligada de toda e qualquer notícia.

No retorno, não sentiu a mínima falta do seu instrumento de trabalho.

Cansou de postar sempre as mesmas notícias onde só os personagens variavam.

Escreveu uma carta de despedida aos seus leitores dizendo que não escreveria mais e que o prosaepolítica não mais lhe pertencia.

Perde a liberdade de pensamento uma batalhadora. Perde o jornalismo um símbolo de resistência.

Perdem os leitores uma referência.

Em vez de muito obrigado, prefiro um até, Adriana.

Gabriel Novis Neves

19-02-2011

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Perda da razão

Em medicina, perda da razão tem várias interpretações científicas. Há uma nada agradável, que é chamada de alienação. Mas isso é na medicina, outrora chamada a arte de curar.

Sinto que o meu Estado, e a cidade onde nasci, sofrem de alienação no seu grau mais sério, caminhando para a cronicidade.

A alienação é total, “de mamando a caducando”.

A nossa Arca de Noé está fazendo água, e a pequena aristocracia burocrática, que no momento comanda a embarcação, ainda não percebeu nada.

Durante anos convivi profissionalmente com pacientes alienados. Sentia-me um privilegiado por estar ao lado deles, às vezes ajudando-os.

Hoje, diante dos considerados saudáveis, tenho receio de me tornar um alienado.

Uma sociedade que vive sem referenciais de valores é uma sociedade alienada.

Em todos os segmentos sociais, a insensatez é o fator dominante.

Vivemos em um Estado falido, sem projetos para a nossa gente. Sem saúde, educação, segurança, capacitação profissional, respeito pelo meio ambiente e ao cidadão.

Ninguém mais se comove com uma criança pobre esperando reformar a sua escola - fechada durante as férias – para poder voltar a estudar. Nem com a falta de professores e os seus ridículos salários.

Ninguém parece se importar com a saúde pública, sucateada pelos escândalos denunciados diariamente pelo secretário. Ou com a segurança - cujos indicadores de violência se equiparam aos do Complexo do Alemão, no Rio.

Vivemos na mais completa alienação.

Para o tratamento da alienação que impera entre a população, o governo está se utilizando de uma medicação que há anos saiu do mercado: o circo. Por aqui recebeu o nome genérico de Copa do Mundo.

Ainda dá tempo de se corrigir essa prescrição, já que o paciente trocou de médico. Ainda não perdemos toda a razão. Sabemos que para fazer obras precisamos de dinheiro, e isso não temos.

Em vez dos esperados recursos federais, ganhamos cortes totais para este ano. Há embromações e manipulações de frases de efeito.

Alienados sim, mas nem tanto!

Gabriel Novis Neves

18-02-2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

DÁ PARA ACREDITAR?

O novo ministro da Saúde é médico com militância política. Possui um belo currículo acadêmico e conhece bem a realidade da nossa saúde pública.

Um dos seus primeiros atos foi o de assumir com os médicos brasileiros, no dia três de janeiro, os seguintes compromissos, que estão disponíveis em MEDICINA, publicação oficial do Conselho Federal de Medicina, número 192, de janeiro de 2011.

São os seguintes os compromissos assumidos pelo ministro da Saúde:

01. Formar e fixar profissionais.

02. Garantir atendimento de qualidade à população e em tempo adequado para o tratamento do paciente.

03. Construir um pacto federativo para que a união, estados e municípios se comprometam com o aprimoramento do sistema público.

04. Defender a aprovação da Emenda Constitucional 29, referente ao financiamento da saúde.

05. Criar um fórum de discussão entre os setores público e privado.

06. Implementar melhorias no atendimento à saúde da mulher e da criança, a chamada Rede Cegonha.

07. Oferecer, por meio do Programa Farmácia Popular, medicamentos gratuitos para hipertensão e diabetes.

08. Cuidado especial e prioritário para a instalação das Unidades de Pronto Atendimento no Brasil (UPAs).

09. Combate e enfrentamento ao uso do crack no país.

10. Maior esforço no combate à dengue.

Após a leitura desses compromissos, lembrei-me muito do genial Mané Garrincha. Os jogadores da seleção brasileira estavam sentados no grande círculo do campo de treinamento na Suécia. O treinador era o Feola, que começou a orientar os seus jogadores. Chegou a vez do Mané Garrincha:

- Você, Garrincha, procura ficar em cima da linha lateral. Quando o nosso time sair para o ataque, Didi fará um lançamento para você. Pegue a bola e vai com ela em cima da linha lateral. Vem o lateral esquerdo para lhe dar o combate. Você o dribla e entra por dentro do campo. Vem o quarto zagueiro, você repete o drible e continua avançando em velocidade máxima em direção ao gol. No desespero, o zagueiro central vem para você. Nesse exato momento, passa a bola para o Vavá, que, livre da marcação, só terá o trabalho de enfiar a bola para as redes. Entendeu, Mané?

- Entendi, seo Feola – respondeu Garrincha.

- Alguma dúvida?

- Sim. O senhor combinou certinho com os jogadores da Rússia?

Esses dez compromissos do nosso ministro lembram muito a preleção do Feola. Será que ele já combinou com os ministros que possuem a chave do cofre? Com os deputados e senadores que aprovam as leis? Com os prefeitos de todo o Brasil? Com os governadores, especialmente os dos estados que irão servir de sede para a Copa de 2014? Estes, no momento, só pensam naquilo.

Com que dinheiro esses governadores da Copa irão construir as novas arenas, centros de treinamentos, aeroportos, desapropriações e o mega projeto da mobilidade urbana, além de outros?

Acho até bom dar uma assuntada na Presidente, que já declarou que o projeto do seu governo será cortar gastos, e já começou a combater a miséria.

Aqueles compromissos do ministro representam o sonho de todos os médicos brasileiros. Ele tem um custo não desprezível. Quem bancará? As prefeituras, com raríssimas exceções, estão quebradas. Os estados, inadimplentes, e o governo federal, com bisturi cortando verbas de orçamentos fantasmas.

Dá para acreditar na execução desses dez compromissos em quatro anos? Se pelo menos saísse um PAC para a saúde, eu teria alguma esperança. Sem a definição de recursos, fica difícil acreditar.

Gabriel Novis Neves

11-02-2011

Banheiro público

Em 1920 meu pai inaugurou o Bar do Bugre. O bar tinha duas frentes: uma, a principal, dava para a Praça Alencastro, e a outra para a Praça da República.

A situação do bar era estratégica.

O palácio do governo do Estado, a sede da prefeitura e Câmara dos Vereadores funcionavam pelas imediações – vizinhos.

A religiosidade da pequena cidade tinha os seus maiores eventos na Catedral Metropolitana.

Ao seu lado direito, funcionava o símbolo da eficiência educacional, o Palácio da Instrução. Ambos se localizavam na Praça da República – ao lado do bar.

Praticamente o forte comércio também habitava aquela região. O único ponto de taxi da cidade tinha o seu estacionamento à esquerda do bar.

Naquela época, toda essa beleza do aconchego, que só encontramos em pequenas cidades, tinha um problemão.

Não havia, na cidadezinha onde nasci, nenhum banheiro público.

Como tudo era perto, numa emergência voltávamos para casa - ou aproveitávamos a selvática prainha, logo abaixo.

O pessoal que vinha de fora para resolver problemas no governo, os motoristas de taxi e aqueles moradores dos distritos à procura do comércio ou lazer, não tinha outra saída a não ser utilizar-se do banheiro do bar do Bugre.

A cidade foi crescendo e o movimento no banheiro do bar aumentando, chegando, às vezes, a formar filas, que começavam na rua.

Nessa época o meu pai resolveu fechar “o quartinho”, para exigências maiores, e guardar a chave no seu bolso.

Passou a ser de uso exclusivo dos funcionários do bar e para atendimentos muito especiais!

Era impossível manter um mínimo de higiene no único banheiro privado que atendia ao público da capital.

À noite, os jardins da Praça Alencastro e da República eram muito frequentados. O movimento era intenso. Nessa altura do dia, o prazo de validade da creolina tinha vencido.

Era o momento da reclamação. Papai nunca respondeu a ninguém, mas na saída do reclamante dizia-me.

“O governador, prefeito, secretários estão todos no jardim, e essa gente, além de mijar na minha casa, ainda reclama?

O certo é falar com os homens.

Eu já cansei”.

Certa tarde de calor insuportável, o governador, como de hábito, deixava o seu gabinete no palácio, atravessava a praça e comprava cigarros no bar.

Presenciei o João Ponce falar ao papai: “Bugre, a coisa tá braba hoje. O vento está jogando o cheiro do seu banheiro no meu gabinete”.

Pegou o troco da compra e retornou ao palácio.

Falei ao papai: “Não é melhor jogar mais um vidro de creolina?”

Ao que ele respondeu: “Não, menino!

Ele é o governador, e incomodado talvez tome alguma providência.

Se o odor desaparecer, ele irá esquecer”.

Desse dia em diante, a ordem era lavar o banheiro só com água do tanque e sabão de barra.

O pessoal começou então a fazer das duas principais praças, banheiro, e utilizá-las como “quartinho.”

Aí o cheiro maior vinha de fora para dentro.

Sugeri ao meu pai acabar com o bar e transformar o local em um grande banheiro público privado.

“O senhor vai ganhar mais dinheiro e menos aborrecimentos com esse novo negócio” - ponderei. “Não vou conseguir alvará da prefeitura para funcionar, e o escândalo será imenso!”

Você já imaginou a manchete dos jornais? “Bugre cobra para mijar?”

A verdade é que o banheiro público é uma obra social que até hoje nunca sensibilizou os nossos governantes.

É um investimento importante, mas que não conta votos.

O problema continua na nossa ex-Cidade Verde, agravado pelo aumento da população.

Será que para a Copa se esqueceram dos banheiros públicos?

Será a nossa última chance de resolver este pequeno grande problema.

Gabriel Novis Neves

11-02-2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

BONITO É FEIO

Anunciar aumento de duzentos leitos hospitalares em uma cidade que nos últimos oito anos perdeu mais de mil, e cuja população do aglomerado urbano duplicou, não é um feito bonito.

Se considerarmos, entretanto, que a ex- Cidade Verde e a sua irmã do outro lado do rio Cuiabá atendem pacientes de todo o Estado, então o bonito é feio.

Quem vive saúde sabe como é pequeno o investimento para obras de remendos hospitalares.

Tanto é verdade que o governo estadual e federal fogem desses projetos sociais como o diabo foge da cruz.

Aqui em Cuiabá, o governo estadual incentivou o fechamento e a diminuição de muitos leitos hospitalares. Não contando as barbaridades cometidas com os laboratórios auxiliares.

Uma competente radiologista de um laboratório de referência do Estado me contou um fato inacreditável. O nosso governo recebeu do Ministério da Saúde vários tomógrafos de última geração. Um desses aparelhos queimou a sua placa principal. Em vez de uma simples troca, a ordem que veio de cima foi a de retirar a placa de um aparelho que iria para o interior do estado. O do interior virou sucata, e nunca chegou ao seu destino.

Este ato não foi um impulso emocional para resolver o problema do aparelho daqui. O governo sabia que, no interior, teria de contratar especialista com salário diferenciado, cuidar da manutenção do equipamento, que não é barato, e o técnico seria importado.

Isso tem um nome: gestão leiga, aquela que não aborrece os mandatários.

É simples resolver honestamente a humilhação da falta de leitos para os pobres. É só inverter a proposta.

Em vez de se oferecer dois milhões de reais a um hospital construído há mais de quarenta anos para criar sessenta novos leitos, que seja proposto ao hospital oferecer esse número de leitos. O preço da construção fica por conta do hospital.

Em contrapartida, o Estado compraria a utilização dos mesmos por trinta anos, com tabela diferenciada da tabela oferecida pelo SUS.

Como está sendo conduzido o nascimento desses leitos, o melhor é seguir o exemplo dos funcionários que definem a tabela do SUS e procuram tratamento em São Paulo, naquele hospitalzinho deles, o Sírio-Libanês.

Falar bonito para iludir a população, já desiludida, é feio.

Gabriel Novis Neves

14-02-2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cartão corporativo

Foi o último grande escândalo do governo passado e a primeira correção da nova Presidente.

Ela chegou ao poder como simples sucessora, para jogar a sujeira debaixo dos tapetes palacianos, e entregar, daqui a quatro anos, a cadeira ao Cara - no dizer do Obama.

Mas, nesses poucos dias de pouca falação e muita fazeção, sinto que o planejamento não será executado.

Já advertiu o cozinheiro do palácio, que foi cedido gentilmente pelo presidente do Senado, para controlar os gastos. Nada de gastar só com açougue sessenta mil reais por mês.

O corte é no orçamento, e também na picanha do palácio.

Existe um tremendo desconforto com essas primeiras cirurgias éticas da Presidente.

Na festa de aniversário do partido da estrela, era nítido o mal-estar entre o descobridor do Brasil e a Presidente.

Ela não se conforma pela não devolução do passaporte vermelho do ex-estagiário do zoológico da USP, considerado um gênio nos negócios pelo seu pai.

A militância histórica dos sindicalistas está, e com toda a razão, preocupada com a desconstrução da imagem do mito das pesquisas do IBOPE.

Até o plano do governo ela mudou.

De Brasil, um país de todos, para o extermínio da miséria no Brasil, que atinge 16 milhões de brasileiros.

Essa palavra - miséria - estava no índex para não ser jamais pronunciada.

Vetou nomes de alguns corruptos irrecuperáveis para continuarem no seu governo (Furnas) e vai construindo o seu jeito de governar.

Vetou, em cima da hora, a visita que alguns políticos do nosso Estado fariam a ela.

Pressentiu o circo montado: políticos, aspones, televisão, jornalistas e fotógrafos, numa missão sem nenhuma objetividade, a não ser passar o pires para receber recursos.

E como vai o governo da continuidade por aqui?

No mesmo diapasão, vivendo a calmaria quase esgotada da paciência do atual governador.

Diante dos escândalos dos cartões corporativos de Brasília, o que mais ouço nas ruas da ex-Cidade Verde é se existe também essa maravilha por aqui, já que os governos eram parceiros.

Confesso que não sei.

Gabriel Novis Neves

14-02-2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

TRAÍRA

A traíra é um peixe carnívoro de água doce.

É um dos peixes mais populares do Brasil.

Deve-se ter cuidado ao manipulá-la viva, pois costuma dar mordidas muito dolorosas e que sangram abundantemente.

Uma das características dessa espécie é o uso da emboscada para caçar.

Geralmente, a traíra fica escondida entre as plantas aquáticas, à espera de uma vítima imprudente para atacar.

Por esse comportamento traiçoeiro, o nome traíra é popularmente utilizado no Brasil para definir pessoas desleais, falsas, imorais e covardes, que agem em surdina para prejudicar alguém.

É o conhecido traidor.

Acho que a maioria das pessoas já foi agraciada com uma traíra na sua vida.

Eu já.

Já fui vitima inúmeras vezes dessa espécie, e no meu próprio habitat.

O traidor é sempre um cara de pau!

Certa feita caminhava eu na difícil estrada da construção pela ética e pela medicina humanística, quando fui atacado por uma traíra.

Naquela época, não tinha tempo para questões menores, como política médica visando ocupação de cargos bem remunerados.

Mas, a minha traíra sim.

Sempre traindo, essa traíra do pequeno riacho, conseguiu chegar à direção máxima nos serviços por onde passou.

O seu longo período foi marcado pela má gestão. Não conseguiu permanecer eternamente nesses postos diferenciados de trabalho burocrático.

Tal qual a traíra peixe, o homem-traíra é indigesto – possui muitos espinhos.

Recebeu dos seus colegas o valoroso troféu de traíra, o máximo que um traidor pode almejar na carreira.

Nem com lixa de aço as marcas da traição desapareceram.

Enfraquecido, não conseguiu indicar o seu sucessor.

No ostracismo, procurou uma garupa política segura, mas o seu cavalo perdeu a corrida nos últimos cem metros.

Como todo esperto peixe de água doce desapareceu nas profundidades do rio, deixando o esquecimento vencer os seus temores, para uma absolvição.

Nos momentos difíceis, de mim sempre recebeu uma palavra de conforto.

Pois bem.

Essa traíra costumava frequentar a minha intimidade caseira.

Um dia, após abarrotar a barriga com pastéis fritos na hora e esvaziar várias latinhas da redondinha, se despediu entre sorrisos e abraços – horas depois me traiu.

Assim vive a traíra. De traições em traições.

Portanto, fiquem alertas!

Ao entrar em um rio, cuidado com o que escondem as plantas!

Gabriel Novis Neves

10/02/2011

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Leigo

No mundo do conhecimento, todos nós somos leigos. A velocidade espantosa com que chegam novos conhecimentos - geralmente via internet – torna impossível, ao mais estudioso dos estudiosos, manter-se bem informado.

Certa ocasião, na biblioteca de uma universidade, a diretora entrou em um site de pesquisa. Em alguns segundos, centenas de pesquisas realizadas no mundo eram inseridas na rede de informações.

O interessante é que nesse curto prazo de tempo foi postado, por duas universidades de continentes diferentes, o relato de uma pesquisa sobre câncer de ovário. Os resultados conclusivos sobre a terapêutica e o prognóstico eram bem diferentes.

É muito difícil, hoje, dominar o conhecimento. Daí as especialidades, restritas não a um órgão do corpo humano, mas, no caso específico da medicina, a uma pequena função. O mesmo acontece em outros setores do conhecimento.

No momento há uma discussão jurídica entre dois países democráticos que sempre primaram pelo conhecimento jurídico.

A Itália solicita ao Brasil a devolução de um réu condenado pela sua justiça. O Brasil se nega a devolvê-lo, baseado no Direito Internacional. Essa discussão é antiga, e aguarda parecer do nosso Supremo Tribunal Federal.

Na abertura dos trabalhos legislativos, um veterano senador por São Paulo lê em plenário uma carta do italiano, pedindo clemência. Em certo trecho da carta o réu do outro continente confessou o seu desejo de permanecer por aqui. Justifica ter muito a contribuir com a nossa democracia.

O recém-eleito senador mato-grossense, que até há pouco tempo era Procurador da República e professor de Direito em São Paulo, solicita, em aparte, a devolução do italiano para a sua pátria.

Logo circula na internet o parecer de um ex-ministro da Justiça, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-senador pelo Rio Grande do Sul e professor de Direito - ele também defendeu a extradição do preso.

Uma francesa, em Paris, concedeu uma entrevista ao sério jornal O Estado de São Paulo dizendo que o italiano é inocente.

Telefono a um amigo jornalista e advogado, meu orientador, dizendo que estava confuso com o que li e ouvi. De um lado o parecer de um ex-Procurador da República e de um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. De outro a entrevista de uma senhora francesa. Como sou leigo no assunto, fica complicada essa divergência de colocações. Simplesmente não sei o que pensar - muito menos tirar uma conclusão sobre o caso.

Na sua peculiar generosidade, ele respondeu: “Meu amigo: a entrevista gerou a dúvida, e, no direito, quando surge a dúvida, o beneficiário é o réu”.

Agradeci o parecer do meu incentivador e pensei: se a falta de conhecimento prejudica, o excesso, agora, também.

Só uma certeza ficou: todos somos leigos, e o currículo morreu.


Gabriel Novis Neves

12-02-2011

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

JOÃO SEM BRAÇO

Cresci ouvindo no bar do meu pai a história do João Sem Braço.

Os da minha geração conhecem bem o enredo da peça.

Para a geração dos meus filhos, a versão seria a Lei do Gerson.

A canhotinha de ouro - naquele instante de burrice que todos vivemos - como ídolo nacional, em uma publicidade afirmou que gostava sempre de levar “alguma vantagem.”

Foi um desastre para o campeão do mundo de 1970.

Para os meus netos conto a história do João Sem Braço: um cara preparado, com ótimo senso para bons negócios.


Sempre levava vantagem no que fazia.


A turma que manda politicamente em Mato Grosso, queria aplicar o golpe do João Sem Braço na presidente.


Esta, no entanto, curtida por tantos golpes que recebeu, e deu, na sua vida, identificou de imediato o João Sem Braço na frustrada expedição que estaria em Brasília.

Logo percebeu que seria vítima de uma enorme pressão no seu gabinete de trabalho com a presença de inúmeros e inexpressivos Joões Sem Braço.

Um batalhão de cinegrafistas, fotógrafos, jornalistas e aspones - documentariam e divulgariam o golpe.

A presidente, que tem demonstrado que não é facilmente enrolada, muito menos tem tempo a perder, cortou a farra, antes mesmo do decolar do jato da ex- Cidade Verde.

Pediu para o ex-médico do SUS de Ribeirão Preto, que remarcasse a visita, com apenas os dois principais caciques daqui.

Se o meu colega médico adotar o procedimento padrão para remarcar uma consulta perdida no SUS, o golpe dos espertos matutos não deu certo.

Até para o folclórico golpe do João Sem Braço, há necessidade de um mínimo de cultura para dar certo.

Ficou feio, né?

Gabriel Novis Neves

15-02-2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Seringal

Em 1970, ano da criação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), existia uma casa em Manaus com uma placa na porta: Prefeitura Municipal de Aripuanã-MT.

O prefeito de Aripuanã naquela época era o único piloto capaz de pousar o seu teco-teco na pista construída. Para a abertura da pista, utilizaram-se apenas de machados e facões.

Antonio Junqueira, pioneiro seringalista, me presenteou com o livro “Seringal – O mundo dos bravos”, escrito por Marco Aurélio Nedel. O livro é um depoimento de Antonio Junqueira e de outros pioneiros daquela região quase virgem.

Na apresentação do livro uma frase me chamou a atenção: “O seringueiro, homem inculto, é o verdadeiro descobridor da nossa Amazônia, um herói, um bravo”. Esta frase é do padre João Evangelista Dornstauder. Segundo o padre José de Moura – autor da apresentação –, Dornstauder foi o pacificador das etnias Kaiaby e Rikbáktsa, e um grande aliado dos seringalistas.

A apresentação do livro – que li com avidez – já me sinalizava que a excursão por ele seria memorável. E foi.

Em 1970 tudo o que se sabia sobre o norte do meu Estado é que se tratava da maior área desconhecida do País. Para se ter uma idéia, o município de Aripuanã tinha as dimensões da Inglaterra.

O município era de mata alta e fechada, e a população era composta, na sua grande maioria, por índios de várias etnias. Eles viviam em guerra com os brancos invasores. Outros não tinham nenhum contato com os homens brancos.

“Tudo o generoso Deus fez, e fez bem.”

O planalto Amazônico mato-grossense tinha a oeste o rio Guaporé - “Rio histórico, conhecedor das façanhas dos Capitães Generais.” A leste, “O belo rio Araguaia, límpido e aristocrático”.

Muitos foram os pioneiros deste descobrimento. Apenas um ainda está entre nós - o Antonio Junqueira, memória viva das aventuras e desventuras daquela época. O livro aborda com excepcional riqueza de detalhes todas as dificuldades encontradas. Por outro lado, relata, com maestria, as belezas intocadas da natureza e a fascinante cultura indígena.

Em 1971, Fragelli, governador, é obrigado a vender grande parte da região para fechar as contas do tesouro do Estado e promover o desenvolvimento de Mato Grosso, ainda uno.

Em agosto de 1972, em Brasília, como 1º Reitor da UFMT, participei da 1ª Reunião do Conselho de Reitores das Universidades Públicas Brasileiras (CRUB). Nesta reunião, nossa equipe de trabalho lança a Universidade da Selva e o Projeto Aripuanã.

Em 1974 um avião Búfalo da FAB pousa na pista construída pela Uniselva e homologada pelo DAC. O avião levava o governador Fragelli, três ministros de Estado, técnicos e cientistas dos governos Federal, Estadual e eu – como Reitor da Universidade da Selva.

Iniciou-se ali a integração do Estado de Mato Grosso.

Os pioneiros da borracha foram substituídos pelos pioneiros do sul do Brasil, principalmente. A ciência e tecnologia era um aviso de como ocupar racionalmente a floresta. Saem os canivetes do sangramento dos seringais. Surge uma maquinazinha desconhecida dos seringueiros: a moto-serra. A nossa Amazônia é transformada na maior serraria do mundo! Etnias não foram extintas, mas muitas tiveram reduzidas as suas populações.

Essa ocupação desordenada foi chamada de progresso.

Um seringueiro cuiabano anônimo cunhou esta poética e linda frase, síntese de todo esse processo, com invulgar sabedoria:

“No dia em que eu morrer, se minha alma tiver vergonha, não sobrevoará esta mata da seringa.”


Gabriel Novis Neves

06-02-2011