quarta-feira, 27 de abril de 2022

PRIMEIRA GREVE GERAL NA UFMT


Chego ao hospital e caminho para o meu consultório.


Na “Praça da Alimentação”, encontro elegantemente vestido lendo um jornal, um famoso economista, ex-aluno da UFMT.


Aproximo do meu amigo consagrado pelos estudos para cumprimentá-lo e adverti-lo.


Mestre, este é um hospital feminino.


Sua presença aqui levanta suspeita.


O professor entendeu a brincadeira.


O seu clínico geral, tem o seu consultório no segundo andar, mas, distante da Praça de Alimentação, polo dos consultórios dos ginecologistas e obstetras.


Como seu médico estava atrasado, o ex-dirigente do Diretório Acadêmico da UFMT na década de 70, espontaneamente, me fez um depoimento que desconhecia durante o nosso cordial bate papo.


O senhor conhece a verdadeira história da primeira greve da UFMT?


Disse-lhe que foi uma greve de adolescentes e que não deixou cicatrizes.


Então, em homenagem a história, ele me relatou com minúcias os acontecimentos que eu desconhecia totalmente.


Fui o único reitor encarregado de implantar uma Universidade Pública Federal no período do regime militar e que dispensei o serviço de inteligente (SNI), na instituição de ensino, e nem me interessei por ideologias, raças, religião, preferência sexual e outros penduricalhos do sistema social da hipocrisia.


Também nunca apliquei o temido artigo 477, que desligava o aluno da universidade por motivos ideológicos.


Tinha como único foco implantar a maior usina de conhecimentos em Cuiabá e, só.


Trabalhei com os mais variados perfis humanos e profissionais, e sempre aproveitei as suas virtudes.


A tentação para o desvio e provocações foram inúmeras.


Diante do relato do ex-aluno, fiquei perplexo.


O comando do diretório da UFMT era do MR-8.


O relacionamento dos estudantes com o reitor era o melhor possível.


Nunca foi aplicado nenhum ato revolucionário contra um aluno ou professor.


O reitor sim foi cassado por motivos políticos.


Depois recuperou o seu cargo.


A ordem nacional revolucionária era uma greve geral em todas as universidades públicas brasileiras.


Foi solicitada a presença do presidente da UNE, que clandestinamente veio para cá e se infiltrou entre os nossos estudantes, fato esse confirmado anos depois pelo próprio ex-dirigente da UNE, que se tornou político profissional.


Precisavam de preferência de um cadáver para que o movimento tivesse projeção nacional e internacional.


Conseguiram um voluntário que simulou uma agressão por empalamento, que o levou ao suposto abdômen agudo.


Conduzido a Santa Casa de Misericórdia por seus colegas, foi atendido por especialistas e internado para observação.


Nada de anormal foi encontrado pelo exame físico e laboratorial.


Só então fui informado do que estava acontecendo.


Passei no Restaurante Estudantil ao lado da reitoria onde os estudantes, meus amigos, estavam concentrados e revoltados.


Disse-lhes que lamentava o ocorrido e que iria visitar o seu colega no hospital, mas voltaria para informar-lhes sobre a real situação de saúde do universitário.


Com mais de seis anos de prática no maior hospital de urgência e emergência da América Latina, o Hospital Souza Aguiar do RJ, após ouvir o relato dos meus colegas que estavam cuidando do garoto, me permiti a examiná-lo, a pedido dos mesmos.


Meu diagnóstico batia com o da equipe de especialistas: “simulação”.


Fomos para a sala dos médicos onde discutimos o assunto sob todos os ângulos, e considerando que a medicina não é uma ciência exata, decidimos que o melhor seria fazer um procedimento clássico e ético: “laparotomia exploradora”.


Não quis entrar no campo cirúrgico, embora estivesse presente no Centro Cirúrgico, pela minha condição de reitor.


Após inventário minucioso de toda a cavidade abdominal, nenhum sinal de trauma foi constatado.


Concluído com êxito o procedimento médico, apressei-me em trazer aos jovens acampados no restaurante a boa notícia.


Ao fazer o relato das boas condições de saúde do seu colega, sem nenhuma possibilidade de ter sofrido um trauma ou risco de morte, levei a maior vaia da minha vida.


Toda aquela gente inocente precisava de um cadáver.


Esses fatos com nomes dos autores me foram fornecidos pelo renomado e respeitado economista.


Até onde a paixão política transforma seres humanos privilegiados em frequentar uma universidade pública, em país de analfabetos, em seres irracionais.


Assim, terminou melancolicamente a primeira greve geral na UFMT.


Essa é a história não escrita.


Gabriel Novis Neves

16-11-2013




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