Passei o mês de março de 1964 frequentando a sala de espera do Gabinete do Ministro da Saúde, no Rio de Janeiro.
Meu tio médico, único irmão da minha mãe Irene, acabara de se aposentar como médico sanitarista do Ministério da Saúde.
Tinha deixado bons amigos no Ministério em posições importantes, inclusive no Gabinete do Ministro.
Estava há 3 meses casado e a minha mudança já estava em Cuiabá.
Gostaria de preservar por algum tempo o meu cargo efetivo de médico da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Meu tio Osvaldo Novis me deu um cartão de apresentação ao seu amigo Dr. Cláudio, que trabalhava no Gabinete do Ministro, para sondar o Ministro sobre o meu desejo de retornar à minha cidade natal.
Estava difícil de se conseguir essa audiência, até que em um dia de audiência pública, no final do expediente, consegui o sonhado horário.
Cheguei bem antes do horário marcado de terno e gravata, no primeiro dia da semana do segundo semestre de março.
O Ministério da Saúde funcionava em um prédio no centro da cidade, nos últimos andares.
Estava na fila do elevador, quando aparece todo elegante com uma pasta de luxo, o Bugrinho da Mandioca, filho da Dona Janóca.
Logo me pergunta: “o que você faz por aqui, filho do Bugre do Bar? ”
Respondi-lhe: tenho uma entrevista com o Ministro, e contei o meu objetivo.
Bugrinho abre a sua pasta, tira uma enorme folha de um bloco com o timbre do PTB.
Escreve ao ministro: Fadul, quero que você atenda esse meu pedido. Assinou e verifiquei que ele era o Presidente do Diretório do PTB.
Entra no elevador, me diz que iria falar com o Ministro e iria fazer com que ele me atendesse.
Chegamos juntos ao gabinete.
Silva Freire (como era conhecido), abriu a porta do Gabinete do Ministro e entrou imediatamente, e ao terminar a audiência, me disse que tinha falado com o ministro.
Recomendou-me ainda, “não se esqueça de entregar o meu pedido ao Ministro”.
Já estava noite, quando todos os “pedintes” da sala de espera entraram no Gabinete, e em círculo ficavam à espera do Ministro para o seu pedido.
Na minha vez entreguei o bilhete do Silva Freire.
Ele pediu ao Dr. Cláudio, o amigo do meu tio, para resolver a solicitação do diretório do PTB.
No dia 30 de março de 1964, uma segunda feira à tarde, fui ao Ministério da Saúde, tentar agradecer ao Ministro o pedido feito pelo Silva Freire.
Fiquei até tarde na sala de espera do gabinete do Ministro, quando fui informado que ele tinha saído para uma reunião importante com o Presidente João Goulart no Automóvel Clube do Brasil na rua do Passeio.
Peguei um ônibus e logo estava em casa na rua Senador Vergueiro.
Durante o jantar o noticiário da TV estava transmitindo ao vivo o pronunciamento do Presidente do Brasil.
Fiquei preocupado com o tom dos discursos, inclusive do Fadul (Ministro da Saúde).
Depois fomos conversar e logo procuramos dormir.
No outro dia pela manhã não tinha nenhum compromisso e fiquei trabalhando o emocional da minha mulher para a grande decisão de vir para Cuiabá.
Não li jornais, nem ligamos a TV no dia 31 pela manhã.
Almocei, peguei um taxi e fui para meu plantão no Hospital e Pronto Socorro Souza Aguiar, na Praça da República no Rio.
Entrei no hospital e fui para o vestiário dos médicos colocar o uniforme do plantão.
Notei algo de estranho desde a minha entrada no hospital.
Os colegas do plantão anterior, apressados mudavam de roupa para irem para casa.
Só desejavam boa sorte aos que estavam entrando.
Ninguém sabia informar o que acontecia de anormal naquele dia.
Antes de iniciar o plantão, já uniformizados, íamos até a pequena e modesta cantina do hospital para tomar um cafezinho, fumar e depois procurar os setores que estávamos indicados pela chefia do plantão.
Nessa tarde de 31 de março o alto falante da cantina e de todo hospital pedia para que Augusto Paulino Neto e eu, comparecêssemos com urgência ao gabinete do diretor do Hospita,l Dr. Brito Cunha.
Encontramos o diretor com uma metralhadora cruzada no peito, mal dormido, cheio de equipamentos de rádio no seu gabinete, e muito preocupado.
Foi logo dizendo ao Augusto e eu, que fomos escolhidos, por merecimento, para uma missão muito importante.
Tinha montado um Hospital de Campanha, dentro do Palácio Guanabara e nós iriamos proteger a vida do governador Carlos de Lacerda e de todos que estivessem por lá.
E que corríamos também risco de morte.
Disse que não poderia avaliar o que poderia acontecer no Rio de Janeiro.
Orientou como iriamos ser transportados, deitados no chão da ambulância (chapa fria), cada qual em uma, com proteção militar.
Seriamos recebidos pelo Secretário de Segurança Pública e apresentados ao Governador, que também com uma metraradora cruzada no peito, presidia uma reunião em uma mesa enorme com militares e políticos importantes.
Lacerda pediu que cada um de nós nos sentássemos ao seu lado, numa forma elegante de nos prestigiar.
Encerrada a reunião, ficamos sabendo que os telefones do Palácio haviam sido cortados.
Lacerda vai assistir a um filme e nos convida.
Lá pelas tantas uma pessoa chega agachada e fala algo baixo para o Lacerda.
Este manda acender a luz do cinema e se retira.
Nos saímos, pois, a instrução que recebemos era ficar colado com o Governador.
O emissário que conseguiu sair de São Paulo foi Abreu Sodré, que veio avisar ao Lacerda que o comandante do 2º Exército, General Amauri Kruel, tinha ficado contra o seu compadre gaúcho Jango.
O Palácio Guanabara estava isolado, com pouca gente com o Governador (contei menos de cem pessoas incluindo os militares).
O Pároco da Igreja do Largo do Machado, veio celebrar uma missa na capela para o Governador, amigos, políticos e nós médicos.
Lacerda comunga.
A informação era que o Almirante Aragão já estava com suas tropas – os fuzileiros navais, no Largo do Machado próximo ao Palácio Guanabara, que seria tomado com facilidade.
O Presidente do Brasil Jango Goulart, estava no Palácio das Laranjeiras, próximo ao da Guanabara.
Silveirinha (da fábrica Bangu), tenta retirar Lacerda do Palácio para não ser morto, porém este não aceita.
O ambiente dentro do Guanabara é o mais tenso possível.
Ouvem-se tiros.
Corre notícias que o General Mourão Filho de Minas-Gerais, havia se deslocado com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro.
O resto todo mundo conhece.
Fui agradecer ao ministro de Jango, que acabara de me nomear, viabilizando meu retorno para Cuiabá, e no outro dia estava prestando serviços médicos para seu maior adversário político Carlos de Lacerda.
O médico no exercício da sua profissão ao entrar na casa do cliente é cego, surdo e mudo.
Como é bela a profissão de médico quando exercida com ética!
Gabriel Novis Neves
31-03-2022
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