quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

ROJÕES


Segundo historiadores, herdamos dos portugueses o hábito de celebrar nossas alegrias “soltando” os rojões de pólvora.   Nas festas religiosas, datas cívicas, no Natal e Ano Novo, aniversários de pessoas queridas, campanhas políticas e até para comemorar um gol do nosso time do coração, “soltamos” foguetes.


Foguetório pode também ser aviso, que a droga chegou ao morro, ou a polícia estar chegando.   Quem ganha um prêmio na loteria, só a casa lotérica que vendeu o bilhete comemora com foguetório. O sortudo desaparece e o valor do prêmio determina a distância da fuga do ganhador.   Até festa de amigo oculto tem fogos!


Ontem, já noitinha, quando ouvi pela janela do meu escritório o barulho de fogos bem distantes, tive a certeza da comemoração de alguém.   Logo me veio à lembrança o barulho dos fogos da minha infância, quando comecei a entender das coisas da vida.


O primeiro filme recordação foi do ruído dos fogos comemorando o Natal e Ano Novo.   Lembrei-me do Papai Noel vestido de vermelho, com botas pretas, cabelos brancos, óculos claros e enorme saco vermelho às costas, cheio de presentes.


Depois, os barulhos típicos das queimas de fogos continuaram durante esses anos todos, ficando cada vez mais sofisticados.   A felicidade passou a ser medida pelos minutos das queimas dos fogos, como na entrada do ano novo, onde há uma verdadeira competição mundial.


Antigamente, rojões com muito barulho eram “soltos” da Igreja de São Benedito, de meia em meia hora, das quatro às cinco da madrugada, para acordar os fiéis para a missa do Santo.   Toda a cidadezinha da minha infância acordava, quando seus pais iam à missa do santo da devoção.


Já na passagem do ano velho para o ano novo as crianças eram acordadas pelo “estrondo” dos foguetes, com a certeza que logo completariam também nova idade, quando receberiam presentes.


Ontem, ao ouvir o barulho dos fogos, fui invadido por uma onda de melancolia. Sabia que os fogos aconteciam em alguma parte não muito distante do local onde moro, da hoje cidade grande.   Desconhecia quem estava comemorando daquele jeito, com quem, por qual motivo, bem diferente dos meus anos da infância quando sabíamos de tudo. Os fogos das madrugadas da igreja não se ouvem mais do lugar onde moro.


Só posso estar velho, ainda "ouvindo" o foguetório que acordou minha cidadezinha na madrugada de 29 de outubro de 1945, quando a ditadura Vargas chegou ao seu final.   Eu menino, corri às janelas da minha casa encontrando lá os meus pais, com a vizinhança nas calçadas da Rua do Campo, próximos a residência dos governadores.


Tudo era foguetório - e continua - graças aos portugueses que nos ensinaram também queimar dinheiro para demonstrar um momento de felicidade.


Gabriel Novis Neves

16-12-2021







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