segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

JÁ TIVE INVEJA


Quando criança, juventude e início da fase adulta, tinha muita inveja dos mais velhos quando estes contavam as suas histórias de vida, e sempre tinham um fato novo para acrescentar.


Calado, eu ouvia com uma ponta de inveja por não ter nada que relatar.


Perguntava a mim mesmo quando teria a experiência para contar aos meus amigos minhas experiências de vida.


O tempo passou e não percebi.


Hoje geralmente converso com pessoas bem mais jovens que eu, pois meus contemporâneos, na maioria, já partiram, e os que ficaram não se interessam mais por coisa alguma deste mundo.


Não tenho mais inveja, e estou sempre a acrescentar fatos novos em conversas que participo.


Eles parecem que são retirados do fundo do baú de recordações que é a casa da memória, quando um assunto puxa ao outro.


O velho está sempre disposto para conversar, e agora entendo bem o historiador Estevão de Mendonça, que morava próximo à casa dos meus pais na rua do Campo (Barão de Melgaço).


Como ele só tinha sono na “boca da noite”, acordava e ficava na janela do seu quarto, de pijama de calças e mangas compridas, boina de lã com proteção para as orelhas e o seu inseparável cigarrinho de palha na boca.


Quando algum transeunte passava, mesmo que fosse na calçada do outro lado da rua, ele chamava para bater papo.


Sabia que ele queria conversar e eu, um garoto, não tinha assunto para uma conversa com Estevão de Mendonça.


Certa ocasião me chamou e perguntou o que fazia na rua.


Respondi que vinha de uma “brincadeira” na casa de um colega na rua Cândido Mariano.


Bastava responder à sua primeira pergunta para ele iniciar a conversa, sendo difícil escapar dele, pois, as suas histórias eram interessantíssimas.


Complicado era justificar o horário que eu chegava em casa para minha mãe abrir a porta da rua fechada com uma tranca.


Ele me contava com detalhes sobre os moradores ilustres que que viveram por ali por um período, inclusive, dois ex-Presidentes da República, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.


No mundo todo Cândido Mariano era reconhecido com Rondon, e durante muitos anos os cuiabanos o chamavam de Cândido Mariano.


Cândido Mariano deixou Cuiabá para comandar pequena expedição para implantação dos fios telegráficos até Manaus.


No seu retorno chegava em Cuiabá pela rua da Boa Morte, cujo nome foi trocado para homenageá-lo.


Hoje a Cândido Mariano é popularmente conhecida como a rua das Óticas, por abrigar o maior número dessas lojas comerciais em seu trajeto.  


Mal sabia Estevão de Mendonça que após a sua morte e para ser sempre lembrado, foi trocado o nome da rua do Caixão pelo seu nome, e eu sou um dos seus moradores.


Não tenho mais inveja de ninguém, e o velho do grupo sou eu, contador de histórias, que são reminiscências do meu passado.


Gabriel Novis Neves

24-12-2022




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