Consta
que a palavra saudade não existe em outros idiomas, apenas na língua
portuguesa.
Do
alto dos meus oitenta anos começo a me dar conta que não sinto saudades das
situações vividas ao longo desses anos.
Elas
foram digeridas e metabolizadas uma a uma no seu devido momento e as suas
decorrências, de tão longínquas, não mais me atingem.
Dei
naqueles momentos o melhor de mim para resolvê-las e, se não o fiz mais
adequadamente, é porque realmente não saberia fazê-lo. Portanto, nada de
saudades e, muito menos, de lamentações.
Sinto
saudade sim, verdadeira, daquele corpo ágil, daquela intensa força vital que
nos rege sem que nos apercebamos, daquela alegria espontânea do viver pelo
simples viver, daquele acordar diário em que cabeça corpo e membros trabalham
em uníssono.
Saudade
de uma carcaça que se pretendia eterna, sem maiores cogitações sobre a finitude
da vida.
Essa
é a grande saudade daqueles que, aquebrantados pelo tempo, mesmo não temendo a
morte, não conseguem especular sobre ela.
Essa
precariedade que povoa os idosos é bastante ameaçadora.
As
tentativas de afugentá-la através de plásticas faciais, próteses, malabarismos
em academias ou quaisquer outros artifícios, apenas exacerbam essa sensação de
insegurança crônica e, portanto, devem ser rejeitadas.
Considero-as
atalhos que não levam a lugar algum ou, quem sabe, levem apenas os alienados e
os ingênuos a um número de caminhos ainda mais desérticos.
O
que acredito mesmo é que, na integralidade do meu raciocínio, possa ir
desfolhando, uma a uma, as dificuldades pertinentes a essa faixa etária sem que
“os fazeres” e “os desfazeres” do passado possam contaminar o meu presente,
isto sim, o que tenho de mais importante.
Chegar
aos oitenta anos lúcido e cônscio de suas fragilidades é o maior prêmio que
esta viagem chamada vida pode oferecer.
Felizes
daqueles que conseguem entender que nessa fase da vida não mais necessitamos de
conceitos e menos ainda de obediência a imposições sociais estabelecidas sem a
nossa concordância.
Aprendemos
que as concessões, que tanto nos aprisionaram durante longo tempo, nos parecem
ridículas e absolutamente desnecessárias.
Não
mais dependemos do que pensam de nós, e concluímos que essa é a liberdade que
passamos a vida buscando.
Com
a percepção da inutilidade das hipocrisias, finalmente nos sentimos verdadeiros
e autênticos, frequentemente até incomodativos para os que nos rodeiam - ainda
prisioneiros da mentira social.
Bens
materiais já não nos interessam tanto, e até nos divertimos com a fascinação
que eles causam aos circunstantes.
Ter
a verdadeira dimensão do que valemos como pessoas, e não simplesmente como
heranças ambulantes promissoras, é uma dádiva concedida a uns poucos mais
esclarecidos e corajosos.
Exatamente
por essa falta de avaliação sem brilhos e sem paetês, vemos tantos idosos
desencantados e deprimidos nesses anos finais de existência.
Na
pujança desses oitenta saudáveis anos tudo passa como um filme meio borrado em
que os personagens que por ele desfilaram e continuam desfilando são vistos
como experiências únicas e enriquecedoras, livres de mágoas ou de rancores.
Amar
coisas e pessoas cada vez com mais intensidade e compaixão torna a velhice
essencialmente doadora e faz dessa viagem aqui na terra uma aventura única.
Gabriel
Novis Neves
05-07-2015
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