Vivo
o presente, pois o futuro é um prêmio, mas não esqueço o imenso legado que é o
meu passado.
Pincei
momentos gostosos daquilo que passou, já que no presente a cada dia recebemos
uma dose de veneno das nossas autoridades maiores e, talvez, sentindo esse
futuro incerto
Lembrei-me
da 1ª feira livre na minha pequena cidade. O dia era seis de janeiro, de um ano
do início da década de quarenta.
Chovia
muito neste dia. A feira era uma grande novidade para nós. Foi montada na
Avenida Generoso Ponce.
Durante
os dias que precederam a inauguração do comércio na rua, só se ouvia falar na
data da inauguração.
O
esperado dia chegou e perguntei à minha mãe se ela não iria ao evento. A
resposta foi surpreendente: - “Eu não posso deixar a casa e as crianças, mas
gostaria que você fosse fazer as compras”.
Recebi
como um troféu o convite e a pequena cesta feita de fibras de folhas de
palmeiras para trazer os legumes e frutas comprados.
Não
me recordo da quantia de réis (moeda da época) que ela me deu para as despesas.
Debaixo
do guarda-chuva deixei a minha casa e em poucos minutos cheguei ao lugar
festivo.
Nunca
tinha visto aquelas barracas cheias de verduras, legumes, frutas, rapadura,
doce de leite, farinha de mandioca, panela de barro, pau de guaraná para ser
ralado, peixe do Rio Cuiabá, carne seca e até remédios da flora.
Fiquei
totalmente perdido e atordoado diante de tanta gente alegre e entusiasmada,
comprando um pouco de tudo que encontrava em exposição.
Impiedosamente,
a chuva continuava o tempo todo e eu não conseguia comprar nada.
Quase
voltando para casa, satisfeito por participar de uma conquista própria de cidade
grande, resolvi adquirir algo para colocar na cesta vazia. Seria humilhante
diante de tantas ofertas “passar em brancas nuvens” sem nada escolhido.
Uma
barraca estava cheia de maxixe, um legume verde espinhoso muito apreciado por
aqui quando feito com carne picadinha e arroz.
Enchi
a cesta, pois o preço era ridiculamente barato. Ao retornar para casa minha mãe
foi auditar as minhas compras e disse que tinha cumprido com distinção o meu
dever, após conferir o troco do dinheiro disponibilizado para a missão.
No
entanto, fez uma delicada pergunta, que guardo até hoje como uma relíquia da
minha formação: - “Por que só trouxe maxixe?”.
“Era
o produto mais barato da feira, mamãe”, respondi educadamente.
Ela
somente sorriu com condescendência amorosa diante da minha resposta.
Mas,
aquele sorriso me fez reconhecer a minha total inabilidade e incompetência para
compras seletivas.
Aquela
compra longínqua do maxixe me impede até hoje de frequentar shoppings e
supermercados.
Gabriel
Novis Neves
21-03-2015
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