segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A FLOR ENVELOPADA


De uns tempos para cá, tive o intuito de suscitar o interesse dos meus amigos para a leitura das crônicas. Passei a enviar, associada a elas, uma flor do meu jardim.


A tarefa de fotografar as plantas, eu a deixo por conta da cuidadora. Pelo menos duas vezes ao dia, ela sobe à cobertura para regá-las.


Aproveita e, celular na mão, reproduz as imagens das flores. Depois envia para mim no escritório. Elejo as melhores e guardo no campo das ‘fotos’ do meu iPhone.


Ao enviar minhas crônicas, simbolicamente as envolvo com a foto de uma flor. Não há quem não aprecie essa invencionice, já que as flores cativam.


Cartola, grande poeta do morro da Mangueira, tinha o costume de papear com as rosas do seu jardim. Isso é de domínio público.


Seus versos o denunciam: ‘As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti’!


Gostaria imenso de conversar com as flores do meu jardim. No entanto, a disautonomia, somada à artrose dos joelhos, me impede de subir às escadas para delas me aproximar.


Já pude comprovar vezes tantas: meus leitores sentem falta quando a crônica lhes chega sem a flor.


Não me inibo de dizer: a beleza das flores, às vezes, é mais comentada que a própria crônica. 


Longe de mim assegurar que meus textos sejam de má qualidade. Dou a mão à palmatória e nem ouso com elas competir. Fizesse, jamais subiria ao pódio, tão encantadoras são.


As flores encartam um apelo todo especial. Toca bem no fundo de nosso coração a simples visualização delas. 


Já me foi dado o ensejo de organizar vários jardins. Por onde passo, sempre deixo essa herança aos olhos dos que por ali passam. Ao topar com um jardim, não há quem fique indiferente.


Em meu apartamento, na cobertura, nesses trinta anos, já tive quatro. É a tanto que dedico boa parte do meu dia, impossibilitado de sair de casa.


Não lhes nego: gostei de todos. Cada um com seu charme. Mas o último é o que tem mais flores, em especial as do deserto.


Ainda em criança, a beleza das flores me ‘enfeitiçou’. Fui ‘criado’ na Praça Alencastro. Tão rico em flores e plantas, todos o chamavam de ‘Jardim’!


Como era bonito, da porta do bar do meu pai, derramar meus olhos para as lindas palmeiras imperiais. Seus canteiros internos, muito bem desenhados com rosas das cores mais variadas!


Na parte externa, suas árvores de flamboyant pintadas pelo Autor de nossos dias com tintas escolhidas. Como era difícil eleger a mais linda!


Essa cores e imagens do primeiro ‘Jardim Público de Cuiabá’, construído por meu bisavô, um engenheiro militar gaúcho, ficaram impregnadas na minha mente.


Mesmo nos dias de hoje, ao modo como faziam as antigas gerações, continuo a intitular a Praça Alencastro de ‘Jardim’. Simples assim!


0s afortunados que tiveram a felicidade de viver aqueles bons tempos, irão por certo se emocionar, com a lembrança do nosso ‘Jardim’.


A Praça da República, com suas palmeiras maravilhosas, com seus canteiros — gramados e floridos a lhe cortarem o interior —, que coisa linda!


As ruas eram todas elas arborizadas, produzindo frutos. Quantos não se referiam a Cuiabá como a Cidade das Mangueiras! Sim, elas sobressaíam.


Fui criado em uma casa de quintal com várias árvores, onde o sol não ousava penetrar. Posso até afirmar que, no geral, isso ocorria na maioria dos casarões de Cuiabá.


Essas imagens continuam a dançar no meu pensamento. Pelo que elas me significam, numa tentativa de revivê-las, por onde passo vou semeando jardins. Nesse andar, confiro à vida ares de festa. Sempre florida.


Que educador esse Rubem Alves! Como sabia das coisas! Isto é dele: ‘Quem não tem jardins por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles’. Taí: eu assino embaixo.


Gabriel Novis Neves

13-12-2023




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