quarta-feira, 18 de outubro de 2023

MÉDICO


Na escola de medicina aprendi que, uma vez médico, esquecesse o mundo mundano com festas e viagens.


Mesmo após a nossa morte física, iríamos fazer consultas nas sessões espíritas que eram muito concorridas.


Na rua de Baixo (Galdino Pimentel), onde nasci e fui educado até aos dez anos, existia um Centro Espírita que nos dias de consultas tinham muitos frequentadores.


Era gente que vinha ao escurecer do dia dos quatro cantos da pequeninha cidade.


Muitos passavam em grupos pela calçada da minha casa em direção ao Centro Espírita, que ficava quase em frente à Padaria do Latorraca.


A maioria era de mulheres e adolescentes, vestidas com seus casaquinhos, e de braços dados, iam conversando em tom de voz bem baixinho.


Com os meus nove anos ficava encantado com a fé dessa gente que todas as semanas passava pela calçada da minha casa.


Meus pais eram católicos e nunca comentaram nada comigo sobre esse assunto.


Retornei à minha terra natal para exercer a profissão de médico.


No auge da minha carreira, quando “todos os cuiabanos eram meus clientes ou falavam bem de mim”, numa tarde recebi uma senhorinha com a sua irmã pouco mais velha, para consultar.


Educadamente nos cumprimentamos e antes de eu iniciar a anamnese, ela me perguntou se eu acreditava no espiritismo?


Respondi que respeitava todas as religiões.


Satisfeita ela me perguntou se eu conheci o Dr. Pereira Leite?


Claro! Respondi: ele morava quase em frente à minha casa na rua do Campo (Barão de Melgaço).


Apesar da diferença de idade, conversámos muito, ele tinha seu consultório de clínica geral, adultos e crianças, e atendia na sala da frente da sua casa, como era hábito na época.


Éramos contraparentes e fiz os partos da sua única filha, a seu pedido.


Todo o pré-natal foi conduzido por ele e só fiz o parto cesariano, pois o feto pesava mais de cinco quilos.


A minha cliente do consultório me disse que no Centro Espírita que ela frequentava, no bairro da Lixeira, tinha feito uma consulta com ele, que recomendou que me procurasse com urgência e me mostrou a folha do receituário do local da consulta.


Ao simples exame físico detectei um avançado tumor maligno da mama com gânglios axilares palpáveis.


Nesse caso o espiritismo funcionou, mas a paciente veio a óbito diante do estado avançado da doença.


Quando aposentados os médicos são obrigados a trabalhar emitindo indicações, pareceres pelo whatsap, receitas e assistindo às intervenções cirúrgicas sem dia e horário definidos.


Mesmo depois de morto, o médico continua trabalhando nos Centros Espíritas, Terreiros, Candomblés e outros.


Gabriel Novis Neves

20-08-2023




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